Conforme o prometido nas redes sociais, vou destrinchar em 10 pontos capitais a pesquisa do Instituto Datafolha traduzida em reportagem do jornal Folha de S. Paulo. O material publicado na edição de sábado apresenta imensos vazios (propositais ou não?) que merecem ser destacados.
O resumo dessa ópera é que o Datafolha e a Folha de S. Paulo esconderam dos leitores a lógica que está por trás desse momento de convulsão no País, com o Coronavírus e os manejos para a derrubada do presidente da República, que reage ao acenar para os militares. Que resumo é esse? Que a derrubada de Bolsonaro não conta com apoio popular. Mais que isso, e contrariamente a isso: Bolsonaro conta com respaldo de quantidade semelhante de brasileiros que o elegeram. Veja os pontos que selecionei para triturar os dados do Datafolha e a reportagem da Folha de S. Paulo:
Base representativa da direita radical
Falta de liderança na oposição
Apoio subjacente do espectro central
Desgaste do ministro após Fantástico
Saúde é o que interessa
Governadores perdem terreno
Limitações da Grande Mídia
Renúncia fora do questionário?
Fidelidade da pesquisa
Especulações sobre o futuro
Vitrine temática exposta, agora vamos a breve resumo desses pontos cardeais da ação conjunta do Instituto Datafolha e da Folha de S. Paulo. Como destaco neste texto, não se pode perder a perspectiva da importância da pesquisa. É Datafolha com a abrangência midiática respaldada pela Grande Mídia.
Os resultados e as interpretações subliminarmente ou escancaradamente levados aos consumidores de informações são uma obra de engenharia de marketing. Junta-se nessa operação a cientificidade das pesquisas e a credibilidade do jornalismo que, todos sabem, nestes tempos de redes sociais é bastante contestada.
Base representativa da direita radical
O Datafolha perguntou aos entrevistados sobre a capacidade do presidente líderar o País. Mais da metade, (exatamente 52%) respondeu afirmativamente: Bolsonaro tem capacidade. Do lado de quem disse que Bolsonaro não tem capacidade foram 44%. Dentro da margem de erro, repete-se a votação de segundo turno nas eleições de 2018 em votos válidos. Não se deve acreditar que exista uma terceira via de interpretação quanto aos dados que também contabilizam 4% de entrevistados que não souberam responder. O nível de polarização politica no País não permite tergiversações. Bolsonaro tem um eleitorado cativo que o fortaleceria em momentos decisivos. Como o ambiente destes tempos de impeachment defendido pelos que se autodenominam integrantes do “campo democrático”. Falastrões que ajudaram a levar o Brasil para o buraco ao longo de décadas.
Falta de liderança na oposição
A resistência de Bolsonaro está estreitamente ligada à insuficiência de credibilidade de opositores ao centro ou à esquerda. Os 44% dos entrevistados do Datafolha que optaram por “não tem capacidade” ao se referirem às condições de Bolsonaro liderar o País são o somatório de todas as adversidades do presidente. Um contingente que já se manifestou em forma de votos nas eleições presidenciais. No fundo, ao mesmo tempo em que é razoável concluir que Bolsonaro tem perdido enorme oportunidade de aumentar o cacife eleitoral, os adversários divididos e repartidos estão estatisticamente imobilizados. O passado condena a maioria na opinião dos eleitores como usufrutuários de sinecuras que tornaram o Estado e o grande empresariado no entorno do Palácio do Planalto parceiros preferenciais na arte de empobrecer o País quer com incompetência, quer com roubalheiras. Quando não as duas metades da mesma laranja podre.
