Política

Bolsonaro vale mais que Doria
nas eleições municipais da região

DANIEL LIMA - 29/07/2020

Sempre que me meto a projetar eventuais resultados eleitorais desta temporada faço questão de insistir em dizer que tudo pode ser momentâneo, circunstancial e que, portanto, pode se alterar no futuro próximo ou não tão próximo.   

O que quero dizer com o título acima é que, quando se considera o peso relativo da política estadual e nacional no coquetel de potencialidades eleitorais dos candidatos a prefeito dos sete municípios da região, acredito que os bolsonaristas levam vantagem contra o governador do Estado. 

Os números do Instituto Paraná Pesquisas publicados nesta semana pela revista Veja não deixam dúvidas sobre isso. Mesmo sem detalhamentos estaduais.

Vou explicar em detalhes para que não haja reações de contrariedade sem embasamento. Depois, se quiserem, falem mal à vontade. Como posso dizer que Bolsonaro é melhor cabo eleitoral secundário do que João Doria? 

Mais peso presidencial 

Primeiro preciso explicar o que é cabo eleitoral secundário. Antigamente, ou seja, até o advento das redes sociais massivas e também das manifestações de 2013 e da Operação Lava Jato, ocupantes do governo do Estado e da presidência da República tinham bem menos influência. Mesmo com o PT sendo um divisor de águas na política nacional entre os grandes partidos ao atuar de forma homogênea não como uma confederação de agremiações ou de grupos. 

A polarização explícita entre direita e esquerda esquentou o jogo. A identificação de candidatos a prefeito pelo posicionamento ideológico passou a ter, portanto, determinada influência no voto municipal. Daí a expressão “cabo eleitoral secundário”.   

Segundo, Bolsonaro está muito melhor nas pesquisas eleitorais para 2022 do que qualquer outro candidato. E sobre Doria leva vantagem enorme: 29% a 4% no primeiro turno e 51,7% a 23% num eventual segundo turno. Bolsonaro bate todos os adversários testados. De Lula a Fernando Haddad. De João Doria a Sérgio Moro. E de lambuja, Mandetta. Entre todos, Doria é o que menos intenção de votos despertou. Ou seja: é o mais frágil adversário de Bolsonaro.   

Passado ajuda nos números 

Está certo que faltam pesquisas eleitorais densas no Grande ABC que justifiquem o uso de dados nacionais como sustentação dos resultados apontados. Isso é verdade. Mas a experiência de outros pleitos estaduais e nacionais ao longo dos tempos tem provado que há diferenciações não exatamente contrastantes quando se apuram os resultados e se colocam os números nacionais e do Estado de São Paulo frente aos registrados no Grande ABC. 

Traduzindo: há como já registrei e analisei nesta revista digital uma confluência do resultado geral no País quando confrontado com os números gerais do Grande ABC. Nas últimas eleições presidenciais, Jair Bolsonaro derrotou Fernando Haddad em âmbito nacional por 56,13% a 44,87% e em âmbito regional por 66,12 a 37,88%. A diferença, nesse caso específico, se deve ao desgaste maior do PT na região, no rescaldo do impeachment de Dilma Rousseff antecedido da Operação Lava Jato. A mesma Lava Jato que agora denuncia altos coturnos tucanistas no Estado de São Paulo.  

A vulnerabilidade latente de João Doria deve preocupar e muito os tucanos que concorrem à reeleição em Santo André, São Bernardo e São Caetano.  

Tudo indica que os principais adversários vão botá-los no mesmo saco de desgaste. Devem colar, sem pestanejar, Paulinho Serra, Orlando Morando e José Auricchio Júnior a João Doria.  

Rejeição a Doria  

Haveria uma rejeição de mais da metade do eleitorado ao grão-tucano paulista. Um pouco mais de bolsonaristas e um pouco menos de petistas e os esquerdistas em geral dificultariam a vida dos tucanos que se apegarem a João Doria. Ou, pior que isso, se os adversários os juntar no mesmo saco sem fundo de pancadarias que teriam, principalmente, a atuação do governo do Estado durante a pandemia chinesa. 

Dos três tucanos que saem como favoritos nas próximas eleições na região, quem ocupa posição mais confortável nesse antagonismo de direitistas e esquerdistas é Orlando Morando. A esquerda de Luiz Marinho não o quer pintado de ouro, mas a centro-esquerda de Alex Manente já o tem com mais simpatia, os liberais não lhe negam apoio e os conservadores de direita passaram a ver Morando com mais tolerância após explicitar que, para safar-se do vírus chinês, mandou bala num coquetel de medicamentos que incluía a cloroquina. E disse isso à mídia em geral. Para constrangimento do governador. 

