O prefeito de Santo André é o tucano mais favorecido pela pesquisa do Instituto Ibope publicada quinta-feira pelo Diário do Grande ABC. Paulinho Serra tem a companhia de José Auricchio Júnior como segundo maior beneficiário de números importantes. O prefeito de São Caetano, por sua vez, tem parcela maior do que a registrada pelo também tucano Orlando Morando, prefeito de São Bernardo.
Ser beneficiado pelo Ibope não tem necessariamente o sentido de algo pecaminoso, deliberadamente farsesco. Mas tem um significado no ambiente político que gera frutos quando a chegada das urnas está tão próxima.
Pesquisas eleitorais num ambiente de aridez de avaliações estatísticas como o Grande ABC reúnem força de marketing impressionante. Basta ver o que os candidatos que estão na liderança nos sete municípios locais fizeram e continuar a promover como marketing tendo o aval do Ibope.
Turbinando campanhas
As redes sociais foram tomadas de peças publicitárias. Milhares de réplicas de recortes de páginas de papel do Diário do Grande ABC foram impressas e distribuídas à população. A ausência de mídia de massa na região é compensada com o fatiamento de páginas de jornal. O que antes se restringia à leitura de assinantes virou artilharia pesada.
Quando se prepara uma pesquisa eleitoral com uma grife do tamanho do Ibope, tem-se reforço importante junto aos eleitores, a maioria dos quais, ainda, sem candidato consolidado. Publicada 10 dias antes das eleições, a pesquisa do Ibope não pode ser minimizada como evento qualquer. É ferramenta poderosíssima de sensibilização do eleitorado indeciso, principalmente.
Desbravando periferia
Em periferias da Região Metropolitana de São Paulo com as características socioeconômicas e culturais do Grande ABC, contar com suporte pressupostamente científico do Ibope pode se converter no melhor cabo eleitoral. Ainda mais nestes tempos de pandemia, de baixíssima circulação de pessoas.
Sem mídia de massa, o Grande ABC é um convite a eventuais escorregões estatísticos. É impossível medir a influência do Ibope no jogo eleitoral da região, mas seria ingênuo o qualificar como marginal.
O problema que se verificou com a pesquisa do Ibope publicada pelo Diário do Grande ABC é que possivelmente houve exageros que vão muito além de casos pontuais de baixa interação de votos a alguns candidatos.
Os 81.82% de votos espontâneos válidos de eleitores que optaram por Paulinho Serra em Santo André são anormais. Não existe na literatura político-eleitoral situação desse porte. São Caetano e São Bernardo também estão fora da curva, mas de maneira menos escandalosa.
O tema é árido, mas precisa ser exposto. Pesquisas eleitorais costumam dividir em duas etapas as entrevistas com os eleitores. A primeira de voto espontâneo. A segunda de voto estimulado. É o voto espontâneo que mais interessa de imediato nessa avaliação.
Três partes do espontâneo
Votos espontâneos se desdobram em três categorias: o apontamento direto do nome do concorrente que receberá o voto do eleitor entrevistado; uma resposta que se enquadra no critério de “brancos e nulos”; e uma terceira de “não sabe/não respondeu”.
Por que o caso do prefeito Paulinho Serra em Santo André é o mais alarmante? Porque 45% dos entrevistados não escolheram qualquer um dos candidatos no voto espontâneo. Os 602 pesquisados tinham de tirar da própria memória o candidato já escolhido. Do total de 55% dos entrevistados que responderam de imediato em quem votariam, 81,82% optaram por Paulinho Serra. Ou seja: de cada 10 entrevistados que disseram ter candidato preferido, oito afirmaram que votariam em Paulinho Serra.
Acima do padrão
O resultado do voto espontâneo em Santo André conflita com dados dos demais municípios sob a mira do Ibope. Em São Bernardo foram 62,29% que apontaram Orlando Morando entre os votos espontâneos válidos. José Auricchio Júnior obteve bem mais em São Caetano: foram 68,85%.
Agora reparem como o voto espontâneo válido contou com participação bem menos expressiva nas demais cidades da região. Em Mauá, 50,98% apontaram Atila Jacomussi, em Ribeirão Pires o nome de Clovis Volpi foi lembrado de imediato por 53,84%. Claudinho da Geladeira chegou a 46,48% em Rio Grande da Serra e José de Filippi Júnior alcançou 55,77% em Diadema.
Médias semelhantes
A média de votos espontâneos desperdiçados nos sete municípios obedece quase que rigorosamente o mesmo nível de participação relativa: 45% em Santo André, 42% em São Bernardo, 39% em São Caetano, 48% em Diadema, 49% em Mauá, 35% em Ribeirão Pires e 29% em Rio Grande da Serra. Votos desperdiçados no caso são o contingente de eleitores que não souberam apontar em quem votariam.
Deve-se considerar, para efeitos comparativos, a margem de erro de quatro pontos percentuais para cima e para baixo. Somente Rio Grande da Serra foge ao balanço numérico. Nada surpreendente, porque conta com 45 mil habitantes e um nível de relacionamentos internos mais pronunciados.
