Administração Pública

Prefeitos só têm a ganhar se
forem menos prefeituristas

DANIEL LIMA - 27/07/2022

Se você não encontrar no léxico nada que tenha parentesco ou afinidade com “prefeiturista” e “prefeiturismo” é porque supostamente ninguém teve a ousadia de conferir à gestão pública municipal corruptelas explicativas aos mais conhecidos, venerados e respeitados “presidencialista” e “presidencialismo”. Nossos prefeitos praticam prefeiturismo exacerbado e são prefeituristas por natureza.  

Fosse menos expressiva essa caracterização, nossos prefeitos se dariam melhor na relação com a sociedade e a sociedade, por outro lado, se sentiria mais sensibilizada a saltar do muro de certa indiferença, que também pode ser chamada de negligência, quando não de desesperança.  

Ou seja: uma mistureba de comportamentos e sentimentos que inibem o desenvolvimento social em geral.  

CENTRALISMO ATÁVICO  

Como maior propagandista dos prefeitos do Grande ABC (vou explicar o significado dessa constatação num próximo texto, que vai deixar muita gente intrigada porque essa mesma muita gente acha exatamente o contrário) ouso sugerir aos atuais prefeitos uma revolução nos costumes democráticos de cunho municipalista.  

Que os atuais prefeitos sejam o que os antecessores jamais foram, exceto em escala menos proeminente que o ideal o prefeito Celso Daniel de segundo e terceiro mandatos. 

Os prefeitos do Grande ABC assim como os prefeitos de mais de seis mil municípios do Brasil seguem cartilha de centralismo dos holofotes não porque queiram necessariamente ser donos exclusivos da festa, mas porque a festa segue rito cultural jamais confrontado.  

PILOTO AUTOMÁTICO  

O problema da sociedade e dos costumes em geral é que piloto automático virou uma forma de acomodação que desencoraja sacolejadas, mesmo que sacolejadas sejam o impulso a melhores resultados e decisões.  

Temem-se rupturas no curso das águas da vida em todas as dimensões porque o desencadeamento de mudanças pode ganhar um ponto de interrogação como obstáculo supostamente insuperável.  

Piloto automático é o exercício preferido da humanidade, até que apareça algum maluco e faça algo diferente. Aí o patamar do piloto automático se altera, mas pode seguir adiante tempos sem fim porque a rotina de novidade que perde a viscosidade é um convite à acomodação.  

OLHANDO O TODO  

Escrevo estas linhas que remetem à expressão que, traduzida com sensatez, significa paralisia, congelamento e assemelhados. 

O dia a dia que nos move tem sempre um exemplo de piloto automático a nos desafiar, e não enfrentamos os desafios porque o piloto automático ganha a forma de normalidade, de naturalidade, que se traduz em caminho tão certo quanto seguro, mesmo diante de emboscadas já latentes. 

Prefeitos que se pretendam exercitadores de prefeiturismo menos obviamente individualista precisam olhar ao redor da Administração que lhes compete e romper fronteiras de conservadorismo.  

E que não façam uso de apêndice em contrário, o chamado “progressismo” que, em muitas situações, não passa de enganação ostensiva e politicamente correta.  

Quanto menos prefeitos forem prefeitos na forma tradicional de atuação, mais prefeitos serão nos resultados práticos.  

SONHOS SONHADOS  

Quanto menos prefeitos adotarem o prefeiturismo típico de ser, mais prefeitos serão num prefeiturismo de coalização, de cooperação, de interação e de tantos outros atributos.  

Meu sonho é ver realizado o que já escrevi algumas vezes aqui. Faz tanto tempo que nem consigo recuperar o material.  

Meu sonho é ver os prefeitos da região mais prefeitos do que são, e para serem mais prefeitos do que são deveriam ser praticantes de um prefeiturismo reformado e reformista. 

FALTA COORDENAÇÃO  

Sonho com o dia em que os prefeitos da região, reunidos no Clube dos Prefeitos, tomem a decisão de estabelecer um calendário de entrevistas municipais com os secretários mais proeminentes. Os encontros preferencialmente deveriam ser em redutos de formadores de opinião, com convidados que tenham massa encefálica ativa --- e a Imprensa como um todo.  

Meu sonho é que esses encontros temáticos coloquem cada gestor público mais próximo da sociedade em forma de informações com direito a contraditório construtivista.  

Que tudo que seja possível venha a público em forma de esclarecimento, de didatismo, de tudo que contribua à interação com a sociedade e daí decorram desdobramentos que ganhariam forma de cooperação, de responsabilidade social mais ampla, dessas coisas que podem ser resumidas como componentes do capital social tão ultrajado no País como um todo. 

