Administração Pública

Morando amadurece no cargo;
Paulinho segue manipulando

DANIEL LIMA - 08/10/2020

Orlando Morando amadureceu no cargo de prefeito de São Bernardo ao longo de quase quatro anos completos. O prefeito Paulinho Serra viu o tempo passar em Santo André sem perder o tom de deboche próprio de quem ainda não compreendeu o tamanho da responsabilidade de dirigir o Município que mais se empobreceu ao longo de 40 anos no Estado de São Paulo.  

Esses são o ponto e o contraponto principais do balanço da atual safra de prefeitos do Grande ABC desde janeiro de 2017. Orlando Morando é o melhor entre eles, com nota seis de zero a 10. Paulinho Serra encaixa-se na média geral dos demais. Que não passa de nota três. Com muito boa vontade.  

O resultado dessa avaliação não é obra de achismo, partidarismo ou de empatia. É claro que carrega subjetividades, mas a carga de fatualidades vinculadas a um plano de avaliação é maior. Tanto que para chegar às conclusões a que cheguei, optei por construir um painel de controle crítico com sete dispositivos, como anunciei ontem: 

 Transparência Pública. 

 Ética Pública. 

 Engenharia Política. 

 Comprometimento Regional. 

 Desenvolvimento Econômico. 

 Gestão Administrativa. 

 Empreendedorismo Público. 

São esses os pilares de mensuração dos trabalhos dos gestores públicos eleitos em outubro de 2016. Todos eles, exceção a Lauro Michels, em Diadema, vão concorrer à reeleição em novembro próximo. Michels está completando o segundo mandato.  

Critérios importantes  

Da mesma forma que o desempenho de prefeitos não pode ser observado sob a ótica do varejismo de obras que, afinal, contam com recursos disponíveis exatamente para que se materializem, a avaliação geral de cada mandato deve ser retirada de especificidades -- de valor ínfimo no conjunto da obra administrativa.  

Basta verificar o quanto o varejismo administrativo é um convite ao afrouxamento crítico e à consagração de mediocridades políticas.  

Basta observar em cada cidade o legado material (sempre condicionado ao dinheiro fácil de arrecadação de impostos) dos prefeitos que antecederam os atuais. E dos próximos que sucederão os atuais. Esses ciclos são perpétuos em democracias. Mas não transformam automaticamente gestores públicos em deuses.   

O que torna um prefeito diferenciado e, portanto, mais suscetível à História, vai muito além do grosso de obras miúdas. São investimentos estruturais em logística ou em redes de atendimento à saúde e à educação que coloquem os indicadores mais próximos do ideal em confronto com rankings internacionais, por exemplo, que traçam o destino de um prefeito qualquer e de um grande prefeito.  

No caso dos municípios do Grande ABC, a cada nova temporada se torna mais improvável a instalação de infraestrutura social e econômica que se desdobre em reviravolta no processo de empobrecimento e de quebra de mobilidade social.  

Perdendo fôlego 

O que cada Município do Grande ABC conta como herança de competitividade econômica está muito abaixo da média dos principais endereços municipais do Estado de São Paulo. Estudos não faltam. A região tornou-se campeã em tributos municipais e rabeirinha em investimentos produtivos que se traduzam em receitas orçamentárias e empregos de qualidade.  

Como se verá logo abaixo, numa síntese da essência de cada enunciado que serviu de métrica da atuação dos atuais prefeitos, o buraco é muito mais embaixo.  

O Grande ABC envelheceu sem se dar conta disso. Caminha a passos trôpegos. Não dá sinais de vitalidade recuperadora. Os prefeitos atuais não estão à altura dos desfalques provocados na área econômica. E muito menos ainda dos desafios que se apresentam.  

Tropeços do líder  

Mesmo o líder na média de notas e principal agente público da região, está distante do imaginado e necessário. Orlando Morando amadureceu mesmo em quatro anos. Diferentemente portanto do renitente zangado e falastrão Paulinho Serra. Talvez, comparativamente a Celso Daniel ao final do primeiro mandato, de 1989 a 1992, Orlando Morando termine a gestão em vantagem. São circunstâncias diferentes, claro. O que não era emergencial nos anos 1980 tornou-se imperativo agora.  

Celso Daniel ficou preso a radicais de esquerda que o enquadraram em embaralhamentos administrativos. A expectativa de que em eventuais novos quatro anos Orlando Morando dê um salto de qualidade é muito mais provável do que a conversão de Paulinho Serra à grandeza de entender a cidade e a região fora das algemas de um triunfalismo risível e de um egocentrismo juvenil.  