Apoio subjacente do espectro central
No questionamento do Datafolha à “avaliação do desempenho de Bolsonaro em relação ao surto de Coronavírus”, há divisão notória entre os que consideraram ruim/péssimo, no total de 38%, e de ótimo/bom”, com 36%. Uma disputa que termina em empate técnico quando se leva em conta a margem de erro. Dos 23% que consideram a atuação de Bolsonaro regular pode ser capturada elevada fatia do eleitorado mais à direita, ao resistir bravamente à premissa de ruim/péssimo, mais compatível com o ambiente nacional destilado pela Grande Mídia. Bolsonaro teve, portanto, uma avaliação numérica abaixo da massa de eleitores que o consagrou presidente num tema especifico bastante espinhoso e no qual o lugar-comum é que fracassou redondamente. Se mesmo assim o eleitorado que lhe dá 36% de bom/ótimo sustenta uma igualdade com o pior dos mundos do presidente, é possível inferir que o futuro reservaria espécie de batalha final para catequisar quem optou pelo “regular”. Somente uma grande catástrofe na saúde a reboque do Coronavírus remeteria Bolsonaro ao desfiladeiro. Quanto pior melhor para o oposição.
Desgaste do ministro após Fantástico
Em duas semanas o então ministro Luiz Henrique Mandetta teve curva de prestígio mais que interrompida. Configurou-se impactada. Houve mais que um achatamento, expressão tão em voga nestes tempos de pandemia e da qual Mandetta lançou mão no ambiente nacional como patenteador. O resultado significou que, ao ser demitido do cargo, Mandetta já acumulava aprovação com viés de baixa. Pesaram dois fatores: certo cansaço provocado pelo contingenciamento social de consequências econômicas desastrosas e não tão inevitáveis como muitos vendem, e a repercussão da entrevista ao Fantástico. O primeiro ponto, o cansaço como o isolamento social, decorre basicamente dos apuros econômicos que a sociedade, sobretudo as classes populares, denuncia com o aumento de circulação que aplicativos de celular registram. O segundo ponto, porque a decisão de Mandetta foi tratada como espécie de traição. A Rede Globo não é exatamente parceira do governo Bolsonaro. Mandetta perdeu o apoio dos militares do entorno do presidente da República. Politico de olho nas próximas eleições (e qual politico não o é?) optou pelo confronto público com o presidente como fórmula de sair como vítima. Mestre na arte das palavras e dos gestos, hábil politico que é, Mandetta fez da entrevista aula de diplomacia e humanismo, além de show de empatia pessoal e familiar. Por mais que tenha dado certo a operação-demissão, Mandetta e seus apoiadores desconsideraram o dia seguinte, do processo de aceleração da corrosão de imagem nas redes sociais. A aprovação de 76% no Datafolha na pesquisa de 1 a 3 de abril caiu para 70% na etapa seguinte do instituto, de 17 de abril. No mesmo período, Bolsonaro não só estancou a sangria de desaprovação, de 33%, COMO e subiu dentro da margem de erro para 36%. Somando-se a queda de seis pontos de aprovação a Mandetta os três pontos de apoio a Jair Bolsonaro, a diferença que os separava foi reduzida em nove pontos percentuais. O que era o dobro de prestígio de Mandetta ante Bolsonaro, segundo destacou a Folha ao noticiar a segunda rodada, caiu a 65% na terceira.
Saúde é o que interessa
Quando o Datafolha perguntou aos entrevistados “a posição sobre a situação do combate à pandemia após a troca do ministro Mandetta”, o resultado não deixa margem à dúvida: independentemente dos aspectos econômicos, a politização é jogada às traças. A possibilidade de que o resultado pudesse ser contaminado pela aprovação aos trabalhos do então ministro Luiz Henrique Mandetta era potencialmente forte, mas os dados surpreenderam: para 32% dos entrevistados, a projeção é de que a saúde vai melhorar, enquanto 36% apontaram para a piora do quadro e 20% entenderam que não haveria mudança: “vai ficar igual”. Transpondo os fatos ao campo esportivo, seria algo como o técnico da Seleção Brasileira barrar Neymar num jogo decisivo da Copa do Mundo e, consultados, os torcedores manifestarem expectativa de que o substituto não ficaria nada a dever à estrela titular. Trocando em miúdos no caso real da pesquisa: apenas 36% disseram que sem Mandetta a saúde dos brasileiros iria piorar no combate ao Coronavírus.
