Política

Carreata proibida, cloroquina e
outros ingredientes eleitorais

DANIEL LIMA - 16/04/2020

Não me peçam certeza sobre qualquer coisa que diga respeito às eleições deste ano no Grande ABC. Não me sugiram certeza relativa, também.  O mundo está de ponta-cabeça e a região não é diferente. Não vivemos numa bolha em qualquer dimensão da vida. A globalização do vírus veio para azucrinar a todos. E também para promover remelexos sociais imagináveis.

Até que ponto a carreata programada para amanhã e previamente interditada pela Justiça a pedido do prefeito influenciará na campanha de Paulinho Serra em Santo André?

E a declaração pública do tucano Orlando Morando que, ao sair da enrascada do vírus que o acometeu, declarou que a cloroquina bolsonarista foi um santo remédio, associado a outros, enquanto o governador tucano, João Doria, muito próximo a Morando, faz parte da confraria desclassificatória dos poderes medicamentosos?

Essas ponderações, entretanto, não me impedirão de tentar oferecer algumas leituras críticas que de certa forma possam colaborar na construção de cenários.

Marqueteiros em ação

Aliás, os marqueteiros dos donos do poder regional e daqueles que pretendem apeá-los dos respectivos paços municipais não fazem outra coisa. É do jogo político buscar o controle da opinião pública em nível suficiente para assegurar a vitória eleitoral.  

Para isso, claro, existem os bons e os péssimos marqueteiros. Conheço as duas espécies em 40 caracteres. O mau-caratismo e também a competência se expressam e se chocam com clareza tanto num quintal como num oceano.

Não faltam éticos entre eles, mas também campeiam vagabundos em sentidos múltiplos, presos a ideologias e dispostos a transformar uma disputa eleitoral em campo de batalha de assassinatos éticos e morais. Um ou outro está nas redes sociais destilando, por exemplo, o anacronismo de políticas públicas facilmente encontradas na exumação do socialismo rastaquera ou em oposição a operações profiláticas como a Lava Jato.

Mais generalização

Talvez o que mais se aproxima de alguma solidez de perspectiva para as eleições desta temporada seja o conceito da generalização em oposição à especificação.  

Entendo preliminarmente que pesaria mais na porção relativa à influência do Coronavírus nas eleições municipais a gravidade de erros dos contendedores. Ou seja: os acertos seriam diluídos como quase que uma obrigação do gestor público, enquanto trapalhadas bem exploradas pelos adversários poderiam causar danos com repercussão nos votos. As redes sociais estão aí para conta do recado.

Só não me peçam para dizer qual seria o grau de influência porque aí seria demais. Entre múltiplos vetores que levam o eleitor a decidir em quem votar o vírus estará presente nesta temporada como infiltrado indigesto. Quanto vai ser importante ou acessório é questão subjetiva individual que na medida em que ganha o coletivismo da comunicação pode se tornar avalanche organizada.  

Para os pequenos empreendedores o vírus poderá ser um divisor de águas entre os adeptos à direita e à esquerda do espectro político. Para os jovens engajados, a influência seria exatamente o oposto. Para os evangélicos é uma coisa; para os católicos é bem diferente, ou um pouco diferente. Assim dizem as pesquisas.

Exagerando na dose?

Da mesma forma que Paulinho Serra agiu com presteza e de forma midiaticamente lucrativa ao lançar o hospital de campanha no Estádio Bruno Daniel, porque a imagem cilíndrica e metálica impressiona, acredito com relatividade crítica já exposta que poderá sair pela culatra o tiro da proibição da carreta no Jardim Santo André em favor da abertura do comércio.

Paulinho Serra teria extrapolado pendores autoritários ou a responsabilidade social do governador João Doria. Não custa lembrar que o governador não chegou ao ponto de Paulinho Serra ante movimentos semelhantes, como o do final de semana na Capital. Quem inventou a reação possivelmente cometeu grave erro de cálculo eleitoral, embora do ponto de vista sanitário seja mais que defensável.

Especula-se sobre a possibilidade de o gabinete de guerra ao vírus do titular do Paço de Santo André ter caído na armadilha da oposição Os desdobramentos econômicos da pandemia nos municípios serão mais sensíveis. O ambiente nacional é difuso para aferir os estragos do vírus. O ambiente metropolitano compartilhado pelo Grande ABC pode ter percepção ácida do esticamento da clausura social. 

Cloroquina tucana

Já a cloroquina deve dar dividendos eleitorais a Orlando Morando.  Até ser hospitalizado e sair ileso do vírus chinês Orlando Morando parecia em desvantagem no placar da pandemia. Desgastara-se desnecessariamente com a restrição inconstitucional de mobilidade de idosos. Sem contar que o maior aliado potencial rumo a um segundo mandato não tem lá esse prestígio em São Bernardo. Tanto que (estamos falando de João Doria), ganhou por apenas 10 mil votos em relação a Luiz Marinho a eleição para governador no Município. O santo remédio bolsonarista (não é assim que tratam a cloroquina?) colocou Morando nos braços dos conservadores que Doria afastara nos embates abertos com o presidente da República.  

Tenho colecionado publicações da imprensa regional nas quais florescem medidas dos prefeitos nesse período excepcional em que o municipal se mistura ao regional que por sua vez é impactado pelo estadual e nacional. Sem contar os números e repercussões internacionais que de alguma forma balizarão avaliações sobre os impactos do Coronavírus.  Não há uma fórmula mágica quando se transpõe a questão sanitária ao campo político-eleitoral.

Talvez o maior problema dos prefeitos de plantão seja a deficiência no campo econômico. Os anúncios de corte de salários cheiram a tudo, menos a qualquer coisa que se aproxime de gestão estratégica. Seria algo mais que oportunismo.

Custos federais

Renunciar a determinados percentuais de vencimentos por algum tempo sem oferecer aos contribuintes números mais abrangentes dos custos da máquina pública é falsa solidariedade. Soa mais como marketing do que como comprometimento. Medidas drásticas não passeiam pelos jardins dos paços municipais.

Medidas econômica de gestores públicos fora do ambiente corporativo são tímidas. Por mais que os municípios tenham pouco poder decisório e influenciador quando se toma à mão o universo do Estado brasileiro, há margem de manobra que, numa composição de valores, permitiria definições favoráveis aos contribuintes, pessoas físicas e jurídicas.

Impostos municipais como ISS e IPTU teriam constitucionalidade excepcional a proteger os contribuintes. Parece que os prefeitos só querem os benefícios da repartição de dinheiros federais aos governadores e às autoridades municipais. A escassez de ações econômicas dos prefeitos leva a conclusões preliminares de que pretendem ficar ilesos dos efeitos da pandemia.

Afinal, os custos seriam integralmente do governo federal. Rodrigo Maio, presidente da Câmara dos Deputados, é o porta-voz dessa confraria de abusados, quando não irresponsáveis. Todos estão de olho nas próximas eleições. Que a dívida pública exploda. Literalmente.



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