Política

Bruno Daniel será extensão
de Boulos em Santo André?

DANIEL LIMA - 22/07/2020

O grau de influência do horário eleitoral na televisão é discutível, mas existe mesmo e inclusive quando se trata de impactar as eleições no Grande ABC desprovido de redes nacionais. O que pergunto é até que ponto a candidatura de Guilherme Boulos em São Paulo vai embalar ou destruir o também psolista Bruno Daniel em Santo André?

Bruno Daniel é o candidato do PSOL potencialmente mais popular na região. Sobretudo pelo parentesco com o maior prefeito regional que o Grande ABC já conheceu.

Bruno Daniel é, em tese, um presente de grego, uma bomba, um obstáculo, lançado na arena eleitoral em Santo André para atrapalhar a vida do prefeito Paulinho Serra. Com Bruno Daniel joga-se no tablado de novembro uma casca de banana à tentativa de se matar o jogo no primeiro turno.

A soma dos esquerdistas Bruno Daniel e de Bete Siraque é potencialmente semelhante ao que o também oposicionista Ailton Lima alcançaria nas urnas. Isso é especulação com fundamentação. Mas não é disso que trataremos agora.

Irmão bem diferente

Embalado por uma pesquisa sobre a qual tenho muitas dúvidas e várias certezas, Bruno Daniel foi catapultado à condição de candidato forte no ano passado. Mais que isso: os números indicam que seria o principal concorrente de Paulinho Serra. É um exagero, claro.

Fosse candidato do PT, até que Bruno Daniel poderia confirmar a suposta tendência eleitoral. Pelo PSOL, perde muito. O primo-pobre da esquerda não tem tração para acelerar uma candidatura rumo ao segundo turno. Até que se prove o contrário.

O bom da candidatura de Bruno Daniel em Santo André, entre outros aspectos, é que, finalmente, muitos se darão conta de uma verdade que parcelas expressivas desconhecem: Celso Daniel, irmão famoso, era um petista diferente do padrão de extremismo ideológico. Provou isso largamente.

Sem obsessão

Não havia horror anticapitalista no Celso Daniel que, entre outros legados, reuniu a nata de urbanistas de alto calibre para desenvolver o Eixo Tamanduateí. Nenhum sucessor soube adaptar a proposta com vários filhotes materializados aos novos tempos que chegaram. Inclusive Paulinho Serra.

Antes de converter-se em direitismo pragmático, o prefeito de Santo André exaltava Celso Daniel. Quando se juntou a tranqueiras, muitos dos quais o assessoram, não só esqueceu o legado de Celso Daniel como passou a apontar equívocos, dando-lhes traços dramáticos.

A imagem de Celso Daniel radical ainda prevalece na avaliação de parte da sociedade mal informada que coloca as esquerdas no mesmo saco de gatos de estatismo e de intervencionismo em primeiro, em segundo e em terceiro lugar.

Celso Daniel era um centro-esquerdista. Bruno Daniel é um esquerdista. Não à toa romperam logo que Celso Daniel assumiu o primeiro mandato, em 1989. O resto é história.

Um Boulos mais refinado

Agora que Boulos estará tão perto do eleitorado, Bruno Daniel vai ter de se posicionar igualmente. Se contrariar o extremista que conquistou apenas 0,5% dos votos válidos nas últimas eleições presidenciais, incorrerá em delito ideológico.

Sei que Bruno Daniel não vai negar fogo. O entorno que o colocou na posição de concorrente não deixaria que navegasse livremente. A turma que o embala é da pesada em defesa irrestrita do Estado Todo Poderoso. Eles são contra a mão invisível do mercado. Preferem a mão grande do Estado. Duvida-se que Bruno Daniel se oponha à linha adotada por Boulos. Bruno Daniel tem convicções rígidas a respeito do papel do Estado e das limitações do empreendedorismo privado.

Bruno Daniel seria um Guilherme Boulos refinado. Sem o mesmo carisma. Com apetrechamento intelectual mais avantajado. E potencialmente com baixo poder de convencimento do eleitorado mais conservador.

