Administração Pública

Legislativo de Santo André é
serpentário de conveniências

DANIEL LIMA - 07/05/2021

Em respeito aos artistas e aos enfermos, não ousaria relacionar o caso do chamado fura-fila na Fundação do ABC e a consequente intervenção dos vereadores de Santo André com aquela música mais popular do que se imagina em referência a determinadas instituições. Se cobrir é circo e se cercar é hospício é um desrespeito completo e insano aos protagonistas do humor e da mente.  

No caso, o Legislativo de Santo André só confirma a imagem popular dos vereadores, deputados e senadores na acidez dos críticos: eles habitam serpentários. Há cobras de todos os tipos. Cobras criadas e quase todas dóceis aos amestradores do Executivo, aos quais se submetem bovinamente.

Temos em Santo André e no País como um todo cobras de todos os matizes. Temos cobra Cascavel, Coral-verdadeira, Falsa-coral, Surucucu, Dobra-de-escada, Urutu, Dobra-do-milho e Cobra-verde.  

Em Santo André as cobras do Legislativo são cobras criadas no vácuo de institucionalidades que tornaram a região um covil de bandidos sociais. São cobras completamente dominadas por senhores das trevas. E da manipulação. São prestidigitadores do futuro que jamais chega em forma de civilidade e reformismo.  

Elefante ignorado  

São cobras oportunistas que se lançam ao ilusionismo de parecerem comprometidas com a sociedade. Qual nada. São cobras individualistas. Usam o fura-fila como plataforma de demagogia.  

Um elefante passou e destruiu grande parte do poderio de fogo da Fundação do ABC ao longo dos anos e essas cobras malvadas, mas também cobras omissas, quando não submissas, quando não ouriçadas, essas cobras e tantas outras que as antecederam, aquiesceram aos interesses de ocasião. Nepotismos e outros ismos. 

Os leitores não devem apostar na seriedade dessas cobras de aluguel quando dizem que exigem uma semana de prazo para a presidente da Fundação do ABC, Adriana Berringer, se explicar a respeito do grupo de sete funcionários que se teriam aproveitado de manobras para se cadastrarem e tomaram vacinas contra o vírus (geograficamente) chinês.  

Tudo faz parte do show de horrores. Que a Fundação do ABC tem de se explicar é obviamente gritante, como, aliás, procedeu a dirigente, ao encaminhar logo de saída as explicações que julgava indispensáveis ao Ministério Públicos de Fundações de Santo André.  

Cetro da farra do boi 

A titular do MP é uma mulher respeitada ao botar para correr dois indicados do prefeito Paulinho Serra da Central de Convênios, Conveniências e Negócios Obscuros.  

Sim, é a Central de Convênios o cetro a ser conquistado pelos capturadores de recursos da saúde fora dos padrões republicanos. É na toada de tomar conta do barraco do dinheiro fácil da Fundação do ABC que se insurgem oposicionistas a Adriana Berringer. O fura-fila é uma oportunidade de ouro para desgastar a imagem da dirigente desse monstruosa organização de orçamento superior a R$ 3 bilhões.  

As serpentes do Legislativo de Santo André, que se omitiram e se omitem sobre as roubalheiras passadas na Fundação do ABC, têm critérios seletivos de responsabilidade social da direção daquela instituição. 

Auditoria externa  

Em 27 de julho do ano passado fiz uma análise sobre um dos muitos escândalos que enlameiam a história da Fundação do ABC por obra e graças de jogadas políticas sórdidas. É claro que o Legislativo de Santo André (e dos demais integrantes da gestão tríplice da entidade, no caso São Caetano e São Bernardo) mantiveram-se em silêncio típico dos comparsas. Leiam alguns trechos daquela análise sob o título “Fuabc: auditoria externa vê horrores durante pandemia”: 

 Uma auditoria externa contratada pela própria direção executiva da Fundação do ABC constatou horrores na gestão da Central de Convênios sob a influência de dirigentes escolhidos pela Prefeitura de Santo André. A Fundação do ABC é uma ação tripartite das prefeituras de Santo André, São Bernardo e São Caetano. E a Central de Convênios se transformou em espécie de administração à parte, como se fosse uma empresa terceirizada. Os escândalos administrativos na Central de Convênios foram esquadrinhados durante a pandemia do Coronavírus.  Por conta disso que, numa mensagem a grupos de que participo no aplicativo WhatsApp, antecipei os cenários decorrentes dos resultados da auditoria externa. Sabem o que sugiro agora? Que façam suas apostas. A pergunta que se segue é um desafio aos leitores. Participem do bolão. As respostas não são necessariamente excludentes. Podem ser, mais que isso, complementares. Vamos então ao questionamento: Pergunta – A Central de Convênios da Fundação do ABC é: 1. Uma organização criminosa. 2. Um botequim de beira de estrada. 3. Uma zona de meretrício político.  