Diferentemente dos grandes municípios locais. O caso de Santo André é emblemático: mais da metade da População Economicamente Ativa desloca-se diariamente a outros municípios. Perto de 30% para a Capital.
Depreende-se dessas duas equações (os votos espontâneos válidos e os votos espontâneos desperdiçados) uma clamorosa distância entre os resultados de Santo André no confronto com Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, e também um vácuo expressivo quando se compara o resultado que beneficiou Paulino Serra tendo como contraponto os dados de Orlando Morando e José Auricchio, também favorecidos pelo Ibope. Veja a comparação:
Paulinho Serra – 81,82%.
Orlando Morando – 62,29%.
José Auricchio – 68,85%.
Atila Jacomussi – 50,98%.
Clovis Volpi – 53,84%.
José de Filippi Júnior – 55,77%.
Claudinho da Geladeira—46,48%.
Nada no mapa nacional
Não custa repetir o ponto nuclear da contestação aos números do Ibope: não existe nada nos grandes municípios brasileiros com as características do Grande ABC de caso em que um candidato registre oito em cada 10 votos espontâneos válidos. Mas isso é apenas uma parte do enredo de questionamento ao Ibope. O segundo passo vai ser dado agora. Vale a pena acompanhar.
A transposição do voto espontâneo válido para o voto estimulado válido é a etapa segunda em qualquer pesquisa do gênero. O voto espontâneo é considerado (vejam só) um caminhão de solidez rumo ao entranhamento popular do candidato. Já no voto estimulado o eleitor entrevistado recebe uma cartela circular com o nome de todos os concorrentes, no caso, a prefeito. Cartela circular evita favorecimento posicional. Dispensa ordem alfabética ou qualquer outro artifício muito utilizado quando se pretende corromper os números. Agora vejam como ficou o voto estimulado válido segundo a pesquisa do Ibope.
Paulinho Serra – 72,15%.
Orlando Morando – 59,26%.
José Auricchio Júnior – R$ 57,89%.
Atila Jacomussi – 40,00%.
Clóvis Volpi – 58,11%.
José de Filippi Júnior – 47,50%.
Claudinho da Geladeira – 44,82%.
Casos mais graves
Dos três candidatos tucanos apontados como beneficiários da pesquisa do Ibope tendo como base os números fora dos padrões de votos espontâneos válidos, restaram dois concorrentes que poderiam ser relacionados como extravagantemente favorecidos. Eles ultrapassam a linha do meio de campo da margem de erro de quatro pontos percentuais para cima e para baixo. Veja:
Paulinho Serra caiu de 81,82% para 72,15% entre uma etapa e outra. São 9,67 pontos percentuais de diferença. Muita acima, portanto, dos 4,0 pontos percentuais de margem de erro. Perder voto estimulado válido depois de um massacre numérico no critério de voto espontâneo válido é uma complicação a mais à interpretação da pesquisa do Ibope.
José Auricchio caiu de 68,85% para 57,89%. São 10,96 pontos percentuais de diferença. Muita acima, portanto, dos 4,0 pontos percentuais da margem de erro. Repete-se em São Caetano a premissa de que houve algo excepcional na transposição de voto espontâneo válido para voto estimulado válido.
Preferi não incluir o caso de Mauá entre os questionamentos ao Ibope, embora o prefeito Atila Jacomussi tenha acumulado perda de 10,98 pontos percentuais entre a primeira etapa do voto espontâneo válido e a segunda etapa do voto incentivado válido. O deslocamento além da margem de erro em forma de perda de eleitorado relativo se configura diferente do padrão envolvendo os tucanos Paulinho Serra e José Auricchio. Os 50,98% dos votos espontâneos válidos estão mais ajustados ao padrão. Cair de 50% para 40% está mais próximo do limite da margem de erro de quatro pontos percentuais. Atila pode ter tido 54% ou 46% dos votos espontâneos válidos (da primeira etapa) e 44% ou 36% dos votos válidos estimulados (da segunda etapa).
Rejeição baixíssima
Para completar o quadro de reparos ao Ibope, mais uma vez tendo o prefeito de Santo André como beneficiário, o ranking de rejeição que impacta os líderes municipais de votos válidos estimulados registro novamente um ponto fora da curva de normalidade:
Paulinho Serra – 11%.
Orlando Morando – 25%.
José Auricchio – 29%.
José de Filippi – 27%.
Atila Jacomussi – 44%.
Clóvis Volpi – 26%.
Claudinho da Geladeira – 20%.
Também nesse caso, a dosagem atribuída a Paulino Serra é baixíssima. A média nacional entre os líderes de grandes municípios atinge um terço do eleitorado. Caso, por exemplo, de Bruno Covas, em São Paulo. Até parece que o tucano de Santo André é um administrador acima de qualquer contestação. Não é exatamente o que se vê nas redes sociais. Nenhum outro administrador da atual safra de prefeitos sofre tantas críticas.
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19/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (24)