Conservador moderno

Entenda-se conservador alguém que reconhece a importância do Estado em setores essenciais, mas não abre mão da individualidade, da liberdade de empreender, essas coisas que as esquerdas em geral colocam sob condicionantes como primeiro passo à desclassificação sumária.

Guilherme Boulos disse hoje em entrevista à Folha de S. Paulo que pretende enfrentar as máfias dos ônibus, das Organizações Sociais na saúde e nas creches, e também do setor imobiliário. Nunca me senti tão Guilherme Boulos ao ler a Folha.

Claro que Bruno Daniel não poderá refugar essas premissas. Mais que isso: deverá atacá-las para valer durante a campanha eleitoral. Que se danem os votos dos conservadores (agora conservadores têm um outro tom, o tom de privilégios), porque o mais importante é destilar a mensagem reformista.

É o que tenho feito sobre esses três vetores ao longo dos tempos. Menos intensamente no transporte público e mais intensamente na área de saúde e do mercado mobiliário.

Dívida com a sociedade

Aliás, o PSOL de Santo André está em dívida com a sociedade na medida em que se mantêm quase que em silêncio total sobre os escândalos nessas três áreas.

Mais que isso: vários de seus representantes nas redes sociais com discursos revolucionários no âmbito nacional, embora alguns até sejam aliados de João Doria, jamais se posicionariam sobremodo sobre a corrupção na saúde e no mercado imobiliário da região. Essa bucha sempre fica para mim. Com enorme prazer.

Mais que isso: um ou outro psolista de garganta conta com negócios privados inclusive na área de comunicação. Lambuzam-se de dinheiros de mercadores imobiliários. Promovem gente socialmente irresponsáveis.

Gente que pensa que apenas a geração de emprego assegura cidadania. Emprego gerado como consequência de privilégios em instâncias de poder são empregos viciados porque resultam de concorrência desleal que, em última instância, deterioram o ambiente competitivo e, consequentemente, o desenvolvimento econômico.

O que quero dizer com tudo isso em forma de provocação franca, frontal, sem meias-palavras, portanto, é que em vários aspectos vou adorar que Bruno Daniel e os demais psolistas que concorrerão às prefeituras do Grande ABC botem para fora e para valer tudo o que entendem ser o melhor a seus respectivos redutos.

Legado importante

Que metam mesmo os pés pelas mãos, como o fazem em determinadas questões. Que saiam para a guerra de narrativas locais. Que incomodem. Que, portanto, em vários pontos, se juntem a este jornalista, um idiota a enfrentar as forças de pressão com prejuízo profissional, pessoal e familiar. Esse é o preço dos reformistas. Não dos gargantistas.

Quanto mais o PSOL radicalizar nas questões que comoveriam os conservadores do bem, aqueles que não abrem mão de regras constitucionais, às quais também não dão leitura enviesada, quanto mais o PSOL se comportar duramente, mais factíveis e envolventes se tornarão as perspectivas de alterações na estrutura não só do Estado, mas também de instituições que giram no entorno da mão grande.

Tenho cá comigo que o meu viés socialista de encaixe prevalecentemente liberal é a representação de milhões de brasileiros. A esquerda burra tem a mania idiota de procurar estigmatizar todo liberal que combate os excessos do Estado. Trata-se de erro cumulativo. Ao não balancear convicções e direitos de terceiros, enclausura-se numa fortaleza estatista vulnerável ao desenvolvimento econômico e social.

Muito mais oposição

Teria muito a opor a Guilherme Boulos se a entrevista à Folha de S. Paulo fosse o foco central no sentido de abrangência, não de especificidades com as quais estou alinhadíssimo ao candidato.

Sou Boulos sem nenhuma dúvida quando, mesmo certo, como estou, de que as mudanças que promoveria, eleito fosse, não teriam exatamente o mesmo núcleo avaliativo que o meu.

Boulos só vê a intervenção do Estado como salvação da lavoura no transporte público, na saúde e no mercado imobiliário (áreas com os quais, repito, concordo), mas é muito ingênuo ao depositar tanta confiança na efetividade de ações estatais.

A sociedade é a resposta para a maior parcela de iniquidades sociais e econômicas. O Estado e os mandachuvas econômicos precisam ser vigiados sempre, porque eles amam refestelar-se com o dinheiro público.



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