Os evangélicos são um em cada quatro eleitores brasileiros. Têm peso expressivo nos resultados gerais porque são engajados em defesa de valores tangíveis e intangíveis. Tanto são relevantes que constam de todas as pesquisas.
Os católicos não têm praticamente peso algum no mundo eleitoral como motivação perscrutadora. Os católicos são torcedores de numeradas. Os evangélicos são torcidas organizadas.
Os evangélicos estão com Bolsonaro ou com Lula da Silva na disputa presidencial?
REALIDADE OU NÃO?
O Datafolha e a Folha de São Paulo apontam que o eleitorado evangélico é mais bolsonarista. O Datafolha e a Folha podem estar certos, possivelmente estão certos. Mas estão redondamente equivocados. Vou explicar essa suposta contradição.
O resumo da ópera que desmascara o Instituto Datafolha e a Folha de S. Paulo como fontes confiáveis de pesquisas eleitorais que têm os evangélicos como centro de atenção é que tanto um quanto outra usam e abusam dos crédulos religiosos e dos amantes da informação sem vieses deliberados.
A última pesquisa Datafolha, destrinchada mais uma vez como galinha depenada pela Folha de S. Paulo, é prova provada de que margem de erro e margem de manobra, quando não margem de manipulação, são a mesma coisa.
O que deveria servir tecnicamente como margem de segurança virou cavalo de pau de esperteza.
RECORTES FRÁGEIS
Aliás, os recortes com os quais o Datafolha e a Folha de S. Paulo trabalham para esticar o quanto podem supostas análises de pesquisas eleitorais para a presidência da República também abrangem outras categorias.
Faixas socioeconômicas, categorias profissionais, estudantes, tudo que estiver como identificação do entrevistado que vira número eleitoral é tratado semelhantemente como o que se coloca no vetor dos evangélicos.
Tratado semelhantemente significa que essas partes do todo são analisadas como o próprio todo, desprezando-se a cientificidade do conjunto da pesquisa.
Sei que o assunto é árido, mas não interessa apenas aos eleitores evangélicos. Serve a todos que pretendem ter um mínimo de lustro sobre como se manobram informações com base em embromações.
Esta não é a primeira vez que escrevo sobre margem de erro e margem de manobra.
PASSADO EXPLICA
Para evitar contaminações ideológicas, os primeiros escritos foram impressos aqui antes que algum dia alguém pudesse imaginar que um deputado federal obscuro como a maioria pudesse sequer ser candidato à presidência da República. Quanto mais virar presidente na esteira do maior escândalo administrativo na história da política nacional.
Um baita escândalo que apoiadores dos infratores negam como a maior cara de pau do mundo. E aplaudem punições a alguns dos exemplares do efetivo de moralização de usos e abusos na política nacional.
Vamos, então, às explicações. E as explicações começam com o beabá de qualquer pesquisa eleitoral: é preciso definir o número de entrevistados com base em uma porção de características da população para que a ferramenta tenha higidez técnica, à parte as artimanhas mais que abusivas de questionamentos que procuram convergir os resultados na direção de pressupostos de interesses muitas vezes escusos.
Ou seja: a pesquisa tecnicamente formal é uma coisa, a pesquisa deliberadamente indutiva a proteções e perseguições é outra.
BASE VIOLADA
A base da pesquisa do Datafolha para a presidência da República compõe-se de entrevistas com 2.556 pessoas. Os evangélicos, repito, são um quarto desses eleitores ouvidos, o naco que teria sido entrevistado.
E agora entra em campo um vetor indissociável à credibilidade mínima da sondagem: a margem de erro.
No caso de 2.556 entrevistas, a margem de erro estabelecida pelo Datafolha é de dois pontos percentuais, para cima ou para baixo.
Essa margem de erro vale, portanto, às questões centrais das entrevistas. Somente às questões centrais das entrevistas. Que não é o caso dos evangélicos e tantos outros grupos.
FAÇAM OS CÁLCULOS
Agora façam o seguinte cálculo: qual é a margem de erro quando o Datafolha transforma em todo o mundo particular de um quarto dos entrevistados evangélicos?
O Datafolha diz que são seis pontos percentuais no caso dos homens evangélicos e cinco pontos percentuais no caso das mulheres evangélicas.
Mais: afirma que, juntando-se homens e mulheres evangélicos, a margem de erro cai para três pontos percentuais, ante dois pontos percentuais, como já disse, da margem de erro geral, das 2.556 entrevistas com todos os eleitores entrevistados.
É uma aberração reduzir em apenas um ponto percentual a margem de erro de 2.556 entrevistas para um quarto disso. Não tem cabimento científico. É jogo de cena. O jogo de probabilidades é usurpado.
MARGEM FRAUDADORA
Se o leitor tiver dificuldade de entender o que pretendo dizer, que volte a leitura a parágrafos anteriores.
A margem de erro de apenas três pontos percentuais (um ponto percentual acima da margem de erro de entrevistas com todos os eleitores) envolvendo mulheres e homens evangélicos é fraude científica.
