Gosto de escrever sobre política porque política permite o que a Economia não recomenda, ou seja: especulação. Quem especula com os ramais da economia está sujeito a quebrar a cara. Na política, há sempre o salvo-conduto de que a situação de agora pode ser uma nuvem de formato diferente logo adiante.
Por contar com essa banda larga à disposição, digo e afirmo que o PT terá muito mais votos no Grande ABC neste ano nas disputas pelas prefeituras do que em 2016, quando não registrou uma vitória sequer. Se vai ganhar alguma Prefeitura é outra história. Talvez apenas Diadema, pelo andar da carruagem.
O leitor que tiver paciência e não se prende exclusivamente ao jornalismo fastfoodiano vai entender porque (embora afirme que a política tem muito de especulação para salvar a honra de quem perpetra avaliações) estou lastreado em dados que diminuem a carga de incertezas a ponto de ingressar no terreno da convicção sustentável.
Entenda convicção sustentável no campo político como aquele cidadão à janela do quinto andar de um prédio em chamas que arrisca tudo ao saltar espaço abaixo porque entende que teria mais possibilidades de seguir vivo.
Azedume em queda
A base principal de que o PT (e as esquerdas menos cotadas, por assim dizer) vai fazer mais votos em vários dos municípios do Grande ABC (até mesmo, quem sabe, na direitíssima São Caetano) é que não existe mais o azedume radical do eleitorado por causa do impeachment da então presidente Dilma Rousseff e dos estragos da Operação Lava Jato.
Tanto é verdade que há números a comprovar o refluxo. Em 2016, na soma de todas as disputas municipais para as prefeituras, o PT totalizou 19% dos votos válidos no segundo turno, casos de Santo André, São Bernardo, Diadema e Mauá, justamente os maiores colégios eleitorais da região. Segundo turno é aquela etapa em que, numa região como o Grande ABC e num País polarizado, todas as caras ideológico-partidárias se revelam.
Na edição de 31 de outubro de 2016, sob o título “Arrasado no segundo turno, PT perde tudo na Província”, fechei com chave de ouro o prognóstico que fizera 15 dias antes, ao abordar os resultados do primeiro turno e, principalmente, ao remeter o texto a quatro meses antes, quando especulei que o PT não faria um prefeito sequer. O título da edição de 15 de junho de 2016 foi exatamente este: “PT corre o risco de não contar com um prefeito sequer em 2017.
Apesar dos pesares
Apesar de os petistas mais graduados na hierarquia nacional esmerarem-se em caprichar no caradurismo de que só deixaram legado positivo para o País (como se o Bolsa Família representasse tudo e a Lava Jato fosse ficção) e com isso gerarem na população em geral hostilidade latente, é preciso entender que a severa dieta do eleitorado esquerdista na região chegou ao fundo do poço há quatro anos.
A recuperação virá, até porque já veio nas eleições de 2018 para a presidência da República. Não esqueçam que Fernando Haddad foi para o segundo turno com Jair Bolsonaro. Convergiu à direção do petista todo o aparato esquerdista do Grande ABC.
Não será surpresa alguma se o ex-prefeito José de Filippi ganhar em Diadema contra o candidato indicado pelo prefeito Lauro Michels. No segundo turno da eleição presidencial de 2018 o PT de Haddad resvalou na vitória: perdeu por redondos 52% a 48%, depois de um primeiro turno de distância bem maior – 39,94% a 30,74%. Ou seja: no returno, a candidatura petista abraçou mais os eleitores dos demais candidatos presidenciais.
Paulinho ameaçado
Qualquer votação geral das esquerdas em Santo André acima de 30% será um desastre para o prefeito Paulinho Serra. O sonho acalentado de vencer no primeiro turno (já analisado aqui, ainda outro dia) será abalroado na medida em que petistas e psolistas, além de comunistas, ultrapassarem a barreira de um terço.
