Política

Fórum dos Políticos é a nova
ameaça à sociedade regional

DANIEL LIMA - 26/04/2021

Somente quem participou ou leu o suficiente sobre o Fórum da Cidadania sabe o horror de intranquilidade e de inconformismo que transpiraria ante a possibilidade de aquele que foi o maior movimento regional do Grande ABC ter como contraponto o Fórum dos Políticos neste começo de terceira década de novo século. Mas é o que nos ameaça a todos neste deserto de institucionalidades em que se transformou a região.  

A lobotomia crítica do Grande ABC fertiliza o terreno de ações de grupos organizados que se pretendem donos do pedaço. Caso típico de usucapião social.

O que grupos articulados pretendem é introduzir goela abaixo dos leitores e eleitores da região, e principalmente da sociedade como um todo, uma liderança fabricada, mas sem talento para dar respostas efetivas, quer individual, quer com os assessores que se somam à empreitada ambiciosa. A ambição quando acompanhada de ignorância eleva o grau de risco de novos tropeços. 

Liderança fabricada 

É claro que estou me referindo ao prefeito de Santo André, Paulinho Serra, espécie de ruído de britadeiras que alguns pretendem tornar sinfonia de estrategista econômico e social. É brincar demais com a seriedade do que resta de responsabilidade social no Grande ABC.  

Para que os leitores entendam o que pretendo dizer, é preciso contextualizar a situação com um mínimo de conhecimento. 

Primeiro, trataremos do Fórum da Cidadania, instância sobre a qual há mais de 300 textos neste site, fruto de 18 anos da revista de papel LivreMercado e de já 20 anos de CapitalSocial, em formato digital. Nenhum veículo de imprensa manteve-se fiel à independência editorial de acompanhar o Fórum da Cidadania. O que era motivo de grande satisfação deste jornalista também o era de inquietação com o futuro daquela organização.

Revolução temporária  

O Fórum da Cidadania fez uma revolução por algum tempo na região. Mais pelo emblemático poder de destilar regionalidade do que necessariamente por efeitos resolutivos. Foi uma chama de cooperação que mexeu com as estruturas da região mesmo vivendo o paradoxo de não contar com nada que pudesse ser considerado suficientemente estrutural.  

Era o Fórum da Cidadania uma cruzada iniciada pelo Diário do Grande ABC, algumas entidades de classe e, inadvertidamente encampada por LivreMercado. Pretendia-se colocar ordem no galinheiro de regionalismo.  Surgiu distribuindo catiripapos na classe política. Mesmo que os prefeitos daqueles dias, começo de 1994, fossem bem mais apetrechados que os atuais. Não que isso significasse grande coisa. Tirando principalmente Celso Daniel, o restante da turma era em média melhor que a turma de agora e deste século, mas não se constituía uma Brastemp, como se dizia à época. 

Resumidamente, o Fórum da Cidadania foi lançado para entrecruzar questões essenciais do Grande ABC sob a premissa do consenso. Deu certo até onde foi possível suportar a latente imperiosidade do dissenso construtivo uma região já claramente empobrecida. O consenso foi mitigado porque era uma espécie de mata-burros à objetividade imprescindível. Mas o arrefecimento das doutrinas também foi consumado. 

Morte morrida 

O Fórum da Cidadania morreu de morte morrida porque não suportou o sucesso retumbante. Não se aparelhou tecnicamente para dar suporte às demandas. Ainda mais que resolveu abraçar o mundo. Saiu do foco. De repente queria consertar o ambiente nacional com a proliferação de pautas. Até hoje nem deputados nem senadores dão conta daquelas propostas.  

Fui um dos incentivadores do Fórum da Cidadania, embora não tenha sido formalmente chamado para tanto. Ajeitei-me aos poucos. Como num freio de arrumação. Estava no auge dos 45 anos e contava com uma publicação que já se delineava histórica para quem entende de jornalismo.  

Ajudei a distribuir nas ruas material motivador ao eleitorado da região às eleições a deputado estadual e federal em 1994. Ajudamos com muita gente boa a colocar 14 nomes nas duas casas de leis. Um recorde. A classe política combatida pelo Fórum da Cidadania foi a que mais se beneficiou das pressões. Movimentou-se para sacudir a poeira. Celso Daniel não seria o prefeito que foi não fosse o Fórum da Cidadania. Havia ambiente de cobrança institucional. Respirava-se descarrego de cidadania. Vieses da consensualidade estatutária persistiam, mas não interditavam os avanços.  

Movimento social  

Quando afirmo que o Fórum da Cidadania foi o maior movimento coletivo da história do Grande ABC, o que quero dizer com todas as letras e vírgulas é que desconsidero a mobilização sindical como algo intrinsecamente comunitário e, portanto, abrangente.  