Governadores perdem terreno
Ainda há muito combustível de aprovação a gastar, mas a pesquisa do Datafolha da última semana também detectou desgaste dos governadores no combate ao Coronavírus. Quer por decisões avaliadas como arbitrárias (João Doria ameaçou prender em São Paulo quem não obedecesse ao regime de isolamento social), quer porque todos estavam na cola do prestígio de Mandetta, houve recuo do eleitorado. O viés de alta dos governadores foi interrompido e impactado negativamente conforme mostra o Datafolha. Na pesquisa de março, a primeira da série, eram 54% dos brasileiros que aprovavam o desempenho dos governadores. No começo de abril subiu para 58% e na terceira, da semana passada, voltou ao patamar de 54%. Na região Sudeste, na qual os governadores João Doria e Wilson Witzel foram os maiores protagonistas das ações restritivas à circulação de pessoas, a aprovação despencou de 55% para 49% entre a segunda e a terceira rodada de pesquisas do Datafolha. O viés de alta (na primeira rodada a aprovação aos governadores do Sudeste era de 51%) também engatou leve marcha-a-ré.
Limitações da Grande Mídia
A Grande Mídia perdeu espaço na construção da opinião pública brasileira com o advento das redes sociais, mas jamais foi tão abalada com o pós-Bolsonaro. A campanha eleitoral que o diga. O enredo é conhecido de todos. A facada contribuiu muito ou principalmente para a vitória bolsonarista, mas não teria o efeito arrasador caso não houvesse uma candidatura fixada em pontos centrais dos brasileiros, sobretudo no campo da Segurança Pública e da corrupção. Pois as redes sociais seguem a dar sustentação a Bolsonaro ante provavelmente a maior avalanche da história da Grande Mídia brasileira contra um presidente da República. Não interessa os motivos desses combates. O que os números mostram é que há resistência da sociedade ao encaminhamento de uma suposta solução regeneradora em forma de impeachment ou renúncia do presidente. O terço do eleitorado que apoia Bolsonaro (há alguma dúvida sobre isso?) e o respaldo de provável maioria de eleitores desvinculados da esquerda e da centro-esquerda dão suporte de governabilidade e de eventual contragolpe, como se ensaia. O que a Grande Mídia mais tem feito nos últimos tempos, numa estratégia saída do forno da conjunção de interesses corporativos revestidos com o manto da democracia, é demonizar as redes sociais. Fake news viraram obsessão inclusive do Supremo Tribunal Federal. O que não conta são as fake news da Grande Mídia, muito mais bem elaboradas e imperceptíveis para quem desconhece as mágicas da subjetividade do jornalismo profissional que se desviam a uma causa específica. Um exemplo: denominar “governo federal” tudo que supostamente seja positivo e “presidente Bolsonaro” tudo que supostamente é negativo. Dominante nas mídias sociais, o governo de Jair Bolsonaro e seu entorno mais radical e também mais brando seguem a traçar um enredo bem diferente do que tempos menos convulsivos, mas sempre relevantes que marcaram a historia do País.
Renúncia fora do questionário?
O Datafolha fez a pergunta e preferiu não repassá-la aos leitores da Folha de S. Paulo ou o Datafolha repassou a resposta do eleitorado pesquisado e a Folha preferiu não fazer qualquer abordagem porque o resultado final não teria agradado à Grande Mídia que utiliza o instituto de pesquisa como base científica à sedução dos consumidores de informação? A pergunta fica no ar. E se trata do seguinte: na segunda rodada da pesquisa, entre 17 e 18 de março, o Datafolha quis saber dos entrevistados quem era favorável à renuncia de Jair Bolsonaro. A resposta virou manchetíssima da edição de 5 de abril: “Maioria é contra renúncia de Bolsonaro, aponta Datafolha”. Manchetíssima é a manchete das manchetes de primeira página. O enunciado está longe da interpretação de leigos. Quando se coloca em jogo a credibilidade do presidente da República em forma de plebiscito, o que interessa mesmo é provocar desgaste. A dúvida instalada no questionamento está vinculada a um conjunto de fatores entranhados no questionário como forma de enviesar os resultados gerais, entre outros aspectos. Não se tem informação precisa sobre a ordem numérica das questões respondidas pelos entrevistados. Dependendo especificamente do quanto dos eleitores defenderiam ou não a renúncia, todo o restante do questionário estaria comprometido. Mas isso não importa agora. O que interessa mesmo é que o Datafolha não ofereceu aos leitores eventuais resposta a essa mesmo pergunta na terceira carga de pesquisas, anunciada sábado. Teria sido retirada do questionário básico ou teria aumentado o universo de leitores que engrossariam a defesa da manutenção de Bolsonaro (eram 59%. contra 37%) na incursão anterior?
