Política

Nem deuses, nem demônios,
nem mágicos são os prefeitos

DANIEL LIMA - 12/07/2022

Existe profunda e inquietante diferença entre o apanhado inconsistente do Instituto Badra analisado ontem aqui e a realidade do Grande ABC que conhecemos. Nossos prefeitos foram transformados em deuses que não são, da mesma forma que também não são demônios nem mágicos.  

Nossos prefeitos são o estuário de um processo histórico de novas configurações que os pegou de calças de planejamento curtas. Uma armadilha da qual nenhum se livrou até agora.  

Nossos prefeitos mais prefeitos, que são os prefeitos reeleitos, mas também os prefeitos eleitos pela primeira vez, deixaram de alertar a sociedade sobre o que receberam dos antecessores.  

Nossos prefeitos preferiram seguir estrategistas de comunicação ignorantes em economia e perderam uma oportunidade de revolucionar a interação com a sociedade. 

100 METROS  

Nossos prefeitos ainda preferem o embevecimento de falsos números a ações prioritárias de uma engenharia reformista trabalhosa, mas compensadora no futuro.  

Nossos prefeitos, na maioria dos casos, não pensam na eternidade do reconhecimento público materializável e mesmo subjetivo. Olham o futuro, na maioria dos casos, como uma corrida de 100 metros de varejismos importantes, mas não diferenciadores.  

Nossos prefeitos são mais vítimas que vilões. Entretanto, tentar torná-los extraordinários exemplos de gestores públicos é uma aventura tão inconsistente quando os alçar à guilhotina de imprestáveis.  

DADOS DESPREZÍVEIS  

Seguramente, os dados do Instituto Brada, que deveria se chamar Instituto Badala, são desprezíveis. Não resistem à curadoria séria e responsável. Trata a todos com escárnio.  

Os números estratosféricos de “aprovação” dos atuais gestores, em contraste com a maioria dos prefeitos e governadores submetidos ao mesmo escrutínio por institutos diversos, é uma aberração.  

Somente uma sociedade em estado coletivo de melancolia aceita passivamente a numeralha de torcida organizada, quando não de assessoria de imprensa, do estágio de aprovação e reprovação dos atuais prefeitos.  

Há um exagero desmesurado a agredir a sensibilidade mais ajuizada.  

Nossos prefeitos não são nem deuses, nem demônios, nem mágicos.  

O Instituto Brada e os resultados da atuação dos prefeitos do Grande ABC só seriam admissíveis ante estágio de melancolia coletiva. 

ESTADO DA ALMA  

Melancolia é um terrível estado da alma. Os pacientes na maioria dos casos são estruturalmente debilitados a sentir e a enxergar o mundo tendo algum fiapo de esperança e de entusiasmo no horizonte.  

Há situações específicas, de traumas superados, que, paradoxalmente, podem elucidar o drama da enfermidade exatamente porque são circunstanciais e envolvem quem passou a maior parte da vida em estágio de normalidade, e ao estágio de normalidade voltou. De gente entusiasmada, prospectiva. Gente normal, vamos dizer assim. 

Sou catedrático em melancolia circunstancial. Passei dois meses ao deus-dará depois do tiro no rosto. Foram dias e dias sem eira nem beira.  

APERTANDO O CERCO 

A melancolia apertava o cerco e o estado de malemolência mental se agravava com o desembarque do entardecer. A noite reduzia o impacto de passividade, mas rescaldos permaneciam até baixar o sono. Na manhã seguinte, tudo recomeçava.  

Melancolia é a aceitação de tudo mantendo o olhar perdido no horizonte. O cérebro vive quase que em forma vegetativa. A melancolia dos melancólicos de sempre jamais será explicada. A melancolia dos melancólicos ocasionais é a chave de ignição às respostas que a ciência busca. 

Somente quem foi melancólico por algum tempo é suficientemente preparado, desde que crítico, a entender a melancolia interminável dos melancólicos eternos, que ganham em muitos casos a especificidade científica de depressivos.  

APENAS EXAGERO  

Imaginar uma melancolia coletiva do Grande ABC como resposta aos números do Instituto Brada é uma correlação metafórica exagerada para tentar buscar alguma nesga de explicação à metodologia que justifique disparates apresentados.  

Não existe a menor possibilidade de os prefeitos do Grande ABC serem os deuses traçados nos gráficos do Instituto Brada. Os prefeitos do Grande ABC são apenas prefeitos do Grande ABC e suas humanidades palpáveis.  