A movimentação dos trabalhadores por melhores salários e tantas outras coisas era exclusivamente corporativa. De trabalhadores metalúrgicos num primeiro instante e de tantos outros na sequência. Reivindicações integralmente legítimas, embora com os excessos já conhecidos. O Grande ABC não aparecia nas reivindicações trabalhistas. Seria pedir demais.  

Muitas conquistas sindicais se firmaram na construção de uma nova classe média de verdade na região. A classe média egressa do sindicalista Lula da Silva. Não a classe média fajuta do presidente Lula da Silva. O Estado protetor do setor automotivo pagava a conta. Ou melhor: os contribuintes que pagam os impostos sustentaram os sobrepreços da atividade sindical nos produtos manufaturados.  

Mais corporativismo  

Comparar o Fórum da Cidadania com o movimento sindical seria um erro sob o ângulo de representatividade social no Grande ABC. O sindicalismo fez o que fez e faz o que faz quando a maré assim o permite ao olhar para o próprio umbigo, e esse olhar para o próprio umbigo não é uma crítica. É direito inalienável. Mesmo que não concorde com uma porção de coisas que se destilou e se perpetuou no Grande ABC, a ponto de o movimento liderado pelo então sindicalista Lula da Silva transformar-se em um dos demônios da desindustrialização regional. 

A própria denominação do Fórum da Cidadania define um divisor de águas em relação ao que chamaria de Fórum dos Políticos. Há uma distância quilométrica, para não dizer estratosférica, a separar as coisas.  

O Fórum da Cidadania não resistiu muito ao tempo, mas deixou legado que vai muito além da frustração do esvaziamento gradual em que se meteu. Deixou também uma lição a ser aprendida: o regionalismo do Grande ABC jamais será uma obra apenas de lideranças das mais diferentes instituições da sociedade, como fora o Fórum da Cidadania. É uma ação coletiva no sentido mais profundo da expressão. Lideranças com baixa porosidade de liderados são lideranças quase ineficazes. 

Cartas marcadas  

O Fórum dos Políticos é um castelo de cartas marcadas que alguns pretendem erigir tendo como centro de convergência o alinhamento automático ao prefeito de Santo André, Paulinho Serra. Tudo vem sendo orquestrado nesse sentido. Uma baita perda de tempo. Nem a classe política e apaniguados suportariam submeter-se ao crivo de um titular de Paço Municipal que está muito aquém do perfil de comando. E muito menos a sociedade como um todo assim o faria.  

Os prefeitos da região foram eleitos no ano passado com apenas 38% dos votos disponíveis. Paulinho Serra encontrou uma moleza de adversários sem recursos financeiros e chegou a 48%. Ou seja: 52% dos eleitores de Santo André não lhe deram apoio nas urnas, embora o tucano tenha sido o mais votado na região.  

Há em torno dos interesses do grupo de Paulinho Serra uma avaliação ingênua de que a sociedade se deixará seduzir por suposta liderança imposta, quando se sabe que o eleitorado, mesmo refratário às questões regionais, situação retratada nas redes sociais, não engolirá esse tipo de estratégia supostamente redentora.  

Liderança imposta  

Talvez seja necessário deixar mais evidenciado ainda a impossibilidade de uma imposição de liderança dar resultado proposto por grupos de espertalhões: qualquer um dos atuais prefeitos não teria a mínima possibilidade de convencimento. Os eleitores que também são consumidores, que também são desempregados, que também são subempregados, que também são pequenos empreendedores, que também são católicos e que também são evangélicos, vivem em estágio de escrutinamento mútuo.  

Acabou a política do encabrestamento fácil. Prevalece ambiente de conflito permanente, destilado por pautas nacionais que se espalham na região. A fórmula mágica de união do Fórum da Cidadania, de evitar o contraditório em nome do consenso temático, tornou-se inviável. 

Sub-representatividade  

O Fórum dos Políticos viverá um lapso de tempo indefinido e subnutrido em representatividade social. É claro que não se contam os batalhões de comissionados e servidores militantes com os quais os participantes da instituição informal pretenderia contar. Ou já estão contando para vender gato por lebre.  

O Grande ABC dará a prova mais cabal de que tem de ser interditado para balanço institucional caso qualquer um dos preferidos por grupos armados de traquinagens que se refestelam no Poder Executivo Municipal alcance o objetivo de obter sucesso com o Fórum dos Políticos.  

O outro lado da moeda já em desuso, mas nem por isso esquecido do Fórum da Cidadania, não poderia ser mais catastrófico. Se a condenação inicial aos políticos pelo Fórum da Cidadania naquela metade a última década do século passado virar agora submissão aos políticos, tudo se converteria na marcha fúnebre da regionalidade.



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