Em cima do muro  

Paulinho Serra e José Auricchio Júnior jamais se movimentaram para abraçar a direita e a centro-direita do eleitorado tendo Jair Bolsonaro como âncora. Não chegaram a hostilizar o presidente, mas também não fizeram manobras relevantes como Orlando Morando. Independentemente da cloroquina. Os adversários de Paulinho Serra e de José Auricchio podem mexer como os sentimentos dos eleitores.

No mínimo, um terço do eleitorado do Grande ABC professa os mandamentos de Jair Bolsonaro. E um pouco mais da metade do terço do meio do eleitorado, gente que votaria em opções diplomaticamente mais palatáveis, como Sérgio Moro, Mandetta, Luciano Huck e outros menos cotados, se bandeariam para os lados de quem observar como defensores dos pressupostos de liberalismo econômico e conservadorismo comportamental de Bolsonaro. O outro terço são os esquerdistas, que, após o dilúvio da Lava Jato, recompõem as peças de estoque de votos.   

Influência das redes  

Vou acompanhar atentamente os desdobramentos das candidaturas dos tucanos das três principais cidades do Grande ABC. Vou tentar compreender até que ponto a estadualização e a nacionalização política vão interferir na votação. Já escrevi muito sobre os pesos ponderados de fatores que determinam votos municipais, mas nesse caso vou ficar atento ao que chamaria de infiltrações locais. 

Hoje, nos grupos de redes sociais em que estou metido (outro dia me afastaram grosseiramente de um porque suponho que o administrador não tenha apreciado as revelações sobre a Fundação do ABC) há clara divisão entre embates locais e o ambiente nacional e federal.  

As redes sociais que frequento devem ser observadas com reservas porque há mais militância que qualquer outra coisa. Mas é assim mesmo que tem funcionado a política brasileira em várias esferas. 

Franqueza e encenação 

Por isso mesmo não me surpreende que Doria esteja tão mal nas pesquisas. Falta acima de tudo empatia entre ele e o eleitorado em geral. João Doria é um paradoxo imagético: quando mais adestra o marketing, mais se distancia do eleitorado.  Há um certo esnobismo no tratamento ao eleitorado. Doria passa a impressão de que todos que o ouvem são analfabetos comportamentais de pai e mãe. Não saberiam distinguir franqueza de encenação. A espontaneidade mesmo atrapalhada e deselegante de Bolsonaro torna Doria ainda mais artificial.  

Por isso mesmo duvido que Paulinho Serra, Orlando Morando e José Auricchio Júnior teriam coragem de colar as respectivas propostas às iniciativas de João Doria. Muito pelo contrário. Somente o imponderável poderia dar uma reviravolta na situação. A vacina chinesa que o governador trouxe para testes em São Paulo parece distante de desenlace satisfatório nesta temporada.  

Para completar, o horário eleitoral de televisão deverá acentuar a rejeição ao dorismo, a julgar pelas declarações do candidato pedetista Marcio França na entrevista do Diário do Grande ABC de domingo e na Folha de S. Paulo de hoje.  

Ficou mais que escancarada a posição crítica do concorrente de Doria que perdeu o governo do Estado em 2018 por algumas porções de votos. Márcio França deixou claro que vai triturar a política de combate ao Coronavírus aplicada pelo governador João Doria e pelo prefeito Bruno Covas. Os tucanos serão alvos preferenciais da artilharia pesada que dominará o horário eleitoral. 

Sem candidato, Bolsonaro será menos impactado.  Até porque haverá uma cautela forçada pelos resultados de pesquisas eleitorais. Ninguém quer jogar fora o reforço conservador de Bolsonaro.

Cartucheira pandêmica  

Não há dúvida, portanto, de que a pandemia chinesa também terá efeitos eleitorais, embora em menor escala do que se supunha nos primeiros meses. E Marcio França deverá vir com a cartucheira de execrações ao tucano. Outros concorrentes à esquerda possivelmente farão o mesmo.  

Quem vai ganhar com isso, se é possível ganhar quando se sabe que também vai apanhar, é, repito, o presidente Jair Bolsonaro. No mínimo a conta dos percalços será dividida com o governador. Diria que já está sendo dividida, por causa do isolamento errático decidido por João Doria e pelas declarações afoitas do presidente.  

O que diferirá Bolsonaro de Doria na disputa pela prefeitura de São Paulo é que o governador será mesmo o alvo principal. Neutro nas eleições municipais, Bolsonaro vai apanhar menos que todos os candidatos a prefeito no País, porque a regra geral é que os governadores cometeram barbaridades.  

E quem não as cometeria quando se junta um vírus chinês indecifrável, uma irrefreável volúpia populista e uma atração indomável por dinheiro público apressadamente garantidor de compras emergenciais?   



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