Política

Quanto o Bolsonarismo vai
perder sem o Bolsomorismo?

DANIEL LIMA - 27/04/2020

Esta é uma pergunta que vale alguns milhões de votos e como não sou burro nem fanático, e também detesto comer cru, prefiro dar tempo ao tempo para enfiar uma resposta enfática num texto analítico.

Vou tentar decifrar, mas aviso que estou longe dos oportunistas que se pretendem futurólogos. O que posso arriscar de imediato é que o Bolsonarismo seguirá competitivo eleitoralmente, porque é um fenômeno como o Lulismo. Já o Bolsomorismo, corruptela de Bolsonaro e Sérgio Moro, tem tendência ao raquitismo. Resta saber qual será a cota de sacrifício e de premiação que caberá a cada protagonista. O Bolsonarismo vai levar vantagem porque é a raiz do Bolsomorismo. Resta saber quanto será a preferência na cisão já estabelecida.

Garanto aos leitores que vou apresentar alguns números interessantes que dão certa sustentação à afirmativa de que o Bolsonarismo é sólido e que o Bolsomorismo é um derivativo eleitoral enfraquecido, mas com supremacia de Jair Bolsonaro.

Mas antes disso vou explicar esses “neologismos” que criei para facilitar o entendimento do que é cada porção do eleitorado à direita, à meia-direita e ao centro tendo sempre o presidente da República como irradiador de predicados e pecados.

Escrevi um artigo sobre as eleições este ano em São Bernardo e o título deixava tudo esquadrinhado: “Bolsonarismo, Bolsoguedismo, Bolsomorismo e Bolsoguerismo”. Vou reproduzir os conceitos para, mais adiante, quando entrarem em campo os desdobramentos da demissão de Sérgio Moro, tudo fique mais didático. 

Bolsonarismo combatido 

Bolsonarismo é uma marca estigmatizada por eleitores que não suportam a quebra ou, mais que isso, a afronta a determinados padrões de comportamento social e institucional. O conservadorismo em costumes e o radicalismo no campo da Segurança Pública, entre outros pontos, opõem-se ao que os supostamente mais civilizados esperam. Expressões como bandido bom é bandido morto fazem a alegria dos bolsonaristas. E leva os esquerdismos à abominação. Também no meio-ambiente o Bolsonarismo é visto com alarmismo não sem porções de razões, porque há uma nebulosidade gerencial que estimula os defensores de um mundo menos selvagem na relação com a natureza. 

Bolsoguedismo reformista 

Bolsoguedismo é o governo de Jair Bolsonaro no campo econômico. É o liberalismo em estado bruto. É a premissa de que o Estado guloso e devorador de recursos está muito aquém das demandas da sociedade, de quem se serve à exaustão e lhe entrega tão pouco em serviços básicos de cidadania. Bolsoguedismo é o Estado sujeito a dietas rigorosas, à privatização, às concessões. E a reforma levada ao extremo para colocar em ordem não só as finanças do Estado como a quebra da cadeia de negócios que privilegiam setores mais organizados e menos competitivos. Gente que tem todo o interesse em sugar os recursos públicos. O Bolsoguedismo não tem relação necessariamente próxima com o Bolsonarismo. São peças com potenciais distintos de um mesmo tabuleiro. Contam com as mesmas cores, movimentadas de acordo com interesse do todo do governo Jair Bolsonaro, mas não são peças siamesas. Bolsoguedismo e Bolsonarismo são potencialmente antípodas. O que os une é a ideia central do governo. Um Bolsoguedista não é automaticamente Bolsonarista, ou o é com ressalvas.  Mesmo com a frase infeliz da empregada doméstica na Disney, Paulo Guedes e Jair Bolsonaro se distanciam efetivamente de pendor comportamental em comum. 

Bolsomorismo moralizador 

Bolsomorismo é o governo de Jair Bolsonaro entregue ao homem público mais prestigiado pela sociedade. O ex-juiz Sérgio Moro é no imaginário popular a estrela maior da companhia. A Operação Lava Jato, que desmontou a maior roubalheira já detectada na máquina pública federal, com filhotes que se espalham a unidades da Federação, simboliza a sede de justiça que tanto incomoda os prevaricadores, também conhecidos como bandidos sociais. Sérgio Moro é o prestígio em formato contínuo e por isso mesmo incomoda os opositores e dá ao governo de Jair Bolsonaro um atestado de moralidade pública cujos antecessores jamais obtiveram, quando não o negaram ou o vilipendiaram – como mostram os resultados da Lava Jato. Separar o Bolsomorismo do Bolsomorismo também é uma equação fácil, porque, como o Bolsoguedismo, o Bolsomorismo conta com mais estofo de credibilidade, responsabilidade, convergência ética e tudo o mais.   

Juntando as peças 

Bolsoguerismo é o governo Bolsonaro dotado ao mesmo tempo do tempero de liberalismo econômico de Paulo Guedes e da intolerância com a corrupção de Sérgio Moro. Boa parte do eleitorado ao centro e à direita do espectro político nada nas águas límpidas dessa dupla de impacto extraordinário para quem pretende ver um Brasil diferente de tudo que a chamada Nova República, a partir da redemocratização de araque, revelou a fórceps dos federais madrugadores. O Bolsoguerismo tomou da direita tradicionalmente vacilante, quando não pusilânime, um espaço que Bolsonaro, de carona, nada de braçadas. Mesmo com todos os excessos do Bolsonarismo confrontador. 

