Contar com seis deputados estaduais e dois federais nestes últimos quatro anos não é vexame para o Grande ABC porque, no caso dos estaduais, corresponde à proporção de eleitores no Estado de São Paulo. Não somos, portanto, nem mais nem menos que outros territórios paulistas.
Como o triunfalismo é a marca registrada em todos os ambientes na tentativa de escamotear o gataborralheirismo predominante, achamos que podemos ter mais. Até porque já tivemos mais.
Esquecem, entretanto, que o mais é mais sazonal do que estrutural. É um ponto fora da curva. Como em 1994, na esteira do revolucionário Fórum da Cidadania e do movimento Vote no Grande ABC. Foram eleitos oito deputados estaduais e cinco federais. Só pioramos desde então.
PILOTO AUTOMÁTICO
Ter mais ou menos não faz a menor diferença porque individualidades férteis e individualidades inúteis são capa e contracapa desse álbum de figurinhas políticas que se renovam em nomes, mas seguem o mesmo ritual de procedimentos. A maioria está no piloto automático do assistencialismo político.
Quem é mais experiente aprende que o discurso de votar no Grande ABC encapsula uma armadilha que os supostamente mais iluminados pretendem fazer crer que seja prova de cidadania.
Quem acompanhou o que reproduzi sobre o Grande ABC institucionalmente aparelhado para tornar lógica e compatível com os anseios gerais uma representação política mais incorporada sabe do que estou falando.
Ter deputados estaduais e deputados federais por ter não significa muita coisa às emergências postas na região.
BOMBA CASEIRA
E todas as emergências postas dizem respeito à reorganização do desenho estratégico para enfrentar novas borrascas que a economia coloca no colo de cada morador da região em forma de bomba caseira que costuma ser desajuizada.
Pretendo produzir série de abordagens especulativas sobre esta temporada de votos. Talvez seja a maneira mais interessante de preparar meu próprio espírito e alma ao que vem aí. Abordagens especulativas não são no caso da política algo sem valor. Diferentemente disso. Como a arte política não é exata, tudo gira em torno de interpretações moldadas em larga escala, mas não totalmente, de subjetividades, de percepções sociais.
Sei que não faltarão detratores de sempre, gente que não aceita e abomina o contraditório, mas esses cães latem sem me incomodar.
REDES E MÍDIAS
Faz parte da democracia enfrentar matilhas organizadas a soldo de poderosos de plantão. As redes sociais são fartas nessa tipicidade, mas a mídia tradicional inaugurou esse placar de sujeiras desde sempre. Só é um pouco mais sofisticada, quando é.
Reconheço que a função de deputado estadual e de deputado federal no interior da coreografia constitucional não oferece muitas perspectivas aos ocupantes da Assembleia Legislativa e do Congresso Nacional.
Exatamente porque o espaço externo é espaço coalhado de concorrentes que mimetizam ações e empreendimentos individuais, a configuração de medidas coletivas em prol da regionalidade em todos os aspectos torna-se imperativa.
BANCATA DA LOROTA
Por isso não faltaram movimentos ao longo da história a cultuar a lorota de que existiria e estaria em plena atividade a chamada Bancada do ABC. Uma extravagância de cunho marquetológico.
Menos mal que nesta última legislatura ninguém ousou repetir tamanha sandice. Bancada do ABC é uma senhora bobagem que jamais resistiu a qualquer contraponto crítico. Entre perdas e ganhos ao longo de décadas o saldo negativo é estonteante.
Nos próximos tempos, repito, vou fazer uma série de análises levando-se em conta vários vetores que deverão influenciar decisivamente o voto de cada morador da região.
Vou preparar a título de navegação ou de organização temática uma lista breve, mas provavelmente incisiva de quesitos que deverão determinar o direcionamento do voto regional.
PERDAS PREVISÍVEIS
É claro que teremos uma perda gigantesca de eleitores em forma de votos nulos, votos em candidatos de outras praças e votos desperdiçados em forma de abstenções. Só esse breve conjunto de ponderações já é suficiente para o próximo texto.
Agora, puxo o gatilho (“puxo o gatilho” é uma expressão que já me custou muito caro, mas ouso reproduzi-la como forma de exorcização mental) da memória e reproduzo alguns dos primeiros trechos da análise que fiz há pouco mais de três anos.