Mais auditoria externa  

 Se o Ministério Público do Estado de São Paulo e o Ministério Público Federal, de posse de farta documentação, decidirem nominar a operação que atingiria o coração da Fundação do ABC, não faltariam opções.  Transformada em casa da sogra organizacional durante parte do período da maior catástrofe sanitária de história do País, a Central de Convênios da Fundação do ABC acumula tantas irregularidades (ainda longe de investigação criminal) que possivelmente haveria de contar com seleção de prováveis marcas que identificaria as operações investigativas do MP Estadual e do MP Federal. Para facilitar a atuação das duas instituições, não resisto a algumas sugestões emblemáticas: a) Operação Bisturi Enferrujado. B)  Operação Síndrome da China. C)  Operação Pandemônio.  

Detalhando auditoria   

Nas edições seguintes de CapitalSocial desnudamos todas as informações e definições da auditoria independente contratada pela presidência. Adriana Berringer, agora submetida a pressão intensa que vai muito além da obrigatoriedade natural de prestar contas no casa do suposto fura-fila, agiu com rigor. Multiplicou inimigos internos e externos. A farra com dinheiro público da Fundação do ABC, tradição que mantém viva a única regionalidade que deu certo na região, por conta, claro, dos acertos por baixo dos panos, não pode terminar. É preciso colocar um ponto final nessa arbitrariedade presidencial.  

O fura-fila é uma grande oportunidade. As cobras se juntam aos chacais, às raposas, a toda essa turma da pesada, e o resultado esperado não é outro senão a degola da presidente.  

O detalhamento do trabalho da auditoria externa na Central de Compras da Fundação do ABC foi publicado nesta revista digital no dia seguinte, 28 de julho do ano passado. Vale a pena reproduzir alguns trechos sob o título “Fuabc: auditoria expõe lista de problemas e potenciais fraudes”: 

Detalhando auditoria 

 A Central de Convênios da Fundação do ABC é o reduto milionário da área de saúde da região. Nessa parceria institucional entre as prefeituras de Santo André, São Bernardo e São Caetano, a Central de Convênios é o caixa-forte. Mais que isso: cobiçadíssimo. O orçamento desta temporada da Fundação do ABC é de quase R$ 3 bilhões. Mais da metade passa pela Central de Convênios. Seria mais apropriado que a nomenclatura da Central de Convênios fosse outra. Talvez não o seja porque despertaria desconfiança que agora parece irrefreável. Central de Compras é a genética do departamento controlado na atual gestão tripartite da Fundação do ABC pela Prefeitura de Santo André. Tanto uma coisa leva à outra, ou seja, Central de Convênios à Central de Compras, que é preciso muita atenção para não trocar a denominação.    

Detalhando auditoria  

 Os homens do comando do Paço Municipal de Santo André que estão na Central de Convênios são extensões política e administrativa do secretário de Saúde de Santo André, Marcio Chaves. E do prefeito Paulinho Serra. Essa é a parcela do latifúndio de poder distribuído a Santo André na composição de forças da Fundação do ABC. São Caetano ocupa a presidência e São Bernardo a vice-presidência.  Há também o chamado Conselho de Curadores. Historicamente, é um apêndice de anuência a tudo que a gestão tripartite executa. Os cargos são distribuídos de acordo com o poder de controle de cada prefeito. O Conselho de Curadores também poderia ganhar outra nomenclatura. Conselho de Apoiadores seria boa sugestão. Há exceções de eventuais críticos que confirmam a regra geral de apadrinhamento e consentimento.  

Detalhando auditoria 

 A Russell Bedford, auditoria independente contratada pela própria Fundação do ABC para desvendar os segredos da Central de Convênios, exibe um relatório instigante. Dinheiro público utilizado numa amostragem da auditoria durante um breve período de combate ao Coronavírus virou farra de boi. De dúvidas, questionamentos, imprecisões e riscos e possíveis fraudes. Quem entende um mínimo de contabilidade e de medidas técnico-processuais burocráticas colocaria a Central de Convênios na marca do pênalti de ilegalidades comprometedoras. Foi o que a Russel Bedford concluiu, embora não tenha se utilizado de linguagem analítica contundente. Mas o que consta do relatório apresentado à direção da Fundação do ABC não é uma receita de bolo para festa infantil. É um indigesto prato nordestino. Aqueles apimentadíssimos. Que podem provocar distúrbios múltiplos. Além de diarreia.  Compete a forças policiais traduzir as informações auditadas em massa de análise criminal.    