Perda de 0,12%

Voltando ao hoje, lembro que mesmo com as condições adversas imediatamente após a demissão midiática de Sérgio Moro, a flutuação do desembarque de lavajatistas da rede digital de Jair Bolsonaro foi quase imperceptível quando comparada ao estoque de seguidores. Na medição das 20h de sexta-feira do Sistema Analítico BITES, um dos mais prestigiados do mercado de marketing político, 41.996 perfis não queriam mais acompanhar os conteúdos publicados pelo presidente. Na medição das 20h, o resultado indicava que 41.996 perfis não queriam mais acompanhar os conteúdos publicados pelo presidente. A base sofreu redução de apenas 0,12%. Desafetos do presidente, os governadores João Doria e Wilson Witzel ganham respectivamente sete mil e três mil fãs na sexta-feira.

O Sistema BITES começou a acompanhar as publicações de Jair Bolsonaro no Twitter, Instagram, Facebook e You Tube em primeiro de setembro de 2017. Desde então, o presidente ampliou sua base em 30,8 milhões de fãs. Nesses 967 dias, não houve um único ciclo de 24 horas sem a adição de novos aliados nessas contas, segundo a empresa. Na sexta-feira da demissão, dia 24 de abril, a partir das 11h, a trajetória foi interrompida com a saída de Sérgio Moro.

Há uma ponderação importante a fazer, que os jornais e outros veículos da Grande Mídia preferiram omitir, dando destaque apenas às perdas do presidente, sem, também, dimensionar o suposto estrago.

Tempos distintos

Trata-se do seguinte: a reação do presidente às denúncias e à demissão de Sérgio Moro foram temporalmente menos metrificadas, por assim dizer, porque houve incidência maior da repercussão da demissão do que nas explicações do presidente. Somente os próximos dias deverão dar mais consistência aos dados. Até porque os desdobramentos vão influenciar muito. Não se deve desprezar o poderio bélico digital dos bolsonaristas.  

No intervalo de tempo entre a entrevista do então ministro Sérgio Moro e a reação em forma de pronunciamento de Jair Bolsonaro (um vácuo de seis horas), o Sistema BITES constatou a deserção de 86.427 seguidores da família Bolsonaro (o presidente e seus filhos com mandato, Carlos, Eduardo e Flávio). No clã, Jair Bolsonaro foi o mais impactado: “Às 14h30, 36.296 mil fãs já tinham deixado as redes do presidente. Às 15h20, o número já estava em 48.473 e, logo após a coletiva o saldo era de 45.575. A influência do tempo e do conteúdo da entrevista de Sérgio Moro são admitidos pela BITES: “Ao final do pronunciamento (de Bolsonaro), houve leve recuperação com a chegada de 2.898 fãs para balancear as deserções digitais” – escreveu.

Influência das redes sociais

As redes sociais não são tudo, mas são cada vez mais importantes em muita coisa relevante. E no mundo da política nestes tempos de polarizações as ferramentas digitais não podem ser desprezadas. Tanto é verdade que a Grande Mídia, antes soberana na orquestração interesseira como sempre da institucionalidade do País (não esqueçam que a operação Lava Jato veio para botar ordem na casa e a Grande Mídia, após apoio inicial, comprou a tese de exageros, pressionada pelos bandidos sociais mais que conhecidos) perdeu muito do poder de direcionar a opinião pública.

Jair Bolsonaro é a prova mais que esfaqueada e viva dessa transformação. A presidência da República não foi um acontecimento fortuito. Foi o catapultar de uma direita conservadora, radical e também moderada e inconformada com o País dos aproveitadores.

Só o tempo vai responder a questões essenciais sobre a dissidência de Sérgio Moro e o remelexo no Bolsonarismo. O espaço político ao centro mais tradicional há muito está desocupado como expressão de desconfiança social fundamentada no descrédito de seus ocupantes.

O que se pergunta é como Moro, ex-juiz que seguiu à risca ou quase à risca os resultados de investigações da força-tarefa do Ministério Público Federal, vai se ajeitar politicamente em meio a bandoleiros travestidos de políticos, a maioria dos quais nas redes de contravenções sempre à espreita e, mais que isso, ainda atuantes, e agora com a Grande Mídia a protegê-los?

Vem aí o Datafolha

Certamente a nova pesquisa que o Datafolha está preparando com os vieses mais que conhecidos deverá dar corda à mobilização da Grande Mídia pelo afastamento do presidente da República. O processo de tentativa e erro não pode parar porque faz parte de estratégia cuja energia também vem do próprio Palácio do Planalto, usina de crises por incompetência e também por ingenuidade.

Um exemplo de ingenuidade? Como não verificar com lupa e concluir sem contorcionismos técnicos que um juiz nota dez como Sérgio Moro o foi não seria necessariamente um ministro sequer razoável? A omissão de Moro durante as pancadarias deliberadas por governadores autoritários nestes tempos de pandemia é prova de que o ex-meritíssimo só sabe reagir (foi assim durante a Lava Jato), enquanto os líderes de verdade sabem agir.

Moro sempre foi um eficiente burocrática da Justiça, mas está a léguas de distância do empreendedorismo público implícito no cargo que ganhou por merecimento, mas muito acima do conjunto da obra de seu perfil profissional.

Na maioria das vezes os grandes craques do futebol são um fracasso como treinadores. Exemplos existem às pencas. Paulo Roberto Falcão, um mágico no meio de campo, recebeu de bandeja todas as oportunidades possíveis, tendo Galvão Bueno como padrinho incansável.  Só fez bobagens. Outros igualmente fracassaram. Moro é um craque atrás da mesa, mas perna de pau como articulador e organizador prospectivo. Não precisaria nem mesmo quebrar o sigilo de mensagem de uma apadrinhada de casamento para manchar a reputação com que chegou ao governo federal.



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