Administração Pública

Entenda a distância entre
Paulinho Serra e Morando

DANIEL LIMA - 22/12/2020

O caso da neoprivatização do Semasa e o da proposta de reestruturação administrativa e funcional da Faculdade de Direito de São Bernardo remetem a um fio condutor do traço de personalidade do prefeito de Santo André e do prefeito de São Bernardo.  

Há entre eles uma separação de corpos interpretativos, por assim dizer. Ambos são autoritários como a maioria dos gestores públicos eleitos. Mas a semelhança se esgota quando se vai à fundo. Paulinho Serra é um autoritário arrogante. Orlando Morando é um autoritário autossuficiente.  

Antes de tentar dissecar, a meu modo, o que significa autoritário arrogante no caso de Paulinho Serra e de autoritário autossuficiente no caso de Orlando Morando, é preciso contextualizar os dois problemas que os colocam no mesmo plano de análise individual e comparativa. 

A neoprivatização do Semasa, autarquia de água, esgoto e escândalos de Santo André, pela Sabesp, nesta temporada, e a proposta redefinição estrutural da Faculdade de Direito de São Bernardo não exigem juízo de valor sobre as decisões dos dois prefeitos para se constatar o perfil de cada um deles.  

Aliás, tanto num caso como no outro os traços de individualidade que os aproximam e também os que os separam são evidentes para quem enxerga a gestão pública sem amarras de qualquer natureza.  

Difusos e específicos  

Expresso mais adiante o juízo de valor cabível sobre a retirada do Semasa das asas incompetentes da gestão pública de Santo André ao longo de décadas até cair nas garras de uma companhia estatal com ações na Bolsa de Valores, a Sabesp, e o outro lado de comparação, a redefinição organizacional da Faculdade de Direito de São Bernardo.  

Deixo isso para as linhas finais deste texto porque a avaliação não tem peso algum no que me parece mais importante ante a impetuosidade com que tanto Paulinho Serra quanto Orlando Morando moveram as peças de uma engrenagem mais que viciada de desprezo à transparência administrativa. 

Tanto no caso do Semasa quanto da Faculdade de Direito houve o que chamaria de exacerbação do poder Executivo. A diferença do desfecho, condescendente à neoprivatização do Semasa e na probabilidade de fracasso de mudanças na Faculdade de Direito de São Bernardo, (conforme se depreende de decisão monocrático do Tribunal de Justiça de São Paulo) é que no primeiro caso os interesses eram difusos e no segundo eram específicos e muito mais candentes.  

Paulinho favorecido 

Paulinho Serra gozou da premissa de que a neoprivatização do Semasa não enfrentou o contraponto de questionamentos específicos contrariados. Tudo foi feito a toque de caixa e sem o devido processo de coletivização saudável de informações.  

A sociedade como um todo praticamente não tomou conhecimento do projeto de lei que fortaleceu os tentáculos da Sabesp no Grande ABC. O Legislativo, dominado pelos situacionistas, inclusive do PT, aliado dos tucanos, fez um arrastão e, como um rolo compressor, dinamitou os poucos opositores.  

O silêncio da imprensa e a cumplicidade involuntária da massa de contribuintes facilitaram a aprovação. Comprou-se uma solução milagrosa sem que o Custo Santo André na área de abastecimento de água fosse sequer escrutinado. Como não o é até agora.  

Nada de contrapontos  

Sabe-se, por informações aleatórias, que há indícios vigorosos de que além de continuar a faltar, a água de Santo André é uma das mais caras do Estado. O que agrava as deserções industriais, principalmente. Fosse preocupado com a competitividade econômica de Santo André, cidade que ocupa a lista de piores desempenhos no Estado de São Paulo neste século, Paulinho Serra teria atuado preventivamente para obter dados que confirmariam o custo da água para quem produz e também para quem consome em Santo André.  

O abastecimento de água não catalisa o interesse público a ponto de levar manifestantes às ruas. Bem diferente, portanto, do IPTU, empreitada na qual Paulinho Serra deu com a cara na porta do pantagruelismo arrecadatório. E mesmo assim, a bem da verdade, sem comover um parágrafo sequer de articulistas da mídia geral do Grande ABC. Paulinho Serra pode tudo.  