Prefeitos do Grande ABC são prefeitos potencialmente diferenciados dos prefeitos de outras geografias. Há uma imensidão de contágios e inconformidades a desafiá-los.  

PREFEITOS DIFERENTES 

Se os prefeitos do Grande ABC não são deuses, tampouco deve-se acreditar piamente nos adversários políticos que tornam os mesmos prefeitos exemplos diabólicos de incapacidade.  

Muito menos se deve levar em conta os marqueteiros de plantão que exageram na dose e tornam os prefeitos mágicos administradores.  

Sem entrar em considerações, muitas das quais já conhecidas dos leitores velhos de guerra desta revista digital, faço uma lista de questões sistêmicas no campo econômico, social, cultural e psicossocial que estão na ficha médica do paciente chamado Grande ABC.  

PACIENTE MENOS GRAVE 

Não existe mesmo a possibilidade de o somatório e o multiplicatório das enfermidades apontadas se encaminharem ao quadro de profunda letargia dos melancólicos.  

O Grande ABC é um paciente de algo menos grave e, portanto, muito mais factível de resoluções.  

O Grande ABC seria uma mistura de criança mimada, de adolescente teimoso, de meia-idade arrogante e de velhice conformista. Ou tem tudo isso, mas o contraponto de crianças desbravadoras, adolescentes reformistas, meias-idades ambiciosos e velhice inconformada?  

Esses ciclos da vida impregnam o Grande ABC e possivelmente nos livraria da melancolia coletiva, institucionalizada.   

Melancolia coletiva e institucionalizada seria o pior dos mundos. Até porque, como a derrocada regional é longeva, teríamos um quadro sistêmico, não circunstancial. Aí não teríamos saída. Seria jogar a toalha do desencanto.  

GRANDES OBSTÁCULOS  

O objetivo é deixar claro que os números do Instituto Badala são um desrespeito a mentes que não estejam em estágio de melancolia. De gente que tem senso crítico mesmo que escasso. De gente que não aceita o prato feito de suposta ciência estatística.  

Vejam, em seguida, os pontos centrais que tornam o Grande ABC endereço impermeável à divinização dos prefeitos, bem como também um antidoto à demonização e complementarmente um tiro no pé dos prestidigitadores. 

1. Logística interna e externa extenuante e antiprodutiva, que dilacera os nervos e as mentes da população economicamente ativa. 

2. Herança econômica maldita que se iniciou nos anos 1980, se agravou nos anos 1900 e se consolida neste século. 

3. Finanças públicas dilaceradas com a queda de arrecadação por causa da desindustrialização e da fragilização econômica. 

4. Inchaço da periferia em forma de deserdados que sobrecarregam os serviços públicos, aumentam os riscos de violência e agridem o mercado de trabalho em retração qualitativa e concorrência predatória quantitativa. 

5. Evasão permanente tanto entre municípios locais quanto metropolitanos de mão-de-obra qualificada e não qualificada, representada em última instância pela perda de cérebros e de braços. 

6. Ambiente permeável ao quadro de contaminação estadual e nacional em grau suficiente para que a classe política local não fique isenta dos danos mais que comprovados em pesquisas sérias. 

7. Complexo de Gata Borralheira, que minimiza a importância interna de todas as instâncias, inclusive da classe política desprezada ou minimizada nas disputas eleitorais em que se coloca diante de concorrentes de outras geografias. 

8. Dificuldades operacionais para que os prefeitos municipais tenham empuxo de prefeitos regionais e com isso possam reduzir a carga discriminatória de desconfiança do próprio eleitorado que, em muitos casos, são trabalhadores que frequentam o ambiente regional para exercer o ofício. 

9. Inconsistência   de instituições públicas ao atendimento de demandas programáticas que ultrapassam os respectivos territórios municipais. Clube dos Prefeitos e Agência de Desenvolvimento Econômico são faces da mesma moeda de incompetências cumulativas.  

10. Ausência de sinalizações de que o horizonte em forma de futuro desperte na população economicamente ativa algo que não seja um imenso obstáculo às projeções de mobilidade social desgastada e comprometida ao longo dos anos. 

11. Processo cada vez mais insidioso do ponto de vista político das maquininhas diabólicas de bolsas e bolsos forradas de aplicativos conectados à Internet de forma a tornar a vida dos prefeitos uma cadeia de questionamentos e reivindicações. 



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