Administração Pública

Cicote erra cálculo, atropela e
perde cargo na Fundação do ABC

DANIEL LIMA - 25/03/2021

Almir Cicote não é mais Diretor-Geral da Central de Convênios da Fundação do ABC, o riquíssimo Clube da Saúde da região. Durou duas semanas a gestão do indicado pelo prefeito de Santo André, Paulinho Serra. Cicote exagerou na dose de relacionamento com dirigentes e colaboradores técnicos de alto escalão de um departamento que gerencia praticamente metade do orçamento da instituição, por volta de R$ 3 bilhões nesta temporada.  

O prefeito Paulinho Serra sai chamuscado da operação, entre outras razões porque não conta com sensores que indicariam novos rumos administrativos da Fundação do ABC. Almir Cicote chegou àquela instituição contando com brumas de visibilidade do ambiente interno que o aguardava. A recomendação mais ajuizada seria o uso de farol de milhas para não enfiar os pés pelas mãos.  

Com a diplomacia de motoniveladora num acarpetado coalhado de convidados de uma grande festa de confraternização, Almir Cicote deu-se mal. Só lhe restou, oficialmente, solicitar demissão, antes que a demissão presidencial o alcançasse. Ou seja: uma demissão típica de treinadores de futebol que, após série de derrotas, combinam com os dirigentes uma maneira de deixar a equipe sem chamuscar demais o prestígio. 

Insubordinação letal  

Para entender o desgaste e a queda de Amir Cicote não é preciso dar uma volta ao mundo. A premissa básica de que os departamentos da Fundação do ABC estão subordinados à diretoria executiva, sobretudo à presidência, não foi obedecida pelo até outro dia vereador. Cicote pretendia ser espécie de imperador de compras, como muitos antecessores o foram. Aí é que deveria se utilizar de faróis de milha.  

Como no passado a Fundação do ABC não levava muito a sério a hierarquia oficial, partindo e repartindo poderes internos dentro de um jogo de interesses compartilhados, quando não acumpliciados, Almir Cicote imaginou que teria o mesmo manancial de navegação sem qualquer tipo de reparo ou controle. Deu-se mal. A bússola agora parece propriedade da presidente de plantão, respaldada por um Conselho de Curadores que em outros tempos também se comportou de forma omissa e subalterna. Há ainda conselheiros que não caíram na real. É uma questão de tempo adaptarem-se às mudanças.  

Conselheiros curadores da instituição, muitos dos quais aprovaram a indicação de Paulinho Serra, estão entre os grupos internos que anteviram a queda de Almir Cicote como se acompanhassem um enredo sem cortes e sem sofisticação.  

A autonomia pretendida pelo ex-superintendente do Semasa não combina com novos tempos na Fundação do ABC, sob a presidência de Adriana Berringer. Presidente agora, segundo as informações, manda para valer. Não há mais departamento-ilha da fantasia, como a Central de Convênios ao longo dos anos.  

Tripartite sem amarras 

O princípio de que a Fundação do ABC obedece à gestão tripartite, entre Santo André, São Bernardo e São Caetano, municípios responsáveis pela criação da organização de saúde, ganhou nova leitura. E a nova leitura não foi compreendida por Almir Cicote.  

O prefeito Paulinho Serra, desatento ou confiante demais no entorno de parceiros que sustentam a Administração de Santo André, teria subestimado as mudanças em curso. Acreditou que Almir Cicote seria o centroavante rompedor de fronteiras internas suficiente forte para estabelecer divisão de poder que atenderia aos propósitos de expandir a influência do Paço Municipal.  

O Diretor-Geral da Central de Convênios não estava disposto a seguir o figurino da diretoria executiva. Quem não obedece acaba caindo do cavalo quando um presidente está fortalecido. Mesmo que seja uma saída aparentemente honrosa, como foi anunciada por Almir Cicote. Ele disse ao Diário do Grande ABC que foi chamado de volta pelo prefeito Paulinho Serra. Haveria novos planos em vista. Sempre existe algum plano em vista para quem é da primeira classe de qualquer gestão pública. As quedas dos mais leais são geralmente para o alto. A Fundação do ABC contabiliza dezenas de exemplares dessa natureza.  

Um grande dote  

A Central de Convênios é o dote maior da Administração Pública no Grande ABC. Ou melhor: foi até recentemente, quando um escândalo administrativo-financeiro de grandes proporções chamou a atenção do Ministério Público, especificamente da Promotoria de Justiça de Fundações. O então presidente caiu. Ele também fora indicado por Paulinho Serra.  

Pelo menos três conselheiros curadores da Fundação do ABC não se importam em dar alguns pormenores sobre o novo ambiente que se respira na instituição e que colheu de frente os arroubos autoritários de Almir Cicote. Existe uma preocupação geral entre colaboradores da Fundação do ABC quanto à importância histórica que se vive, resumida na prioridade de acabar com a farra do boi na condução de dinheiro público de saúde.  

