Administração Pública

Paulinho Serra é cúmplice ou
vítima de vigaristas da saúde?

DANIEL LIMA - 28/08/2020

Algo precisa ser esclarecido após o desembarque de policiais federais em Santo André com ações que pretendem punir malfeitos de um contrato da Prefeitura de Santo André durante estes tempos de vírus chinês: ou a Administração de Paulinho Serra é conivente com as falcatruas ou é vítima. Ninguém melhor que o próprio prefeito para tirar a dúvida. Vou sugerir um caminho republicano que colide frontalmente com o que li até agora, espécie de acinte à tradição lavajatense de relações entre Poder Público e fornecedores privados.  

Pensei em várias formas de escrever sobre a Operação Protocletos, como assim a definiu a força policial. Imaginei até chamar a campo meu oposto, Leinad Amil, para defender o prefeito. Defender? Mais que isso: para canonizá-lo.  

Desisti quando me dei conta de que o assunto é sério demais para meu oposto meter o bedelho. Ele é excessivamente condescendente. Acha que o Grande ABC é uma maravilha. Não há mandachuva e mandachuvinha que não goste de Leinad Amil. Aliás, o que não falta na praça da comunicação regional são réplicas de Leinad Amil. A generosidade impera. Não há obscuridade alguma no horizonte nem no passo imediato.  

Muitos Leinad Amil  

A diferença é que Leinad Amil é fruto de pela minha imaginação provocativa, quando não autoprovocativa. Os outros Leinad Amil são autênticos, com RG, CIC e tudo o mais. Leinad Amil é um falsário tanto quanto os fornecedores de produtos e serviços de saúde que se abastecem de muito dinheiro nesse período de gravidade.   

Vamos direto ao ponto. O prefeito Paulinho Serra tem todo o direito de construir, como a Prefeitura construiu, uma narrativa de vitimização que, conforme o analista, também pode ser chamada de narrativa de ampla e irrestrita defesa.  

Demonizar os falsários empresariais para tirar a culpabilidade da reta é um direito sagrado. Daí, entretanto, a dar o dito pelo acabado é outra história.  

Há muito mais contratos emergenciais da Prefeitura de Santo André que ultrapassaram a linha de fundo da correção procedimental.  

Farra do boi  

São semelhantes ao que é motivo de investigação da Polícia Federal, da Controladoria Geral da União e do Tribunal de Contas da União. A consultoria contratada pela presidência da Fundação do ABC, Adriana Berringer, recentemente destrinchado por CapitalSocial, deixa tudo isso mais que consolidado.  

A farra do boi da Central de Compras ou Central de Convênios da Fundação do ABC teve Santo André como principal teatro de operações. Dezenas de contratos irregulares foram detectados num curto período de avaliação. Coisa muito feia.  

E o prefeito Paulinho Serra jamais se mostrou interessado em esclarecer absolutamente nada. Nem mesmo mobilizou os demais titulares dos paços municipais para clarear a tentativa de assassinato ou intimidação explícita contra o então titular da Central de Compras ou Central de Convênios, quando não Central de Conveniências.  

Deram três tiros no homem mais para assustar do que para matar. O homem escafedeu-se. Pediu licença. Está afastado do cargo. Mas tomou todas as providências para não deixar mais digitais do que as possíveis de detectar.  

Braço de compras  

Não custa lembrar que executivos com amplos poderes de decisão na Central de Compras da Fundação do ABC são muito próximos à gestão de Paulinho Serra. A Fundação do ABC é o braço de compras das prefeituras na área de saúde. Todas as contas são geridas por homens de relações intestinas com a Administração de Paulinho Serra. Mais que isso: autônomos em relação à presidência da instituição.   

O que poderia ser chamado de Fraude das Fraldas seguramente não é um caso isolado na gestão de compras de produtos e serviços com as digitais da Prefeitura de Santo André e uma rede de fornecedores que, em larga escala, se beneficiaram de dispensa de licitação. O relatório da consultoria especializada em questão deixa isso evidenciado.  

A Fraude das Fraldas surge a propósito do fato denunciado pela Policia Federal envolvendo o acordo assinado para a compra de 689 mil fraldas descartáveis, no valor de R$ 1,3 milhão, para abastecimento dos hospitais de campanha de pacientes do Coronavírus. A suspeita é de que a fornecedora RF Gory Comercial Limitada fez malabarismos concorrenciais.   

Preço e sobrepreço 

O sobrepreço da operação de venda chegou a R$ 600 mil. Isso é café pequeno perto do que a Consultoria Russell Bedford detectou no documento entrega à direção da Fundação do ABC. Um documento bombástico e que, levado a sério, mostraria muito mais das entranhas daquela instituição. Um documento solicitado à revelia dos demais dirigentes da Fundação do ABC. A presidente da Fundação do ABC não quer ver o sol nascer quadrado.  

A proposta que faço ao prefeito Paulinho Serra de modo que não paire dúvida alguma de que é vítima de estelionatários é uma coisinha muito simples que se chama transparência. Como? Basta que conceda a um grupo de especialistas em contas públicas a liberdade de apurar todos os contratos na área de saúde, desde março deste ano, quando começou a pandemia, cuja especificidade seja a dispensa de licitação. 

Vou mais longe, para deixar claro ao prefeito que quero mais do que ninguém que saia consagrado dessa iniciativa e parta para a vitória arrasadora nas eleições de novembro: quero o direito de indicar um profissional especializado no assunto. Já o tenho à disposição, sem custo algum. Ele, caro prefeito, é tão do ramo que poderia sugerir mais alguns nomes para compor uma força-tarefa de desagravo à desconfiança que a sociedade naturalmente nutre contra a classe política.  

Festa de arromba  

Já imaginou, prefeito, véspera de eleição, a Polícia Federal chamada e, ao invés de invadir o Paço Municipal, receber de presente um calhamaço de provas cabais e contundentes dos desvios de milhões de dinheiros públicos durante a pandemia? Uma megadenúncia, prefeito.  

Garanto que vai faltar espaço para tantos convidados à grande festa. Mais ainda se, numa operação maquiavélica, o prefeito reunir todos os envolvidos das empresas privadas a participarem de uma suposta festa de reconhecimento pelos serviços e produtos prestados durante a pandemia.  

Paulinho Serra não pode perder essa oportunidade. Afinal, nenhum prefeito da atual safra, a pior safra em termos coletivos que o Grande ABC já conheceu desde o lançamento do Clube dos Prefeitos em dezembro de 1990, é tão vocacionado ao marketing como o tucano de Santo André.  

O problema é que há um aparato de provincianos sempre decididos a dar roupagem muito específica, mas tão específica, às supostas virtudes da gestão, que não há como deixar de desconfiar.  

O marketing de Paulinho Serra é tão despudoramente ostensivo e mal-ajambrado que lembra os exageros de travestis que, muito mais programadamente femininas do que as originais de fábrica, entregam o ouro antes mesmo de abrirem a boca.  

A narrativa oficial da Prefeitura de Santo André em contraponto à operação da Polícia Federal só não é acintosa porque também é indecorosa.  



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