Administração Pública

Homem do dinheiro da saúde
sofreu mesmo um atentado?

DANIEL LIMA - 31/07/2020

O homem do dinheiro milionário da saúde pública do Grande ABC sofreu mesmo um atentado ontem de manhã nas proximidades da Fundação do ABC? A alternativa que coloca em xeque essa versão é a de que tudo não passou de estratégia para intimidar Carlos Eduardo Fava. A origem seria a possibilidade de delação premiada após a constatação de que há muito caroço no angu da Central de Convênios daquela instituição. Carlos Eduardo Fava seria, portanto, um alvo especial das investigações.  

Só existe uma maneira republicana de colocar tudo a limpo: que os prefeitos de Santo André, São Bernardo e São Caetano, responsáveis diretos pela Fundação do ABC, solicitem às autoridades policiais e ministeriais apuração minuciosa não exclusivamente do caso policial, mas das entranhas da Central de Convênios dirigida por Carlos Eduardo Fava. Fora isso, colocam-se em situação desconfortável junto à população. 

Ou seja: mais que saírem da posição de silêncio pós-incidente, os prefeitos devem demonstrar para valer que estão incomodados com a reputação e principalmente com as finanças da entidade. Sobremodo com a Central de Convênios. Esse departamento da Fundação do ABC também pode ser chamado de Central de Compras, ou mais precisamente de Central de Negócios.  

Milhões de milhões  

Para quem não entendeu ainda o que significa a Central de Convênios (de Compras e de Negócios) na saúde pública do Grande ABC, basta um detalhezinho: mais da metade dos R$ 2,7 bilhões (bilhões mesmo) do dinheiro do SUS utilizado nos três municípios e nas filiadas da Fundação do ABC passam por aquele departamento.  

Como já explicamos em outros textos, quem comanda a Central de Convênios não está nem aí com a hierarquia corporativa.  É uma caixa-preta no pior sentido da expressão.  

Carlos Eduardo Fava é o Diretor Geral da também caixa de Pandora, outra qualificação da Central de Convênios da Fundação do ABC.  

Revelamos nesta semana importante conteúdo da auditoria externa de uma empresa especializada (Russell Bedford) contratada pela presidência da Fundação do ABC, Adriana Berringer. Constataram-se desvios estarrecedores sobre uma amostra de 54 compras de produtos e serviços da Central de Convênios durante a pandemia do vírus chinês.  

A Central de Convênios é em linguagem popular uma casa da sogra cuja ocupação se dá em rodízio, de acordo com a repartição de poderes internos na Fundação do ABC.  

Estremecimento geral  

O vazamento do documento da Russel Bredford estremeceu as relações entre dirigentes da Fundação do ABC. Sobremodo quem atua diretamente na Central de Convênios. Todos da cota do prefeito de Santo André, Paulinho Serra. A pandemia detonou processo de pantagruelismo orçamentário que, antes, era mais comedido. 

A decisão da presidente Adriana Berringer teria causado estragos no relacionamento interno entre os chefes de Executivos dos três municípios. Adriana Berringer é da cota de ativos profissionais do prefeito José Auricchio, de São Caetano. Orlando Morando, que escolheu o vice-presidente da Fundação do ABC, sentiu-se praticamente incólume. Diferentemente de Paulinho Serra, diretamente atingido. 

O enredo do atentado ou da intimidação ao executivo Carlos Eduardo Fava interessa mais diretamente à apuração policial. Quantos tiros do motoqueiro que teria abordado o Diretor Geral foram realmente desfechados e outros detalhes são porções de um boletim de ocorrência ainda não foi instaurado. Mais que não ter sido instaurado, foi postergado. Durante todo o dia de ontem houve confluência geral que caracteriza abafamento do caso. Chegou-se ao extremo de identificar a informação como fake news. 

Pressão evita abafamento  

Mas a entrada em campo de boletins de CapitalSocial na rede de Whatsapp alterou o curso. Não demorou para que se admitisse o incidente. Até que o Diário do Grande ABC, por volta das 19h, produziu notícia em versão digital, dando conta de tentativa de homicídio. As demais mídias da região silenciaram. E silenciam até agora, quando não repassam informações oficiais rasas. 