A presidente Adriana Berringer seria a comandante das novas operações que ampliam cada vez mais os limites de controle dos recursos da entidade. A Central de Convênios era o gargalo maior às investidas profiláticas.  

Objetivos delineados  

A gestão tripartite da Fundação do ABC era até recentemente um jogo de faz-de-contas. Santo André, São Bernardo e São Caetano atuavam internamente com a força de uma equivalência informal de valores decisórios. Ou seja: cada Município participava da repartição de poderes sem incômodos. Cada um trafegava nas respectivas áreas sem observar as consequências no entorno.   

Almir Cicote deixou a Fundação do ABC (o conceito de deixou é elástico, como já foi explicado) com discurso pronto de ter lutado por suposta avalanche de transparência e lisura na Central de Convênios. Não é bem assim. A insistência com que pretendia ver aquele departamento livre, leve e solto das garras hierárquicas o colocam em contradição gerencial.  

Haveria entre conselheiros-curadores mais inquietos com o futuro da Fundação do ABC uma projeção de que os objetivos de reorganização estão sendo cumpridos à risca pela presidente Adriana Berringer. A dirigente indicada pelo então prefeito de São Caetano, José Auricchio, teria se aproximado da Promotoria de Justiça de Fundações em Santo André para conectar a instituição à imperiosidade de regras protetivas de administração. Tanto que recentemente foi pactuado um TAC (Termo de Ajuste de Conduta) entre a promotoria e a Fundação do ABC. Não se tem informações que remetam a iniciativa à derrocada de Almir Cicote, mas quem ousar descartar algum vínculo corre o risco de dar com a cara da ingenuidade na porta do rigor institucional.  

Área estranha  

O afastamento nada voluntário de Almir Cicote não significa que a luta pelo controle municipal da Central de Convênios da Fundação do ABC deixará de ser objetivo essencial do prefeito Paulinho Serra. Cabe ao titular do Paço Municipal indicar um novo ocupante do cargo. Possivelmente tomará todos os cuidados para que um elefante numa cristaleira não seja o substituto de motoniveladora em salão de festa.   

Haveria, segundo diagnósticos internos, pouco espaço a concessões que infringiriam propostas e plano de gestão da Fundação do ABC. A presidente Adriana Berringer, avessa a entrevistas, parece contar a cada dia com novos reforços. Quanto mais os quadros técnicos forem fortalecidos e as unidades departamentais contarem com profissionais especializados, como determina a Promotoria de Justiça de Fundações, mais a interferência política no sentido partidário e eleitoral sofreria reveses. Como é o caso de Almir Cicote, cuja intimidade com a saúde pública é semelhante a habilidade de trato do presidente Jair Bolsonaro com a Grande Mídia.  

Paulinho perdedor  

Possivelmente Paulinho Serra, que conta com a força-motora da Fundação do ABC para sustentar o sonho de não cair no esquecimento de futuro ex-prefeito, já tenha delineado plano de ocupação da Central de Convênios.  

A tática não funcionou com Almir Cicote. Desprezou-se o novo ambiente que parece dominante naquela instituição. Com o suporte do Ministério Público Estadual e seu braço de Fundações, a elite diretiva da Fundação do ABC estaria consciente da força que passou a ter para combater intrusos.  

E, goste-se ou não, Almir Cicote era um intruso falsamente alardeado como técnico habilitado à função. Possivelmente na hora de apuro, durante um atendimento de emergência, não saberia distinguir estetoscópio de seringa, político que é de profissão.  



Leia mais matérias desta seção: Administração Pública

Total de 813 matérias | Página 1

15/10/2024 SÃO BERNARDO DÁ UMA SURRA EM SANTO ANDRÉ
30/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (5)
27/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (4)
26/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (3)
25/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (2)
24/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (1)
19/09/2024 Indicadores implacáveis de uma Santo André real
05/09/2024 Por que estamos tão mal no Ranking de Eficiência?
03/09/2024 São Caetano lidera em Gestão Social
27/08/2024 São Bernardo lidera em Gestão Fiscal na região
26/08/2024 Santo André ainda pior no Ranking Econômico
23/08/2024 Propaganda não segura fracasso de Santo André
22/08/2024 Santo André apanha de novo em competitividade
06/05/2024 Só viaduto é pouco na Avenida dos Estados
30/04/2024 Paulinho Serra, bom de voto e ruim de governo (14)
24/04/2024 Paulinho Serra segue com efeitos especiais
22/04/2024 Paulinho Serra, bom de voto e ruim de governo (13)
10/04/2024 Caso André do Viva: MP requer mais três prisões
08/04/2024 Marketing do atraso na festa de Santo André