Para entender em que estágio na administração pública se encontra o Grande ABC como um todo ou individualmente, seguem os conceitos essenciais:   

 Transparência Pública 

Como os antecessores imediatos e antecessores menos imediatos, os prefeitos do Grande ABC não dão a mínima bola à transparência administrativa. Eles não fogem à prática comum dos chefes de Executivos municipais País afora. Encontros públicos para prestação de contas gerais ou específicas não constam do cronograma de atividades. Prefeitos centralizam informações. O nível de identificação pública da equipe de governo é baixo. A sociedade em geral não tem a menor ideia de quem são os secretários municipais.  

Um exemplo entre muitos poderia ser exposto para mostrar a distância entre os administradores públicos e o conjunto da população que consome informação.  

Alguém entre os leitores consegue lembrar de alguma manifestação do titular de secretaria de Desenvolvimento Econômico de qualquer dos municípios sobre, entre vários pontos, as perspectivas para o mercado de trabalho formal logo após a chegada do vírus chinês, durante o vírus chinês e agora que o vírus chinês reflue? Claro que não. E os secretários de saúde por acaso prestam contas diárias, ou semanais, ou quinzenas, também sobre os estragos do vírus chinês? 

Nenhum prefeito se salva nesse quesito. Paulinho Serra está em patamar superior. Nada que eventualmente o coloque em situação de desconforto merece resposta tanto dele como de qualquer secretário. Há temor descarado ao contraditório. Na crise da Fundação do ABC, enredada em falcatruas no Departamento de Compras, chamado de Central de Convênios, sob o controle do prefeito de Santo André, um silêncio constrangedor flui do Paço Municipal. Uma auditoria independe revela o tamanho das impropriedades gerenciais.   

 Ética Pública 

Há parentesco entre Ética Pública e Transparência Pública, mas são vetores independentes. A Ética Pública das autoridades máximas das prefeituras do Grande ABC resvala sempre no terreno da preservação da imagem em detrimento da realidade. Faz parte do jogo político dourar a pílula. Também nesse campo o prefeito de Santo André é especialista renitente.  

Nenhum entre os sete prefeitos do Grande ABC atinge níveis de deboche cultuados pelo tucano Paulinho Serra. Há sempre uma incursão maliciosa na interpretação de fatos. Quem o acompanha com a ingenuidade dos crédulos jura por todos os santos, inclusive Santo André, que o Polo Tecnológico já está instalado e em plena operação no Município, quando a verdade é que nem mesmo um projeto saiu do forno.  

Mais que isso – e Paulinho Serra não cansa de dizer o contrário – mesmo que implantado o Polo Tecnológico nem de longe dará sinal verde à retomada econômica. Poucos municípios entre os maiores do Estado contam com Polo Tecnológico.  

O prefeito de São Bernardo, Orlando Morando, flertou nos primeiros meses de governo com a perspectiva de que se manteria como outro exemplar de fanfarronices econômicas. Partiu para um jogo de adequação insustentável de dados econômicos e de medidas administrativas que logo se esgarçaram.  

Orlando Morando abandonou a estratégia da qual Paulinho Serra jamais arredou pé. O prefeito de Santo André faz gato e sapato de números de empregos formais, de investimentos privados, de rankings temáticos. É um ilusionista à solta, ludibriando a boa-fé de leitores e eleitores. Logo após a crise do IPTU, no começo do mandato, anunciou um conselho especial para se debruçar sobre reformas. Não demorou quase nada para desativar a iniciativa. Alguns eventos supostamente aquecedores da turbina motivacional a investimentos privados não passaram de embustes. Um governo sem planejamento econômico vive de improvisos e manipulações.   

 Engenharia Política 

Costurar acordos dentro das regras do jogo de fortalecimento da governabilidade e de perspectivas eleitorais faz parte da democracia. A fronteira entre o ético e o ilegítimo é tênue, e só o tempo é capaz de desnudar. Nesse ponto, o destaque é mesmo Orlando Morando. Ele deu o pulo no gato, por exemplo, às eleições deste ano. O acordo com o deputado federal Alex Manente, duríssimo rival, abalou as expectativas do petista Luiz Marinho voltar ao Paço Municipal.  

Nenhuma outra medida que comporte mecanismos de consolidação de forças eleitorais numa temporada em que a multiplicação de concorrentes se acentua se mostra tão vitoriosa como a de Orlando Morando. Não se tem conhecimento dos termos do acordo que uniu os dois rivais. O pragmatismo impera.  

