As notícias sobre a sinistra contabilidade de jovens brasileiros assassinados reforçam o título desta série, vinculada à estúpida distribuição de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) que, com variantes mínimas, atinge a todos os pedaços federativos do Brasil. A criação de um fundo de desenvolvimento voltado à redução da matança de jovens seria alternativa interessante. Bastaria que determinado percentual do ICMS repassado pelos Estados aos municípios se transformasse numa conta especial gerida por administradores públicos e Sociedade. A prioridade de aplicação seria as regiões metropolitanas, maiores centrais de carnificinas da juventude.
A projeção de que até 2012 nada menos que 33,4 mil jovens brasileiros deverão morrer assassinados nas 267 cidades com mais de 100 mil habitantes do País (seis das sete do Grande ABC) possivelmente será esquecida nos próximos dias. O estudo foi elaborado pelo Laboratório de Análise da Violência da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) com base em dados de mortalidade de 2006. O estudo mostra que naquele ano, 46% das mortes de jovens no Brasil (de 12 a 18 anos) ocorreram por homicídio.
Embora inédito, o estudo não diz tudo. Passou despercebido da mídia o que evitarei chamar de buraco acadêmico, porque daria a impressão de descaso quando, de fato, os pesquisadores devem ser enaltecidos.
O fato é que para se ter a dimensão de um dos maiores dramas nacionais, os números seriam ainda mais dramáticos se revelassem também homicídios de autoria de jovens. Quantos deles, antes de morrerem em homicídios, cometeram homicídios contra adultos? Quantos deles, que seguem vivos, cometeram homicídios contra jovens? E quantos deles, homicidas, estão por aí a espreitar novas vítimas adultas?
Dinheiro do ICMS para diminuir abates e ataques de jovens brasileiros, principalmente das regiões metropolitanas, não seria grande inovação. Apenas seguiria o rastro de dinheiro carimbado para Saúde e Educação. Indicadores desses dois setores melhoraram desde que recursos orçamentários ganharam cobertura constitucional.
Entre 1990 e 2007, por exemplo, políticas de saúde reduziram a mortalidade de crianças com menos de cinco anos de 137 mil por ano para 51 mil. E, como lembrou a jornalista Lisandra Paraguassú, do Estadão, boa parte do investimento feito nessa área para salvar vidas de crianças se perdeu alguns anos depois. Reforço a interpretação: armas de fogo sempre estão disponíveis e seguem liderando o modus operandi dos assassinatos que atingem principalmente homens negros de baixa escolaridade.
Ao recordar no primeiro artigo desta série — que está próximo de completar 10 anos — o ineditismo do alerta à disparidade de dinheiro do ICMS repassado aos municipais, não imaginava que novos ingredientes se juntariam a um texto fundamentado em vetores técnicos. O estudo da juventude desfigurada que salta dos pesquisadores da Universidade Estadual do Rio de Janeiro é, portanto, providencial.
Quando, em 2000, um ano depois da matéria inaugural de contestação à fórmula do ICMS, voltei ao assunto na revista LivreMercado e ouvi Clóvis Panzarini, então coordenador-geral da administração tributária da Secretaria da Fazenda do Estado, pretendia seguir com a saga de inconformismo. Também naquela reportagem de nove anos atrás recorri a informações da advogada Silvia Regina Gimenes Pedroti. Ela organizou o que chamaria de primeiro ranking por habitante de distribuição do ICMS.
Para variar, Paulínia foi colocada no centro da questão, que, como na matéria de um ano antes, foi confrontada emblematicamente com Santo André. Enquanto a cidade da Grande Campinas liderava a disputa com larga vantagem, Santo André de população crescente e indústria decadente perfilava em 21° lugar.
Já naquela oportunidade busquei suporte em dados históricos para consolidar a argumentação contrária à manutenção do regime de repasse. Lembrei que em 25 anos Santo André perdeu 66% de participação relativa no bolo de redistribuição do ICMS, enquanto Paulínia dobrara os números em termos reais.
Também naquela reportagem listamos municípios paulistas beneficiados pela seletividade de produção de Valor Adicionado, maior indexador de repasse do ICMS, com peso de 75% do montante total. Luiz Antonio, Barueri, São Sebastião, Cubatão e Ilha Solteira ocupavam os postos subsequentes à Paulínia. Em comum, esses municípios apresentam parque produtor e distribuidor essencialmente seletivo em mão-de-obra, casos de indústrias químicas, petroquímicas, hidroelétricas e distribuidoras de combustíveis. Ou seja: sediam atividades fortemente transformadoras de matérias-primas e intensamente geradoras de Valor Adicionado.
Há mais um ponto importante daquela matéria do ano 2000 que precisa ser abordado — e o faremos no próximo capítulo.
Juro que preferiria escrever mais sobre amenidades como “Marcelinho e Ronaldo”, mas o dever profissional numa região estuprada economicamente ao longo de duas décadas me chama.
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07/03/2025 PREVIDÊNCIA: DIADEMA E SANTO ANDRÉ VÃO MAL