Muita gente estranhou que, ainda outro dia, entre temáticas que influenciarão as disputas municipais de novembro, não destaquei como fator prevalecente as fragilidades do combate ao Coronavírus no Grande ABC.
Fragilidades estruturais e circunstanciais, é bom que se diga. A desigualdade social vem do passado em forma de desindustrialização incentivada e consentida e ganhou forma neste século com a negligência das autoridades públicas.
Acho perfeitamente normal a cobrança de leitores por algo mais contundente no sentido de que o vírus chinês aprontará horrores nas urnas. Já imaginei algo semelhante, mas não costumo dar murro em ponta de faca. Exceto a idiotice de esperar regionalismo onde o municipalismo autárquico é enfermidade quase incurável.
Vetor equilibrado
Demorei para chegar à constatação de que o vírus chinês será um vetor a mais, não necessariamente um divisor de águas a retirar o caráter ainda mais pronunciadamente municipal do que estadual e federal da vontade dos eleitores. Mas, a bem da verdade, menos pronunciadamente municipal quanto no passado sem as mídias sociais sem fronteiras, eiras, beiras e estribeiras.
Claro que a análise mitigadora dos efeitos da pandemia no sentido crítico aos gestores públicos parte do princípio de que nos próximos tempos nada de extraordinário aponte no horizonte das urnas.
Um escândalo de proporções inusitadas para um Grande ABC que sempre dá um jeitinho de contornar embaraços criminais também está fora da avaliação.
Por exemplo: já deram um drible da vaca nas malandragens concentradas na Central de Convênios da Fundação do ABC, por onde passam quase R$ 3 bilhões por ano.
Crescendo com crise
O Clube da Saúde do Grande ABC é uma caixa-preta com poderes miraculosos: à medida que é posto em xeque, mais se fortalece ante instâncias como o Ministério Público Estadual, por exemplo.
É impressionante como o MP se mantém equidistante das patifarias da Fundação do ABC. Possivelmente ocorreria com a Fundação do ABC o que estava escamoteado nas lambanças fiscais da Ricardo Eletro: ou seja, contava com anteparo político de gente graúda. Até que a casa caiu com a Operação Lava Jato.
Mas a Lava Jato demora a chegar aqui porque também está muito aquém da estrutura que se previa no Estado de São Paulo. Curitiba não é aqui. Mas, ao que parece, e não interessa entrar em detalhes, haverá reorganização que priorizaria os Estados mais ricos (e competitivos eleitoralmente) do País.
Uma reviravolta na Fundação do ABC, com repercussão midiática além das fronteiras do Grande ABC, alteraria rumos eleitorais. Até porque, convenhamos, haveria quem possivelmente deixaria de pleitear o cargo de prefeito, caso não fosse apeado antes. Existem ramificações frondosas entre uma coisa e outra.
Quando digo que a repercussão precisa ultrapassar o território regional é porque o nosso Complexo de Gata Borralheira não permite ver com clareza que nem tudo está fora do lugar quando se trata de jornalismo na região. Da mesma forma que nem tudo está no devido lugar no jornalismo extra-região.
Pelotão mitigador
Muito pelo contrário, como todos sabem e as redes sociais, exageros à parte, estão cansadas de mostrar. Tanto mostram que a mídia tradicional tem horror às revelações. Afinal, sabe que a retórica de democracia vale mesmo desde que mantenham ou recuperem benesses publicitárias escorraçadas pelo governo de Jair Bolsonaro.
Ainda não é uma palavra definitiva, dessas que a gente não abre mão nem a pau, mas no campo social, estritamente social, entendo até que a maioria dos prefeitos vai-se dar bem com o vírus. Mesmo não tendo feito nada de diferenciado. Caso específico daquilo que tenho apontado faz tempo, ou seja, o deslocamento do pelotão de uma maioria sanguessuga e politiqueira de servidores comissionados às ruas, num corpo a corpo esclarecedor com a sociedade desprotegida.
Instâncias nebulosas
A repartição de bônus e ônus determinada pelo Supremo Tribunal Federal na distribuição de ações das três instâncias executivas de poder gerou lusco-fusco que confunde o já escasso discernimento geral na avalição das autoridades públicas na esfera da saúde. Para a maioria é muito difícil entender onde começa e onde termina o limite de cada instância.
A visibilidade de um novo equipamento de saúde, caso do hospital que não é de campanha de Orlando Morando, fornece combustível eleitoral extra ao titular do Paço de São Bernardo. A materialidade é visível, palpável.
Tanto como o efetivo de servidores de saúde que o prefeito José Auricchio Junior botou em ruas estratégicas para testagem da população. Estive em São Caetano dois dias nos últimos meses e não perdi a oportunidade de constatar que, na Primeira Divisão de potenciais vítimas do Coronavírus, tenho a temperatura de um atleta.
Dinheiro de helicóptero
No campo econômico propriamente disso, todos os prefeitos vão se beneficiar no curto prazo de uma confluência que parecia contraproducente. Primeiro, muito dinheiro jogado de helicóptero pelo governo federal para socorrer famílias mais vulneráveis. Bilhões abastecem os mais pobres no Brasil inteiro.
Segundo, a percepção geral de que os desarranjos em forma de custos de isolamento social são uma conta que será repartida com o governo federal e o governo estadual. Ou seja: apenas resíduos dos estragos econômicos serão municipalizados.
Sobremodo porque os prefeitos, omissos e negligentes durante as primeiras rodadas da pandemia, sentiram o cheiro da brilhantina e correram para pressionar o governador João Doria. Contrariaram o governador, forçaram a barra, exageraram inclusive, mas escaparam de escalpo iminente.
Outras preocupações
Então ficamos assim: em matéria de relatividade de influência posta à mesa para a definição de voto nos candidatos a prefeito no Grande ABC a área de saúde, especificamente da pandemia chinesa, o que temos para servir no momento é um prato menos apimentado do que se poderia sugerir.
Está mais ou menos com o tempero da logística em forma de mobilidade urbana, do desemprego que vai aumentar, da percepção de eficiência ou deficiência de cada prefeito atual, da infraestrutura física de cada Município e também das curvas, aclives e declives da confiança em relação ao futuro pessoal e familiar. Sem contar também, claro, com alinhamentos eleitorais mais que cruéis entre bolsonaristas, moristas, petistas, doristas, guedistas e tantos outros.
É uma pena que faltem pesquisas para detectar com precisão o que pensa o morador do Grande ABC a cada nova temporada de declínio econômico. Não temos capacidade coletiva de obter financiamento para perscrutar a alma regional.
Esse é um bom tema para um próximo artigo. Vou misturar pesquisas eleitorais e escândalos estatais. Você vai ver como dá muita liga.
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19/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (24)