Detalhando auditoria  

 O relatório da Russel Bedford é devastador. Reúne 14 enunciados técnicos que colocam a gestão da Central de Convênios no enquadramento duvidoso de que seja uma, duas ou três coisas separadamente ou não condenatórias.  A primeira é que tenha ligação com o crime organizado. Entenda-se crime organizado como um grupo não necessariamente relacionado às quebradas conhecidas. A segunda é que se assemelha ao amadorismo de um dono de botequim de beira de estrada. Nesse caso, todos sabem que dono de botequim em beira de estrada confia na memória sensorial. Despreza tecnicidades das grandes corporações públicas e privadas. A Central de Convênios é um puxadinho milionário da Fundação do ABC.  A terceira ponta é que seria uma zona do meretrício político.  

Detalhando auditoria  

 Tudo isso não é exagero. A auditoria dá margem a tudo. Meretrício político é aquela coisa horrorosa em que os participantes dão à democracia   destino semelhante ao que as mães reservam às fraldas de crianças.  Um exemplo do que consta do relatório da auditoria externa independente refere-se a pareceres jurídicos gerados sem conhecimento da área jurídica. A redundância não é erro de digitação. É constatação. Diz o relatório:  O artigo 38 da Lei 8.666/93 determina em seu parágrafo único que: “as minutas de editais de licitação, bem como a dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da administração”. Em nossa revisão dos 54 processos de compras, constatamos que 16 processos, aproximadamente 30% da amostra disponibilizada, se encontram sem assinatura da Área Jurídica e sem evidência de seu conhecimento. Esses processos totalizam o montante de R$ 46.830.223,37 milhões. Entre os riscos estão perdas financeiras decorrentes de erros ou fraudes.  

Detalhando auditoria  

 A ausência de assinatura do Diretor Geral e/ou da Presidente nos processos de compras também chamaram a atenção da auditoria:  Dos 54 processos da amostra, 33, ou seja, aproximadamente 61% de nossa amostra, estão sem assinatura do Diretor Geral e/ou presidente, em desacordo com o requerido pelo Regimento Interno de Compras, com risco de perdas financeiras decorrentes de erros ou fraudes.  A dificuldade de hierarquizar as complicações na gestão da Central de Convênios da Fundação da ABC é um desafio aos especialistas. Uma outra situação desconfortável se refere à ausência de contrato firmado entre as partes ou ausência de notas fiscais:  Dos 54 processos analisados, identificamos três processos de compras, aproximadamente 6% de nossa amostra, sem contrato firmado entre as partes e 26 processos de compras, aproximadamente 48% da amostra disponibilizada, sem as respectivas notas fiscais dos serviços adquiridos e/ou dos itens comprados.  

Detalhando auditoria  

 Também sobre o quesito “ausência de memórias de cálculo para estimativa de preços”, os auditores da Russel Bredford registraram a seguinte constatação:  Com base em nossas análises, não localizamos as memórias de cálculo que fazem parte de obtenção de estimativa de preços para 35 processos de compras (aproximadamente 65% de nossa amostra). Questionamos os colaboradores responsável da Central de Convênios.  

Cobrança aos vereadores   

Para não dizerem que a análise de hoje é pretensa defesa de alguém que precisa sim dar mais explicações sobre o fura-fila, no caso a presidência da Fundação do ABC, veja o que escrevi em 17 de setembro do ano passado sob o título “Caso Fundação é ignorado por vereadores de Santo André”:  

 Quando os vereadores de Santo André, quase todos paus mandados do Executivo, vão deixar de envergonhar a sociedade que os elegeu e partirão para uma iniciativa que dê sentido democrático aos votos que receberam e, com isso, honrar as calças da moralidade? A pergunta é a propósito do escândalo que envolve a Fundação do ABC no caso de prisões de vereadores, assessores e empresários em Mogi das Cruzes.  Lá, em Mogi, o Legislativo decidiu solicitar a quebra de contratos viciados com a Fundação do ABC. Aqui, o silêncio vergonhoso impera. A indiferença programada se sustenta na certeza de que nada de novo vai romper os cordões umbilicais que ligam Legislativo e Executivo num jogo sórdido. E tampouco o inepto Conselho de Curadores da Fundação do ABC sairá da pasmaceira burocrática que o caracteriza historicamente.   

Mais cobrança  

 Não há outra maneira de tratar o caso senão com a adoção de frases contundentes. Diplomacia, nesse caso, é adesismo disfarçado. Omissão, então, é crime contra essa mesma sociedade. A Central de Convênios (e de Negócios) da Fundação do ABC, gerida por homens indicados pelo prefeito Paulinho Serra, de Santo André, está no centro do tiroteio da Polícia Federal e do Ministério Público Estadual. Enquanto isso, os legisladores (legisladores?) de Santo André observam tudo com cara de paisagem. São caras de pau, isto sim.



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