Esse é um contexto importante para que se coloque o atentado ou a intimidação em patamar muito acima de simples caso policial. Há preocupação quase generalizada de tornar o assunto irrelevante. A Central de Convênios foi inadvertidamente levada a uma visibilidade que não interessa a quem faz gato e sapato de dinheiro público.  

O desdobramento do caso do atentado ou do recado ao Diretor Geral da Central de Convênios é a consequência lógica de que nada pode ser fruto do acaso quando se trata do homem que comanda a prática de consumir grande parcela do milionário orçamento da Fundação do ABC.  

Carlos Eduardo Fava é braço de confiança do prefeito Paulinho Serra e do secretário de Saúde Márcio Chaves. A vulnerabilidade do executivo detectada pela auditoria externa o colocou no raio de ação do Ministério Público Estadual e do Ministério Público Federal.  

Fidelidade à prova  

Teme-se pela fidelidade de Carlos Eduardo Fava a quem o escolheu para o cargo. Dá-se como certo que as contas da Central de Convênios não vão dialogar com princípios de idoneidade e responsabilidade.  

Se houvesse tecnologia na praça que detectasse o nível de tensão emocional por conta das revelações sobre as compras da Central de Convênios reveladas por CapitalSocial, os paços municipais de Santo André, São Bernardo e São Caetano e, principalmente, o entorno da Fundação do ABC, registrariam escalada recorde. E o pico teria se prolongado durante várias horas a partir do momento em que o veículo de Carlos Eduardo Fava foi alvejado.  

Após o impacto interno provocado pelo incidente, a preocupação principal era tornar tudo menos dramático. Para tanto, recorreu-se à dissuasão da repercussão. Mas, como no caso do vírus chinês, é impossível impedir o alastramento.  

Ambiente deteriorado  

Os três prefeitos estariam atônitos. Não faltam formuladores de ideias para conter o caudal natural de verdades, meias-verdades e idiossincrasias que emergem. Parece não haver quem tenha o bom-senso de aconselhar transparência. Quem o fizer possivelmente será execrado. A Central de Convênios sempre atuou à sombra da legalidade técnico-operacional, segundo o relatório independente. A pandemia só intensificou os desvios.  

Quanto mais ganha intensidade a avaliação de que promotores estaduais e procuradores federais estariam com atenção voltada à Fundação do ABC, mais o ambiente se deteriora. Daí a consequência de que era preciso utilizar Carlos Eduardo Fava como espécie de boi de piranha, de amedrontamento, teria sido um passo.  

A pretensão de mandar um recado de radicalização a eventuais desertores do processo de irregularidades da Central de Convênios é a versão contraposta à casualidade que se pretende impor ao desconforto do executivo daquele departamento.  

Relatório demolidor  

O relatório da Russell Bedford é tão explosivo e demolidor que nem chegou a ser mencionado durante a reunião do Conselho de Curadores da Fundação do ABC. O encontro foi realizado ontem mesmo após os integrantes da instância da Fundação do ABC terem conhecimento do caso envolvendo Carlos Eduardo Fava.  

O Conselho de Curadores da Fundação do ABC é espécie de gandula num jogo de futebol. Não tem importância alguma. É apenas formalidade legal. Poucos curadores se manifestam contrários à unanimidade subserviente. O arranjo supostamente democrático é uma esculhambação institucional porque se trata de uma democracia de araque. Segundo, porque usurpa a representatividade da chamada sociedade civil, que é servil.   

O Conselho de Curadores configura-se extensão explícita e dócil dos chefes dos respectivos Executivos. A maioria tudo sabe, mas de nada reclama. Sem contar que usa a pretensa participação social como moeda de troca para vantagens pessoais. Embora a presidente da Fundação do ABC tenha reduzido a carga de contratações mais que suspeitas de apadrinhamentos políticos, ainda é imensa a lista de beneficiários do sistema de autoproteção da Fundação do ABC.  



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