Administração Pública

Imposto assassino (1)

DANIEL LIMA - 16/07/2009

No embalo do artigo que escrevi esta semana (Paulínia e os pixotes), decidi vasculhar meus arquivos e, como um rastreador infatigável, atingi as entranhas editoriais do trabalho que desenvolvi durante quase duas décadas à frente da revista LivreMercado, publicação que, sob nova direção, morreu no início deste ano e deu lugar a outra, completamente diferente, embora com a mesma marca. Por isso decidi iniciar esta nova série. Há tanta coisa a ser recuperada e que, contextualizada, mostra-se tão atualizada e importante que não se pode atirar pela janela a oportunidade de adensar o conhecimento de quem pretende ver o Grande ABC menos complicado.


O título desta nova série não é apelativo. De fato é contundente, mas não existe outra forma de chamar positivamente a atenção dos legisladores em geral, dos executivos públicos, das entidades de classe social, empresarial e sindical, entre tantas subdivisões da sociedade, do que explicitar no enunciado do título o inconformismo gerado pelas distorções de um imposto decididamente assassino.


Há praticamente 10 anos preparei uma matéria inédita que não só explicitava a cara editorial de LivreMercado como também a deste jornalista sempre à caça dos vazios da mídia em geral.


Apanho os primeiros parágrafos daquela matéria de 10 atrás para resumir o que passará a ditar os caminhos desta nova série tematicamente concentrada num determinado foco:



  •  Uma histórica distorção na distribuição do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), tributo que devolve aos municípios um quarto dos recursos arrecadados pelo Estado, está contribuindo para transformar em barris de pólvora cidades e regiões mais densamente habitadas, além de favorecer o recrudescimento da guerra fiscal. Maior fonte de receitas da quase totalidade das prefeituras do País, o ICMS tem escandalosa deformação estrutural. O imposto premia municípios seletivamente industrializados, por isso de baixa população. Enquanto isso, penaliza municípios em processo de esvaziamento industrial e que precisam atender a população muito mais volumosa, atraída ao longo dos anos pela fartura de empregos que estão sumindo com a evasão de fábricas e introdução de novas tecnologias e processos — escrevi.

Utilizei a disparidade de distribuição do ICMS entre Santo André e Paulínia para, didaticamente, explicar a deformidade que, à ocasião, imaginava que fosse possível ser superada. Se o quadro para Santo André já era intensamente prejudicial naquele 1999, o que dizer agora, 10 longos anos depois?


Em 1999, a distribuição por habitante da cota-parte anual de Santo André no bolo do ICMS era equivalente a R$ 162,01, em valores da época. Para Paulínia, o repasse significava receita por habitante de R$ 2.249,17 — ou seja, 1200% per capita de vantagem. Na quase virada do século, Paulínia contava com 44.431 habitantes, contra 625.564 habitantes de Santo André. Num dos próximos capítulos, vamos mostrar qual foi o comportamento da distribuição do ICMS no ano passado, comparando Paulínia e alguns outros municípios igualmente privilegiados com cada um e com o conjunto dos municípios do Grande ABC.


Ainda recuando no tempo e retomando aquela matéria de uma década atrás de LivreMercado, enfatizei para a compreensão também dos leigos quais eram (e continuam sendo) os quesitos da grade distributiva do imposto. O peso do Valor Adicionado de 76%, contra apenas 13% relativo à população, ditava e dita o agravamento dos problemas sociais nas grandes cidades, principalmente na Região Metropolitana de São Paulo.


Vejam outro trecho daquela matéria:



  •  O desastre de Santo André no mapeamento da distribuição do ICMS é o mais contundente de São Paulo e expõe as fraturas das perdas de recursos orçamentários controlados pelo Estado. Em 1976, quando centralizava a força econômica no setor industrial e seu Índice de Participação do ICMS atingia o pico de 4,71%, Santo André contava com (em valores deflacionados à produção daquele texto) R$ 274,7 milhões de receitas com o imposto, o que significava mais de 70% de todo o orçamento anual. Neste ano, por força de ter o Índice de Participação do ICMS reduzido a 1,6147%, Santo André receberá apenas R$ 93,9 milhões de repasse do Estado. Uma queda de dois terços, ou o equivalente a três vezes o montante que será aplicado este ano no setor de educação do Município. A participação do ICMS no volume de receitas de Santo André caiu para 37% e o quadro orçamentário só não é catastrófico porque houve compensação parcial com o sensível aumento das receitas diretas, especialmente com o ISS (Imposto Sobre Serviços), IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) e também com a criação do IPVA (Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores), cuja arrecadação é estadual mas repassa 50% aos municípios, de acordo com o volume recolhido individualmente — escrevi naquela reportagem.

O então secretário de Finanças de Santo André, Luiz Carlos Afonso, foi ouvido naquele trabalho jornalístico. Era um executivo de extrema confiança do prefeito Celso Daniel. Mais tarde, foi secretário da então prefeita Marta Suplicy. “A distorção é grave. Só não posso dizer que é um problema maior que o da guerra fiscal. Os dois precisam ser resolvidos. A governabilidade dos grandes municípios está-se tornando cada vez mais difícil e problemática” — afirmou.


Mesmo com toda a liderança que exercia no Grande ABC, o então prefeito Celso Daniel preferiu não levar o assunto à agenda do Clube dos Prefeitos. Expliquei que a unidade daquela instância poderia ser colocada em jogo porque dois dos sete municípios da região aparentemente não teriam interesse em engrossar o coro por mudanças. São Caetano recebia R$ 487,62 per capita e São Bernardo R$ 378,02. Diadema e Mauá, quase irmãos siameses em muitos dados socioeconômicos, recebiam há 10 anos R$ 256,43 e R$ 215,14, sempre por habitante. Santo André (R$ 162,01), Ribeirão Pires (R$ 155,48) e Rio Grande da Serra (R$ 68,01) estavam abaixo da linha média do Estado, de R$ 170,96.


O ponto nuclear na reforma do ICMS é a mudança dos pesos relativos da grade de distribuição do imposto. Sobretudo com o aumento relativo do quesito habitantes e a redução do quesito Valor Adicionado. Também poderia ser mexida na grade a incidência da Receita Tributária Própria, de apenas 5%. Já naquela época, o secretário de Finanças de Santo André acreditava na superação do problema com a reforma tributária que tropegava como hoje no Congresso Nacional. “Os legisladores federais, independente de eventual ação de deputados estaduais, devem lançar olhos de preocupação sobre a insuportável combinação de refluxo de tributos industriais e aumentos populacionais” — disse Luiz Carlos Afonso.


Estava me esquecendo do título daquela matéria cuja temática se tornou obrigatória à linha editorial de LivreMercado dos meus tempos: “Que ICMS mais maluco é esse?”.


Creio que matei na mosca. Como agora com “Imposto assassino”, porque o contraponto entre o Festival de Cinema de Paulínia e as incubadoras de pixotes nas regiões metropolitanas tem as mesmas e frondosas raízes: a gastança e a escassez de recursos públicos amealhados da sociedade.


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