Administração Pública

Imposto assassino (2)

DANIEL LIMA - 20/07/2009

Quando decidi pelo apenas supostamente agressivo título desta série, não me lembrava de uma declaração contundente de uma excelente e confiável fonte de informações do governo do Estado, transposta, em setembro de 2000, às páginas da revista LivreMercado. Isso significa que a memória, mesmo quando supostamente fragilizada pelo desgaste do tempo, do estresse ou por qualquer outro motivo de domínio dos neurocientistas, é dispositivo biológico que vai muito além da imaginação. Quando menos esperamos — pelo menos é assim para quem escreve cotidianamente — eis que informações que pareciam perdidas reaparecem sem que nos demos conta disso e em muitos casos também da origem.


Estava armazenado no meu cérebro o toque de sensibilidade para a definição dos artigos que tratam da distribuição esquizofrênica do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sintetizada na disparidade entre Paulínia e Diadema. Paulínia é a nova Meca da cinematografia brasileira. Diadema é uma incubadora de novos pixotes — apesar de todos os esforços da administração pública socialista que comanda a Prefeitura há quase duas décadas e meia.


“Imposto assassino” seria uma forçada de barra para chamar a atenção dos leitores? A prática de sensacionalismo jornalístico não é minha praia e não faço das tripas coração para garantir e muito menos para aumentar a audiência.


Exatamente um ano depois de lançar na mídia nacional a contestação à fórmula de distribuição do ICMS, voltei ao assunto em setembro de 2000. Ouvi o então coordenador-geral da administração tributária da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, Clóvis Panzarini. O especialista não só afirmou que considera a legislação prejudicial aos municípios mais populosos do Estado, entre os quais seis dos sete do Grande ABC e a Capital paulista, como foi contundente:


“É preciso colocar o ser humano como principal preocupação na distribuição do imposto, não a produção” — afirmou há nove anos Clóvis Panzarini.


Provavelmente foi a força dessa frase, que redescubro agora nos arquivos materiais, que levou meu inconsciente a definir o título desta série. É nesse ponto, explico, que a memória abstrata é uma cilada ou uma benção. Depende do que fazemos de nossas vidas.


O executivo público do então governo Mário Covas foi mais adiante na avaliação da distribuição do ICMS. Embora a reestruturação do destino de quase todo o ICMS seja de responsabilidade do Congresso Nacional, Clóvis Panzarini concorda que não há alternativa mais prática para a sensibilização do Poder Legislativo sediado em Brasília senão o envolvimento de representantes dos municípios. “Essa é uma causa municipalista”.


Por isso que, quando ouço ou leio que a Câmara Regional, o Clube dos Prefeitos, a Agência de Desenvolvimento Econômico e, mesmo lá atrás, o Fórum da Cidadania, foram ou são instrumentos resolutivos de vanguarda em regionalidade, sofro de raiva e tenho calafrios de irritação. Quanto muito, as parcas deliberações dessas instituições efetivamente transformadas em ações não resvalaram nos pontos essenciais à reestruturação regional.


Questões substantivas como a do ICMS e tantas outras que poderiam ajudar a mudar a situação de definhamento do orçamento público no Grande ABC e, em consequência, elevar os níveis de investimentos, passam ao largo dessas instâncias. São assuntos-tabu que se agravam diante dos obstáculos políticos, partidários e também orçamentários que o governo federal e o governo estadual encontram para investir na região.


O prefeito de Rio Grande da Serra, Kiko Teixeira, que se move com a impetuosidade cênica de papagaio de pirata de forças políticas do Grande ABC e que por isso mesmo assumiu a presidência da Agência de Desenvolvimento Econômico, depois de passar pelo comando do Clube dos Prefeitos, festeja o retorno das unidades do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo) à instância que dirige, quando, de fato, isso acrescentará muito pouco à regionalidade. O buraco é muito mais embaixo.


Ainda sobre aquela matéria de nove anos atrás, escrevi que Clóvis Panzarini recorreu à Constituição Federal para explicar a impossibilidade jurídica de a Assembléia Legislativa de São Paulo modificar de forma profunda as alíquotas de distribuição do ICMS.


O artigo 158 da Carta Magna define que pertencem aos municípios 25% do ICMS, produto que o Estado arrecada sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. Os dois parágrafos que tratam da questão definem que pelo menos três quartos serão repassados aos municípios com base na proporção do Valor Adicionado e até um quarto de acordo com o que dispuser a lei estadual.


Apesar das limitações legais, Clóvis Panzarini defendia a sensibilização do Poder Legislativo sediado em Brasília por parte dos representantes dos municípios, deputados estaduais entre eles.


No próximo capítulo seguiremos com a abordagem daquela matéria de setembro de 2000. Há dados estatísticos que se agravaram nesta década por conta da perpetuação da distorção de repasse do imposto assassino.


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