Em seguida, recorro a outro texto sobre Bancada do ABC, escrito em 2002 – portanto há duas décadas.
Não se trata, esse material, de sessão naftalina. É atualidade pura, com uma ou outra mudança aqui e acolá.
Bancada do ABC é anedota que
se repete a cada quatro anos
DANIEL LIMA - 18/03/2019
Salvo engano, apenas o Diário do Grande ABC, entre as mídias do Grande ABC, insiste em chamar de Bancada do ABC a tropa de deputados estaduais que assume postos na Assembleia Legislativa a cada quatro anos. E se o equívoco se consolidar, na medida em que nada se materializará de associativismo dos eleitos em defesa da região (ou muito pouco, que não pode ser catalogado como sinônimo de regionalidade), a publicação acabará cedendo à realidade, lamentando o uso da expressão. Mas como a memória do jornal é curta, bastará um movimento maroto e enganador da “bancada” para que, de novo, a alce ao Olimpo.
MAIS 2019
A inexistência da Bancada do ABC ou da Bancada do Grande ABC, como quiserem, é tão límpida e clara quanto a completa ausência de regionalidade. Somos uma ficção de integração dos sete municípios, mesmo quando Celso Daniel era vivo e pretendia mudar a história.
Fossem minimamente respeitosos com a expressão Bancada do ABC, os deputados que acabaram de assumir os mandatos porque tiveram base eleitoral na região teriam se juntado antes da formalidade da cerimônia de posse e delineado algumas linhas de ações em forma de termo de compromissos.
MAIS 2019
Mas os próprios deputados eleitos confessam à reportagem do Diário do Grande ABC que não tiveram uma reunião sequer desde que eleitos. E se tivessem, pouco significaria. As durezas e as molezas dos prélios individuais e partidários nos próximos anos os afastarão.
Uma ou outra iniciativa para dourar a pílula da enganação geral será fomentada entre alguns dos deputados eleitos pela região. Alguma coisa vai aparecer no radar de marketing que os colocaria em sintonia fina. Mas tudo não passará de embromação. O dia a dia em busca de voto (é disso que cada um vai tratar de agora em diante, para se manterem na Assembleia Legislativa) os afastará compulsoriamente.
MAIS 2019
Não vou particularizar algumas iniciativas já tomadas pelos deputados estaduais, antes mesmo de tomarem posse. Há um aparato que pretende antecipar ações que já constam das perspectivas de carreira de cada um. Todos sonham um dia chegar ao comando do Paço Municipal a que estão atrelados ou não politicamente. Nada que fazem fogem a essa projeção.
Sempre recorro ao passado de jornalista que conhece muito bem as peças do tabuleiro da baiana desastrada da região para consolidar prognósticos que, de fato, são diagnósticos em quinta dimensão.
Se não está bom assim, então vamos voltar no tempo ainda mais. Ingressemos no ano de 2002. Leiam os principais trechos do que escrevi sobre o assunto:
Bancada do ABC
é apenas miragem
DANIEL LIMA - 12/07/2002
Os deputados estaduais do Grande ABC formam de fato a chamada Bancada do ABC? Conseguem sensibilizar o governo do Estado para as grandes questões regionais? Antes de arriscar uma resposta, é preciso saber que eles são apenas oito entre 94 deputados e representam diferentes partidos. Quem acredita que sejam mesmo tão importantes coletivamente?
Quem considera que são atuantes em bloco? Veja alguns exemplos de problemas crônicos que envolvem o Grande ABC e sobre os quais a Editora Livre Mercado solicitou respostas dos políticos. Eles preferiram não se manifestar:
1 -- O senhor acredita mesmo que exista a Bancada do ABC? Que ações relacionaria, com os respectivos resultados, que sustentem sua resposta eventualmente positiva?
2 -- O que o senhor individualmente e a suposta Bancada do ABC fizeram para impedir que o cronograma do trecho sul do Rodoanel não fosse esticado, em prejuízo da região?
3 -- O que o senhor fez efetivamente, individual e conjuntamente com os demais deputados da região, a respeito do projeto de metropolização ou submetropolização do Grande ABC?
4 -- Por que o senhor não se pronunciou sobre a proposta do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, e que foi motivo de Reportagem de Capa da revista LivreMercado, a respeito da criação do Estado da Grande São Paulo? Qual sua opinião sobre o assunto?