Território hostil  

Inspirado ou não na liberdade com que Paulinho Serra surrupiou a democracia participativa com a imposição à neoprivatização do Semasa, Orlando Morando tenta fazer o mesmo em São Bernardo com a incensada, mas há muito tempo decadente Faculdade de Direito.  

Deu-se mal porque se há uma porção social engajada num País de engajamentos automáticos é a área de Educação. Professores, alunos e funcionários da Faculdade de Direito saíram às ruas e obtiveram do PT comandado pelo ex-prefeito Luiz Marinho o apoio político e jurídico que Paulinho Serra dinamitou em Santo André entre outras razões porque o PT local é uma colcha de retalhos de vantagens individuais e grupais. 

Tanto é verdade que entre centenas de comissionados da Prefeitura de Santo André, grande parcela é egressa da domesticação de petistas municipais após o desastre da Operação Lava Jato e o rapa-tudo na agremiação nas eleições de 2016, quando não sobrou uma cidadela local para constar da história de resistência. 

Tanto numa situação quanto na outra envolvendo Paulinho Serra e Orlando Morando houve confluência de obscurantismo administrativo.  

Sem questionamentos 

A operação que culminou na retirada do Semasa do organograma da Prefeitura de Santo André possivelmente não passaria pelo esquartejamento técnico de uma auditoria independente. Há vácuos informativos que precedem e sucedem a aprovação da medida.  

Uma consultoria gêmea em idoneidade à que a presidente da Fundação do ABC solicitou para escarafunchar as roubalheiras na Central de Convênios e Negócios Escusos provavelmente colocaria a operação de desencaixe do Semasa das ramificações municipais sob suspeição. Há pontos questionáveis mesmo a olhos menos especializados em detectar o certo do errado. Imaginem sob o escrutínio de especialistas.  

Já quando ao projeto de lei que aprovou a reestruturação da Faculdade de Direito, além do aspecto nocivo de apressamento da votação e do descaso com a comunidade universitária, o que coloca a gestão de Orlando Morando sob ataque mais que justificados é a ausência de elementos técnicos e econômicos que poderiam sustentar a iniciativa.  

Instituição sacralizada  

A Faculdade de Direito de São Bernardo virou um bumerangue desagradável à Administração de Orlando Morando justamente porque a aura de intocabilidade e de sacralização da instituição construída ao longo dos anos prevalece, como se nada houvesse sido alterado desde que se sabe que há muito já não é mais o que era.  

Paulinho Serra não quebrou a cara com a neoprivatização do Semasa porque, repito, interesses difusos e, portanto, sem força de pressão, prevaleceram com o suporte de um esquema midiático interesseiro de um lado e omisso de outro.  

Orlando Morando se dá mal com a reestruturação da Faculdade de Direito porque o ecossistema universitário-político-sindical ainda respira ares de resistência em São Bernardo, por mais que tenha sido abalado após a chegada dos federais comandados pela Lava Jato.  

Ponderando situações  

Agora, conforme o prometido, estabeleço juízo de valor sobre os dois campos de batalha ética em questão.  

A intervenção no Semasa era mais que necessária porque aquela autarquia esgotou todos os limites da inoperância técnica e, principalmente, de usos e abusos do dinheiro público.  

Basta dizer que o Semasa foi palco do maior escândalo imobiliário da história de Santo André, transformada em balcão de malandragens e delinquências.   

O ex-prefeito Aidan Ravin e uma dezena de asseclas foram condenados durantemente em primeira instância. Milagrosamente, porém, os empresários metidos na enrascada escaparam ilesos. Inclusive ou principalmente gente que posa de bom samaritano nas páginas de jornais. Quando não parceiros em fotos com o prefeito Paulinho Serra.  

Negócio suspeito  

A retirada do Semasa do controle da Prefeitura de Santo André tardou, mas isso não dava ao prefeito de plantão o direito de tornar a transferência à Sabesp um negócio suspeito. 