MENOS EXLUSIVIDADE  

A centralidade prefeiturista dos prefeitos no regime de prefeiturismo que exercitam é negativa para o conjunto da sociedade porque se instaura e se consolida uma cultura de exclusivismo, de individualismo, e se sabe fartamente que uma Administração Pública não se resume ao chefe do Executivo, eleito pelo povo. Quanto mais múltiplo parecer aos olhos da sociedade, melhor. Secretários de peso, expostos permanentemente ao público, contribuem muito para forjar o sucesso de um administrador municipal.   

Quanto menos exclusivista for um prefeito na relação com a sociedade, principalmente nos meios de comunicação, mais transparecerá a grandeza da Administração sob seu resguardo. Afinal, se repassará a ideia, que pode virar certeza, de que pode se encaminhar à grandeza de uma ação de equipe voltada a todos.  

O prefeiturismo que se pratica nas prefeituras do Grande ABC e do País como um todo é um prefeiturismo que cheira a mandonismo, a coerção, a individualismo. Não é um prefeiturismo de coalização no sentido mais ingenuamente puro do mundo. Tampouco de prefeiturismo de cooperação.  

MAIS TUDO 

Adotar um regime mais democrático de gestão junto aos olhares da sociedade a que servem é o pulo do gato dos prefeitos que não se deram conta de que são praticantes de prefeiturismo. Esse regime de circunscrição do poder de mando delegado pelos eleitores é a antessala de um autoritarismo implícito, muitas vezes não detectável, mas que carrega o peso de levar adiante um regime em que a oxigenação do ambiente social se perde nos descaminhos da ausência de símbolos e medidas compartilhadas por agentes sociais e econômicos fora da órbita da gestão pública.  

Um prefeito adepto voluntário ou involuntário do prefeiturismo é um prefeito castrador de transformações sociais.  

Isso quer dizer que um prefeito amante dos poderes do prefeiturismo de resultados voltados a seus próprios parceiros de jornada é um prefeito sem compromisso com o futuro, por mais que eventualmente contribua com obras, serviços e mesmo ideias. 

SEM MESMICES  

Colocar a sociedade mais capacitada na órbita de uma Administração, independentemente de coloração partidária e ideológica, seria a síntese de um gestor público fora do esquadro de mesmices que vicejam na estrutura de poder no Brasil.  

A sociedade tem o direito de saber quem decide os destinos do Município. Por isso, nada substituiria os contatos presenciais, em encontros programados com antecedência e previamente, quem sabe, com uma agenda de questionamentos de modo a que o secretário da pasta inquerida possa atender à demanda informativa.  

O que os prefeitos praticantes do regime de prefeiturismo exacerbado precisam entender é que serão mais respeitados pela sociedade na medida em que o trabalho de equipe for alçado a uma condição de conhecimento público amplo, com transparência e clareza.  

ALGUNS EXEMPLOS  

Vou tentar traduzir tudo isso em alguns breves exemplos. 

Que as obras dos viadutos que pretendem dar mais logística interna ao inferno que é o trânsito de Santo André sejam dissecadas pelo secretário da pasta com um monumental feixe de informações que saiam do espectro formal e amplie o horizonte de resultados consequentes. 

Que a logística de São Bernardo, impulsionada por obras que transcendem o caráter exclusivamente municipal, porque São Bernardo tem naturalmente mais apetrechamento logístico que Santo André, sejam igualmente aprofundadas em forma de explicações técnicas e econômicas. 

Que a Avenida dos Estados passe por transformações viscerais a partir de uma entrevista com gente que entende do riscado e que ofereça perspectivas efetivas que iriam muito além de uma obra aqui, outra ali.  

Que a Prefeitura de São Caetano reúna a mídia e a sociedade mais representatividade em termos de conhecimento para explicar todas as operações efetivadas para combater o Coronavírus e, com isso, contrapor fatos e argumentos ao infortúnio do tríplice risco imposto pelo vírus, explicado aqui ontem.  

CHOQUE DE INTEGRAÇÃO  

De maneira geral, o prefeiturismo no Grande ABC (e no Brasil como um todo) é excessivamente reticente, impreciso, frustrante, nas relações entre agentes públicos, consumidores de informações e formadores de opinião. 

Precisamos na Administração Pública Municipal dar um choque de integração com a sociedade, cujos resultados se expressem muito além de encontros burocráticos, mas em verdadeiras sabatinas técnicas de modo a colocar no topo dos meios de comunicação uma agenda prospectiva, densa, programática, ao invés da fulanização da política.  

O Clube dos Prefeitos daria um salto extraordinário se passasse a destilar essa proposta entre seus integrantes. E ganhar os céus de reconhecimento de que finalmente não é um penduricalho qualquer no organograma regional na medida em que decidir diminuir relativamente o tamanho de cada prefeito adorador voluntário ou não do regime prefeiturista que, contraditoriamente, o miniaturiza ao longo da história mesmo diante de sucessores igualmente exclusivistas.



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