Política

Síndrome da Zebra de Branco
incomoda Paço de Santo André

DANIEL LIMA - 04/08/2020

Quem ousar fazer alguma pergunta que tenha relação direta ou indireta com a transferência para o segundo turno da decisão sobre o ocupante do Paço Municipal de Santo André e a consequente posse a partir de janeiro do ano que vem tem potencialmente muitas possibilidades de se dar mal. 

Colocar em dúvida a definição da disputa no primeiro turno incomoda muito o entorno do Paço Municipal de Santo André. Os tucanistas produzem reação psicológica deliberadamente hostil, como se o mundo corresse o risco de explodir caso tudo não termine ao final do primeiro turno.  

O formulador mesmo que ingênuo de algo que não coincida com os desejos do prefeito Paulinho Serra e seus asseclas corre o risco de ser execrado, quando não excomungado, quando não vilipendiado. São exageros naturais de campanhas eleitorais em formato contraditório: pode ser tudo verdade como também grande encenação. Ou seja: avoca-se a decisão iminente no primeiro turno mesmo se reconhecendo internamente o segundo turno inadiável porque dessa forma impõe-se um ambiente mobilizador ainda maior.   

O prefeito Paulinho Serra e seus apoiadores diretos e invisíveis não admitem publicamente que o jogo vá para o segundo tempo porque o primeiro tempo seria uma marca da tranquilidade e da consequente redução de gastos com a campanha. Também nesse ponto não difere do mundo em geral da política.  

Tricolino controverso  

Apesar do varejismo gerencial de uma Santo André que exige um chefe de Executivo com olhos e mente no futuro, Paulinho Serra tem a pretensão de passar à história como espécie de novo Celso Daniel. Também é permitido esse tipo de projeção, até porque Celso Daniel de primeiro mandato foi mais ou menos o que Paulinho Serra é hoje. Uma das diferenças é que que o petista tinha um partido que o amordaçava e o tucano tem uma obsessão que o trava.  

É claro que o encerramento do jogo eleitoral no primeiro turno requer combinação com os adversários. Mas Paulinho Serra sabe como são-paulino que é que nem sempre o que se espera da equipe dentro de campo é efetivado, ou quando efetivado não dá o resultado combinado desejado.  

Outro dia mesmo o Tricolor venceu o Guarani e levou o velho rival Corinthians à classificação. Paulinho Serra teme que uma vitória numérica no primeiro turno não seja suficiente para matar o jogo. E que um Corinthians em vermelho ou de cor indefinida entre na parada.  

Assombração incomoda 

O que ronda a gestão de Paulinho Serra em forma de assombração é a Síndrome da Zebra de Branco. Tanto incomoda que, quanto mais se fala em segundo turno em Santo André, mais repulsa provoca eventual interlocutor, visto como inimigo a ser combatido. 

O leitor sabe por acaso ou por conhecimento meritocrático o que é Síndrome da Zebra de Branco?  

Não tem ideia do que seja? Se não sabe e não tem ideia é sinal de que tem a memória curta; ou a memória é boa, mas não captou o passado; ou, em último caso, sabe, reconhece a expressão, mas não quer nem ouvir falar, porque sente o corpo tremer.   

Antes de revelar do que se trata, antecipo que não acredito que circunstâncias numéricas semelhantes às que originaram a Síndrome da Zebra de Branco se repitam em Santo André ou em qualquer município brasileiro.  

A Zebra de Branco é exemplar único na história de segundos turnos de eleições municipais no Brasil.  

Resultado inacreditável  

Repetir a Síndrome da Zebra de Branco é algo como acreditar que um time em desvantagem no placar por dois gols de diferença e após sofrer quatro expulsões seria capaz de reagir a 15 minutos do final e, mais que marcar um gol, marcar três e virar o resultado.  

Entretanto, por mais que a Síndrome da Zebra de Branco seja evocativa a um pé de cautela no freio do entusiasmo fabricado ou verdadeiro, porque há sempre uma possibilidade de o imponderável ou do maquiavélico prevalecer, o Paço Municipal e o entorno imediato refutam e desprezam qualquer risco de o jogo jogado até agora virar em favor dos adversários.  

Embora a coreografia de turno único numa cidade legalmente vulnerável a dois turnos apresente-se como algo ensaiado por supostos alquimistas eleitorais muito próximos do gabinete do prefeito Paulinho Serra, de tanto falar no assunto os tucanistas de Santo André passaram a acreditar na possibilidade. Tanto que a tornaram espécie de obsessão. Esse é o grande risco. Construíram um penhasco de expectativas matemáticas do qual podem despencar. 

Virada histórica  

Sei que o leitor está ansioso pelo desvendar da Síndrome da Zebra de Branco. Então vamos logo acabar com isso para, em seguida, apontar as possibilidades de algo semelhante ocorrer. 

Cunhei a expressão “Zebra de Branco” ao, em dezembro de 2008, escrever série de textos que dissecaram a vitória de Aidan Ravin à Prefeitura de Santo André. Então vereador, Aidan disputou o primeiro turno sem que o levassem a sério.  

O petista Vanderlei Siraque estava com a mão na taça. Poderia ter matado o jogo no primeiro turno. Obteve, entretanto, 48,9% dos votos. Ou seja: faltou pouco mais de um ponto percentual para o PT até então dirigido por João Avamileno permanecer no Paço Municipal.  