O significado da adesão de Alex Manente à candidatura de Orlando Morando coloca o atual titular do Paço Municipal mais próximo da centro-esquerda sempre mais sensível à esquerda petista. Com Manente na disputa, como nas eleições anteriores desde 2004, resistiria a perspectiva de um segundo turno entre o tucano e o petista Luiz Marinho. Agora a probabilidade é bem menos factível. Uma terceira via chamada Rafael Demarchi parece não decolar. 

 Comprometimento Regional 

Nenhum dos atuais prefeitos do Grande ABC pode sequer imaginar discurso de regionalidade. Todos, sem exceção, desprezaram olimpicamente o Clube dos Prefeitos. Orlando Morando foi o mais acintoso, porque, no cargo, politizou e partidarizou a instituição como ninguém até então. Fez tão mal à entidade que supera os estragos da incompetência do sucessor, Paulinho Serra, e do protegido do sucessor, Gabriel Maranhão, prefeito de Rio Grande da Serra.  

O que se espera dos prefeitos que emergirão das urnas em novembro próximo é que o Clube dos Prefeitos finalmente passe por reforma completa de conceitos, princípios e objetividade. Quem sabe, com isso, em eventual nova tempestade na área de saúde, como o vírus chinês, a região possa reagir de forma coordenada, coletiva e produtiva.  

Ter o Clube dos Prefeitos a nocaute talvez seja, paradoxalmente, o maior feito de Orlando Morando. Ele sacramentou espécie de eutanásia institucional. Uma medida drástica que colocou fim ao jogo de faz de conta de que a entidade existia e que insiste em parecer existir sem existir para valer.  

 Desenvolvimento Econômico 

Não há um exemplo sequer de políticas públicas dos atuais prefeitos que resvale na essência de Desenvolvimento Econômico. Os titulares das pastas de minguadíssimos orçamentos são anônimos e impotentes. Poucos os reconhecem. Identificá-los nominalmente seria aventura caso fossem colocados ao público misturadas a secretários municipais de outras pastas. Mesmo que postos à apreciação nominalmente, seria uma exceção o apontamento do cargo que exercem. Os secretários pensam que existem. Só estão no organograma das prefeituras.  

Para uma região que vem de quatro décadas de destruição industrial, acentuada neste século em dados constantemente analisados por esta revista digital, é um acinte as pastas da área serem subjugadas ao quarto de despejo de relevância administrativa dos prefeitos. É a confissão cabal de insensibilidade e desprezo ao futuro. É o imediatismo sobrepondo-se ao amanhã.  

 Gestão Administrativa 

As imposições da Lei de Responsabilidade Fiscal tornam os gestores públicos municipais mais suscetíveis à organização das finanças, principalmente. Embora não faltem mecanismos criados para driblar a legislação, sobretudo com o jogo de esconde-esconde dos gastos com funcionalismo, a perspectiva de embaraços durante ou mesmo após o cumprimento do mandato elevam os cuidados. As medidas são burocraticamente observadas, sempre sob a bitola de evitar desvios gerenciais.  

Ainda nesse campo, na prática de resoluções ativas, em forma de investimentos em obras, a exceção é Orlando Morando. São Bernardo ganhou nos últimos anos obras estruturais importantes iniciadas ou anunciadas pelo petista Luiz Marinho, pego no contrapé da crise política e econômica que derrubou a presidente Dilma Rousseff.  

 Empreendedorismo Público 

Também nesse campo os atuais prefeitos estão aquém das necessidades de um Grande ABC que não conhece outro passado senão o empobrecimento. Não há nada no passado recente dos atuais prefeitos, como também dos antecessores, exceto durante o segundo e o terceiro mandato incompleto de Celso Daniel, em Santo André, que sinalize mudanças reestruturantes.  

O empreendedorismo público se manifesta em várias áreas potenciais, mas o que faz a diferença mesmo é a atração de investimentos privados que não canibalizem empreendimentos já instalados.  

Aplaudir a chegada de novas unidades de redes varejistas, de franquias de serviços e assemelhados, comum entre os gestores atuais e anteriores, é a vertente mais desprezível em forma de oportunismo.  

O que faz a diferença são medidas que gerem mais riqueza a ser distribuída em forma de renda e de investimentos públicos.  

O empreendedorismo público no Grande ABC está centralizado numa operação em que os antecessores se diplomaram: aumentar a carga de impostos, sobretudo do IPTU, principal fonte de receitas municipais numa região que perde cada vez mais valor imobiliário.



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