5 -- O que o senhor fez efetivamente, individual e em conjunto com a suposta Bancada do ABC, para tentar melhorar a vida dos pequenos negócios através da criação de um banco de fomento regional ou mesmo de um braço do BNDES?
6 -- O que o senhor realizou efetivamente, individual e em conjunto com a suposta Bancada do ABC, para fazer com que o governo do Estado e o governo federal devolvam mais recursos arrecadados no Grande ABC?
7 -- O que o senhor fez efetivamente, individual e em conjunto com a suposta Bancada do ABC, para que se aumente o efetivo da Polícia Civil e Militar na região?
8 -- O que o senhor fez efetivamente, individual e em conjunto com a suposta Bancada do ABC, para tornar a atuação da Câmara Regional mais dinâmica, em vez de ser instância de poder regional que vive de espasmos?
9 -- O que o senhor fez efetivamente, individual e em conjunto com a suposta Bancada do ABC, para impedir que mentiras sobre a improcedente manutenção da riqueza industrial da região fossem veiculadas pela mídia a partir da Agência de Desenvolvimento Econômico?
10 -- Diante das respostas que o senhor ofereceu às perguntas que lhe enviamos, é possível garantir que a Bancada do ABC existe de fato?
MAIS 2002
Essa lista de prioridades do Grande ABC poderia comprovar uma realidade prática: a Bancada do ABC não existe no conceito mais preciso da expressão -- de empenho coletivo sistemático, organizado, planejadamente estratégico. Pode até ser agrupamento episódico, como o que contribuiu para a aprovação do aumento da capacidade de produção da Petroquímica União, recentemente, mas daí a constituir-se em exemplo a ser seguido são outros quinhentos.
Os próprios deputados estaduais do Grande ABC denunciam-se que não formam uma bancada, embora nos últimos meses tenham ensaiado improvisado coro de união, principalmente a partir das indagações da Editora Livre Mercado.
MAIS 2002
Nada mais lógico quando se tem o calendário eleitoral a apertar a garganta de cada um deles. É preciso levar aos eleitores a ideia de um projeto consolidado, quando se sabe que são individualidades sujeitas a sazonalidades grupais. Sem respostas dos deputados, LivreMercado mergulhou nos arquivos sobre a atuação dos representantes estaduais do Grande ABC. Os resultados são péssimos.
Em julho do ano passado -- portanto há exatamente um ano -- deputados da região criticaram duramente o governo Geraldo Alckmin. Principalmente os petistas, depois da rejeição de todas as 28 emendas apresentadas à Lei de Diretrizes Orçamentárias. "Não posso afirmar que na época do Mário Covas o relacionamento com o ABC era uma maravilha, mas com o Alckmin piorou em 90%" -- apontou Wagner Lino (petista de São Bernardo), que completou: "O Estado não dá mais a importância que o ABC merece. Acho que agora há outras regiões prioritárias para o governador".
MAIS 2002
Como pode funcionar uma Bancada do ABC se petistas estão de um lado e outras legendas de outro? A crítica, formulada também há um ano, é do deputado José Augusto da Silva Ramos, ex-prefeito petista de Diadema e agora no PPS, ao comentar o descontentamento de Wagner Lino e outros deputados do PT à rejeição das emendas: "A política que o PT faz na Casa dificulta o relacionamento com o governo" -- justificou. Marquinho Tortorello (PPS de São Caetano), da base do governo, afirmou que as emendas não foram contempladas porque a articulação junto ao PSDB foi malfeita. "Também estou querendo entender o que aconteceu. Vou continuar procurando o líder do governo para obter uma resposta" -- disse à época.
MAIS 2002
Dividida, a suposta Bancada do ABC deixa evidentes rastros de desconforto. Em dezembro do ano passado apenas quatro das 51 emendas apresentadas pelos deputados estaduais da região foram aprovadas no orçamento do Estado. Mesmo assim, sem qualquer referência específica da região; isto é, são abrangentes, segundo apontou o deputado petista Donisete Braga, de Mauá.
Também o petista Vanderlei Siraque, de Santo André, reagiu indignado: "O governo estadual fez o que bem quis na Assembleia Legislativa. Infelizmente, deixou a desejar, já que existem acordos entre o Estado e a Câmara Regional do ABC" -- afirmou textualmente ao Diário do Grande ABC de 21 de dezembro.