No segundo turno presidencial, num ambiente ainda insatisfatório, Fernando Haddad registrou 33,16% dos votos válidos contra 66,84% de Jair Bolsonaro. Os 14,85 pontos percentuais de diferença no primeiro turno passaram para 15,95%. Sinalizou-se que as esquerdas não obtiveram o alargamento do eleitorado. Mas os 33,16% do segundo turno passaram a ser um piso inquietante aos tucanistas de Santo André.
Qualquer candidato que vá ao segundo turno em Santo André com Paulinho Serra (e nesse caso estou me referindo claramente a Ailton Lima) terá potencial de votos de alargamento direcionado aos petistas e esquerdistas em geral.
É muito pouco provável que o acordo da cúpula petista que se refestela na gestão de Paulinho Serra, com quase duas centenas de cargos comissionados, conseguirá catequisar o eleitorado em favor do tucano. Mas também é latente a perspectiva de que o PT possa passar para o segundo turno. Para isso, precisa combinar com a tropa de Ailton Lima. E se passar possivelmente fará o desejo secundário de Paulinho Serra: a eleição poderia ser menos problemática. Se for Ailton Lima o oponente, o jogo poderia ser outro.
Ressuscitamento petista
Com viés de turno único, o prefeito Orlando Morando só precisa evitar que o PT ressuscite no próprio berço. A candidatura do vereador Rafael Demarchi, pegando rabeira no discurso de Jair Bolsonaro e nos interesses de terceiros que querem ver o jogo complicado, não parece ter fôlego suficiente. Para que Orlando Morando corra risco de ver o jogo adiado ao segundo turno a oposição dos 40,43% dos votos de Haddad no segundo turno presidencial de 2018 precisa ganhar forte impulso. A saída do páreo de Alex Manente facilitou a vida de Morando.
É uma insanidade colocar o PT no jogo eleitoral de São Caetano, cuja disputa deverá ficar restrita ao prefeito José Auricchio Júnior (caso não seja impedido pela Justiça Eleitoral, na qual está penduradíssimo e em situação delicada) e ao ex-vereador Fábio Palácio.
O PT não significa quase nada em São Caetano. Haddad somou apenas 24,89% dos votos no segundo turno presidencial de 2018, depois de 16,40% no primeiro turno. A força de tração do petismo em São Caetano é limitadíssima. Nem com Lula da Silva bombando na presidência da República o PT tornou-se competitivo.
Complicação e evidências
Não arrisco palpite nenhum sobre a disputa em Mauá. O bafafá político-eleitoral-criminal é a marca de um Município governado por aproveitadores respaldados por profissionais especializados em dar um nó no emaranhado da legislação eleitoral. Gente que ganha fortuna como o desarranjo de um sistema feito sob medida para gerar guerrilhas de subjetividades. No segundo turno presidencial de 2018 as esquerdas somaram 37,93% votos. Sempre houve muita semelhança entre direita e esquerda em Santo André e em Mauá. Com leve pitada de mais esquerdistas em Mauá.
Em Ribeirão Pires, Fernando Haddad teve votação semelhante a alcançada em Santo André há 18 meses: somou 33,31% dos votos – foram 33,15% em Santo André. Rio Grande da Serra é relativamente mais propensa às esquerdas. Tanto que Haddad fez 40,84% dos votos no segundo turno.
Resumo da ópera: é certo que não há especulação quando afirmo que o PT e as esquerdas em geral vão ter mais votos nestas eleições municipais do que tiveram em 2016, quando apanharam feio no Grande ABC.
A dúvida é como os eleitores da esquerda vão calibrar os votos. Lauro Michels está ameaçadíssimo de não fazer sucessor, Orlando Morando é favoritíssimo, mas não pode descuidar mesmo diante de um Luiz Marinho sem um candidato puxador de votos televisivos na disputa marcada para a Capital. Paulinho Serra pode sofrer uma invertida se o jogo for para o segundo turno com Ailton Lima, em Mauá só Deus sabe o que se passará, enquanto em Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra há uma coleção de razões que torna o petismo muito pouco provável como alternativa.
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