Aidan Ravin e Raimundo Salles somaram 40% dos votos no primeiro turno. Juntos, embora separados, foram para o segundo turno. Não vou entrar em detalhes sobre a disputa porque nos próximos dias, um pouco mais adiante, vou fazer daquela reviravolta no placar uma edição especial.  

O resumo da ópera eleitoral é que Vanderlei Siraque perdeu para Aidan Ravin no segundo turno por 10 pontos percentuais de diferença. Dez pontos percentuais de diferença não são 10% de diferença. São 18,8%. Gente graduada da República confunde uma coisa com outra.   

Favoritissimo perdeu 

Até a véspera da disputa havia empate no placar, segundo o Ibope numa pesquisa marota em que a margem de erro de quatro pontos percentuais era mais que extravagante:  garantia que, qualquer placar dentro da margem de 10 pontos percentuais, sustentaria o selo de acerto. Ganhasse quem ganhasse.  

Vinte dias antes da disputa a revista LivreMercado, sob minha direção editorial, publicara uma pesquisa do Instituto Brasmarket que apontava vitória de Vanderlei Siraque. Oitenta e cinco por cento dos conselheiros editoriais daquela publicação, ouvidos na mesma edição, davam a vitória de Siraque como favas contadas. Eleitores de Santo André, ouvidos pelo Ibope, também cravavam Vanderlei Siraque com larga vantagem. 

Pois não é que a Zebra de Branco de Aidan Ravin prevaleceu? Como todos sabem, a expressão remetia ao fato de Aidan Ravin ser médico e de, para impressionar o eleitorado, saia às ruas inteiramente de uniforme profissional. Um médico que virou monstro na vida de Vanderlei Siraque.  

E também, cá entre nós, virou monstro para o futuro imediato de Santo André, tantos foram os buracos em que se meteu. Inclusive nas águas e esgotos do Semasa. Ou seja: seguiu a tradição de fazer daquela autarquia enorme braço de impropriedades.  

Como os demais  

Como prefeito, a Zebra de Branco chamada Aidan Ravin não foi muito diferente dos sucessores. Inclusive Paulinho Serra, incensado por quem acha e se impressiona com caudal de obras. Respeito quem se impressiona com o varejismo tucanista de Santo André. Mas, com todo o respeito, a cidade mais empobrecida no Estado de São Paulo nas quatro últimas décadas exige mais cérebro e menos marketing.  

Talvez o maior erro cometido pelo PT de Vanderlei Siraque seja repetido agora com Paulinho Serra e sua entorrage. Levar a ferro e fogo a mensagem de que o jogo terminará no primeiro turno é um tiro que pode sair pela culatra.  

Em disputa eleitoral tudo é possível, por mais que se apresente como impossível. As circunstâncias ambientais de uma disputa municipal numa região metropolitana em que há predomínio da mídia de massa da Capital são sempre diferenciadas.  

Efeitos colaterais da macropolítica nacional e da micropolítica estadual contaminam o jogo municipalista sobremodo nestes tempos em que a mídia convencional perde cada vez mais espaço para as redes sociais.   

Mais para dois turnos  

É muito pouco provável que o jogo eleitoral em Santo André se encerre no primeiro turno. Esquerdistas (petistas e psolistas) e centristas (Ailton Lima) devem somar votos suficientes para adiar a decisão. Quanto mais a soma das partes contrárias se aproximar de 40% mais o segundo turno estará não só assegurado como suscetível a surpresas. Quanto menos, mas improvável.  

Outro dia fiz algumas manobras matemáticas para tentar explicar o quanto é elástica a viabilidade de o jogo ser levado a novo turno. É claro que o Paço Municipal de Paulinho Serra detestou. 

Ainda tenho muito a escrever sobre segundo turno em Santo André. Inclusive explicar porque com turno único ou não nada se altera nas ordens das coisas sobre a gestão de Paulinho Serra.  

O que deveria incomodar quem tem juízo e pensa num Grande ABC reformista é a constatação de que a gestão de Paulinho Serra lembra aquela balzaquiana toda embonecada para uma noitada que termina numa suíte de motel e assusta o parceiro que sai de fininho porque acabou o prazo de validade da beleza emprestada por quilos de maquiagem.  

Nada contra as balzaquianas, claro. Apenas não são de meu gosto balzaquianas que não aceitam o fato de serem balzaquianas e se pretenderem adolescentes.   

Varejismo a repensar  

Paulinho Serra é um prefeito varejista que se pretende estruturalista ao vender ilusões. Como ainda outro dia inventou que Santo André conta com Parque Tecnológico. Nem conta e muito menos estaria a caminho da ressurreição econômica se contasse, porque Parque Tecnológico não faz verão. Basta ver quantas cidades do G-20, o Clube dos Municípios Mais Importantes do Estado de São Paulo, contam com Parque Tecnológico. 

O bom da democracia e do jornalismo crítico é que sempre existe a possibilidade de que um prefeito não mais que mediano no primeiro mandato seja eventualmente reeleito e cresça de produção. Como Celso Daniel do passado e como tantos jogadores de futebol que não fazem nada durante o primeiro tempo, mas depois viram heróis. Menos, ultimamente, no São Paulo.  



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