MAIS 2002
Donisete Braga foi contundente na avaliação do governo do Estado e as propostas do Grande ABC: "Infelizmente, hoje a peça orçamentária é feita dentro do gabinete e não enxerga as questões prioritárias da população".
O deputado Wagner Lino antecipou a frustração ao afirmar, duas semanas antes, que só existia uma forma de aprovar as emendas: uma audiência com o governador tendo a participação de representantes das sete Câmaras Municipais da região, prefeitos, Fórum da Cidadania e deputados. "Não adianta falar com o líder do governo. É preciso que o próprio governador assuma compromisso diante das propostas"-- disse. Sem mobilização regional, a derrota foi consumada.
MAIS 2002
Os deputados estaduais do Grande ABC reproduzem o drama de identidade dos demais legisladores. O Executivo, de fato, é que dá as cartas. Por isso, embora façam esforços para explicitar uma atuação conjunta que é frágil, todos procuram sobreviver politicamente.
Balanço publicado pelo Diário do Grande ABC em novembro do ano passado traduz a fragilidade do sistema de representação: os deputados da região só conseguiram aprovar 13 leis desde que assumiram o mandato, em janeiro de 1999. A maioria das leis aprovadas refere-se a homenagens ou campanhas educativas. Violência, educação e saúde? Nem pensar.
A justificativa é um atestado da debilidade implícita do mandato: nenhum dos 94 deputados consegue aprovar mais do que uma lei por ano. "Com 94 deputados, é difícil não ser apenas mais um"-- pontuou Donisete Braga. E espetou o governador Geraldo Alckmin: "Não consigo entender como o governador até agora não chamou os prefeitos para dar sequência às discussões de Covas com o governo regional".
MAIS 2002
O discurso de Newton Brandão, petebista aliado de Alckmin e três vezes prefeito de Santo André, naturalmente é diferente: "A região nunca foi tão beneficiada como agora" -- considerou. Ramiro Neves, do PL de São Bernardo, foi mais conformista: "O governo tem apoio de 63 dos 94 deputados. Aqui funciona a política de corredores". Vanderlei Siraque completou: "Esses corredores não estão abertos para nós, até porque não queremos" -- garantiu.
Como esperar que haja unidade regional com opiniões tão distintas e com tratamentos individuais para uns, discricionários para outros? Wagner Lino é mais contundente ainda: "A prática de os deputados do Grande ABC levarem as emendas ao orçamento da região para discutir com o líder do governo é atitude que rebaixa o Grande ABC. O líder não tem poder de negociar nada. É preciso levá-las ao Palácio dos Bandeirantes e envolver prefeitos e vereadores no processo" -- repetiu à exaustão.
MAIS 2002
Daniel Marins, do PPB de São Caetano, endossou: "Contribuímos muito para o bolo, mas não recebemos o repasse compatível em obras. No Estado existe a visão de que o Grande ABC é rico".
É provável que o desencanto dos deputados da chamada Bancada do ABC seja tão intenso que prefiram fugir de qualquer avaliação mais minuciosa, como a proposta pela Editora Livre Mercado. Logo após as eleições de 1998, todos eles se manifestaram esperançosos com o mandato que assumiriam em janeiro do ano seguinte.
Eram seis os eleitos que anunciavam desejo de ampliar a articulação política em torno das prioridades da região e o trabalho conjunto com a sociedade civil. Eleito para a suplência, Newton Brandão assumiu juntamente com os demais, em janeiro, enquanto Donisete Braga só chegou à Assembleia Legislativa mais tarde.
MAIS 2002
Embora o resultado das eleições de outubro de 1998 tenha sido desastroso para o Grande ABC, o então coordenador do colégio executivo do Fórum da Cidadania, Sílvio Tadeu Pina, manifestava expectativa de que a contagem de votos contemplasse a região com o mesmo número de ocupantes do Congresso Nacional e da Assembleia Legislativa.
Não passou mesmo de torcida: quando todos os votos foram apurados, o Grande ABC havia reduzido a representação federal de cinco para três deputados e a estadual de oito para seis. Mais tarde, também Clóvis Volpi (PSDB-Mauá) juntou-se a Duílio Pisaneschi (PTB-Santo André), Luiz Carlos da Silva (PT-Santo André) e Jair Meneguelli (PT-São Caetano) em Brasília.
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