Fidelidade da pesquisa
Colocar o Datafolha sob suspeição não é um ato jornalístico que sequer possa ser cogitado como ilegítimo. Se o respaldo à desconfiança em relação aos dados do instituto de pesquisas que atua em parceria estreita com a Folha de S. Paulo e a Grande Mídia (sobretudo quando há um objetivo em comum) pudesse se respaldar única e exclusivamente nos pressupostos da liberdade de imprensa, já seria suficiente como defesa deste texto. Como jogo no lixo o preceito de que jornalista pode tudo, até porque não pode, o passado de avaliações que fiz em diversas situações me empurram à advertência de que assim como profissionais de comunicação devem sim passar por escrutínio público, o Instituto Datafolha não deveria jamais ser observado como divindade estatística. Até porque não o é. Mais que isso: está diante disso. Só o fato mencionado acima (a ordem cronológica da questão que procurou junto aos entrevistados definir quem era favorável ou contrário à renúncia de Jair Bolsonaro), ilustra bem o que o senso crítico independente utiliza como massa argumentativa para colocar o Datafolha na parede ética. Se mesmo quando age supostamente às claras na interpretação dos dados (as eleições presidenciais de 2018 mostraram isso) os executivos do Datafolha partem para contorcionismos técnicos, imaginem os leitores quando o que está em debate é intrinsecamente obscuro na formulação dos questionamentos.
Especulações sobre o futuro
Os desdobramentos do governo Jair Bolsonaro estão relacionados aos resultados do combate ao vírus chinês e aos efeitos econômicos já corrosivos à segurança individual e coletiva. Como ainda não se abriu a caixa- preta das decisões do Ministério da Saúde durante o período comandado por Luiz Henrique Mandetta, e tampouco se conhecem medidas que seriam adotadas pelo novo titular da pasta, o melhor mesmo é esperar. Parece inconsistente a manutenção do confinamento horizontalizado. Na medida em que se caracterize o que pode ter sido um erro estratégico de Mandetta e dos governadores do Estado ao tratarem geoeconomias específicas de forma generalizada, como o fizeram, e essa é uma perspectiva que não se pode desprezar, todo o arcabouço avaliativo que colocou o então ministro e os atuais governadores como estrelas nacionais poderá ruir. Ou alguém é capaz de sustentar que cidades do Interior, pequenas, que até agora não registraram um único óbito pela covid-19, deveriam se submeter às mesmas leis de regiões metropolitanas, densamente ocupadas e de infraestrutura pública de transporte acintosa, entre um caudal mais que conhecido de baixa qualidade de vida? É verdade que o quadro geral poderia se agravar com a flexibilização das regras de distanciamento social, mas até nessa contabilidade é preciso ponderar. O então ministro Mandetta já traçara horizonte de impactos ainda maiores ao apontar os chamados “picos de contaminação e óbitos”. Trocando em miúdos: há diagnósticos a sugerir que pelo menos nos próximos tempos a contabilidade macabra do vírus seja debitada à gestão do então ministro porque, no processo de infecção e de internação há quase duas semanas de intervalo. E esse período ainda está vivo. Como o vírus resistente.
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