Já no caso da Faculdade de Direito de São Bernardo, faltam informações consistentes que indiquem a imperiosidade de mudanças do perfil administrativo que considere prioritário um sistema de multiplicidade de especialidades de ensino, ou seja, além dos estudos jurídicos.  

Além disso, a contabilidade econômico-financeira de sustentação da autarquia não aparece em nenhuma publicação. Fala-se apenas que a escola conta com R$ 60 milhões de fundo de caixa. Uma ninharia que precisaria ser esmiuçada minuciosamente para eventual distinção entre efetividade de gestões ao longo do tempo e benemerências da Prefeitura com políticas de redução de custos operacionais.  

Para encerrar, sob minha ótica o que diferencia Paulinho Serra de Orlando Morando é que o primeiro é arrogante e o segundo autossuficiente.  

Como se produz arrogância  

Quem acha que é a mesma coisa, cai do cavalo da rigidez de interpretação etimológica, que, por si só, é explicitamente distinta.  

O arrogante no caso é uma autoridade pública que precisa exercitar o viés autoritário e de baixa transparência administrativa porque não comanda a Prefeitura com liberdade. Depende do entorno que exerce pressões e condicionamentos, além de planos para o futuro. É quase uma marionete entre os mandachuvas da sociedade local.  

O arrogante não se preocupa demais com o fluir democrático porque o poder que exerce é compartilhado com terceiros de influência decisiva no ambiente municipal. Quanto mais arrogância destila, mais seu poder de mando é contestado internamente. 

Como se faz autossuficiência  

O autossuficiente é uma autoridade pública que não se sujeita aos caprichos de forças estranhas ao Paço Municipal, quando não as desafia, porque tem a convicção de que goza de uma rede de proteção contraditoriamente tão ampla que o mantém no poder sem risco de desequilíbrios decisórios.  

A dificuldade que os autossuficientes encontram e o caso da Faculdade de Direito é pedagógico nesse sentido é que quando levada à exacerbação, pode despertar inconformismos e criar atmosfera de insatisfação cujo desfecho crítico pode se elevar na medida em que o prazo de validade do mandato outorgado pelo povo caminha em direção ao esgotamento legal e novas perspectivas sucessórias derretem as geleiras de oposicionistas.  

Paulinho Serra e Orlando Morando são iguais na ausência de comprometimento com a visibilidade do que fazem a cada dia nos respectivos paços municipais, mas são apenas semelhantes nos respectivos perfis.  

Morando tem um currículo público enormemente superior ao de Paulinho Serra, como ex-deputado por três legislaturas e a gestão de um Município com mais competência técnica. Paulinho Serra vem de legislaturas medíocres como vereador, também foi medíocre como secretário da gestão Carlos Grana em Santo André e como prefeito é uma extensão com poder decisório mesmo que mitigado do vereador que mora em seu peito.  

Por isso, qualquer análise crítica, circunstancial ou abrangente, que os coloque no mesmo patamar, é um erro crasso. Mesmo quando o medidor principal é a vocação de ambos.



Leia mais matérias desta seção: Administração Pública

Total de 813 matérias | Página 1

15/10/2024 SÃO BERNARDO DÁ UMA SURRA EM SANTO ANDRÉ
30/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (5)
27/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (4)
26/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (3)
25/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (2)
24/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (1)
19/09/2024 Indicadores implacáveis de uma Santo André real
05/09/2024 Por que estamos tão mal no Ranking de Eficiência?
03/09/2024 São Caetano lidera em Gestão Social
27/08/2024 São Bernardo lidera em Gestão Fiscal na região
26/08/2024 Santo André ainda pior no Ranking Econômico
23/08/2024 Propaganda não segura fracasso de Santo André
22/08/2024 Santo André apanha de novo em competitividade
06/05/2024 Só viaduto é pouco na Avenida dos Estados
30/04/2024 Paulinho Serra, bom de voto e ruim de governo (14)
24/04/2024 Paulinho Serra segue com efeitos especiais
22/04/2024 Paulinho Serra, bom de voto e ruim de governo (13)
10/04/2024 Caso André do Viva: MP requer mais três prisões
08/04/2024 Marketing do atraso na festa de Santo André