Tanto quanto os seis pontos percentuais isoladamente atribuídos aos homens evangélicos (que são 42% do segmento) e aos cinco pontos percentuais às mulheres evangélicas (58% do segmento).
Pode parecer bobagem a cérebros menos treinados e céticos quando o assunto é pesquisa eleitoral e, principalmente, recortes categorizados. Mas é um caso sério.
VACA LEITEIRA
A Folha de S. Paulo faz das pesquisas eleitorais do Datafolha uma vaca leiteira, que dá tudo o que pode e não pode. A diferença é que pesquisas eleitorais e seus recortes estupram a realidade dos fatos.
Por isso que Jair Bolsonaro favorito dos evangélicos homens e mulheres tanto pode ser uma verdade irretocável quanto uma manipulação despudorada. O que parece verdadeiro pode ser mais verdadeiro ainda. Acentuadamente verdadeiro. Ou nada disso.
A diferença entre o presidente e o ex-presidente nesse extrato do eleitorado é inconsistente porque a margem de erro também margem de manobra é uma horrorosa manifestação de incompetência ou de malandragem.
MARGEM ESTRAMBÓLICA
Considerando-se que um quarto dos eleitores entrevistados pelo Datafolha são evangélicos, ou seja, um total de 639 questionários, a margem de erro seria estrambólica.
Ao afirmar que são apenas três pontos percentuais o Datafolha comete um pecado capital de desinformação e de imprecisão.
Mesmo se passando por cima dessa aberração técnica, vamos descer um pouco mais no noticiário da Folha de S. Paulo sobre os evangélicos.
MARGEM ELÁSTICA
O jornal afirma que a porção masculina dos evangélicos dá larga vitória a Bolsonaro antes mesmo de ver a lista de postulantes. Nesse grupo, 48% dizem votar no presidente – vantagem de 20 pontos percentuais sobre o petista. Só 14% afirmam não saber quem apoiar.
Já as evangélicas – continua a Folha – estão mais indecisas: 34% não apontam um nome antes de conhecer o rol de candidatos. Outras 29% declaram apoio a Bolsonaro, e 25% a Lula. O que os mantêm em empate técnico – afirma a Folha protegida pelo Datafolha.
Segue a Folha ao escrever que, na pesquisa estimulada, em que o eleitor escolhe um nome entre as opções exibidas numa cartela, o chefe do Executivo tem entre os crentes homens uma vantagem de 16 pontos sobre Lula no primeiro turno. No caso das fiéis, a diferença é de sete pontos – mais um empate técnico.
Volto a sugerir ao leitor que retome a leitura dos parágrafos anteriores. Notaram como o Datafolha e a Folha manipulam as informações?
MARGEM ESCANDALOSA
A margem de erro é escandalosamente utilizada para sugerir que entre as mulheres há empate técnico entre Bolsonaro e Lula da Silva. Tudo tem origem no maquiavelismo da suposta distância técnica que separa a realidade projetada de voto e condicionantes metodológicas.
Seguindo essa trilha do Datafolha encampada pela Folha de S. Paulo, teremos então, em termos de voto para valer no primeiro turno, de voto estimulado, cenários extraordinariamente enigmáticos.
Considerando-se a margem de erro de seis pontos percentuais dos eleitores homens evangélicos, a vantagem de Jair Bolsonaro sobre Lula da Silva tanto poderemos ter 54% a 22% em favor do presidente quanto uma queda abrupta de 42% a 34%. No eleitorado evangélico feminino, o placar apresentado de 29% a 25% em favor de Bolsonaro ganharia elasticidade de cinco pontos percentuais de margem de erro e tanto poderia ser 35% a 20% para Bolsonaro quanto 30% a 24% para Lula.
MARGEM COMBINADA
Se o leitor ainda tem dúvida, não custa lembrar que o princípio lógico de margem de erro é simples: enquanto a margem de erro eleva o apontamento de um candidato, simultaneamente derruba o mesmo naco do adversário.
No caso das mulheres, Lula da Silva sobe cinco andares enquanto Bolsonaro cai exatamente cinco andares – ou 10 pontos percentuais agregados. Ou seja: Bolsonaro sobe cinco andares suplementares e Lula da Silva cai na mesma proporção.
Entre os homens evangélicos a jornada segue o mesmo princípio, com a diferença estabelecida de seis pontos percentuais, que, em combinação de sobe-desce consequente, alcança 12 pontos percentuais.
MARGEM SONEGADA
O Datafolha e a Folha de S. Paulo sonegam persistentemente a margem de erro efetiva quando se trata de recortes dos dados primários, ou seja, envolvendo dados secundários e muitas vezes terciários. a elasticidade editorial perderia qualquer consistência jornalística. É preferível omitir ou mentir aos eleitores para sustentar uma pauta fajuta.
O Ombudsman da Folha de S. Paulo é um paspalhão. Não respeita os leitores, que o sustentam. Palavra de quem foi oficialmente duas vezes o único Ombudsman da história do Diário do Grande ABC. E que segue sendo um Ombudsman não autorizado e vigilante.
Para que não haja dúvida sobre o passado de críticas às indecorosas injunções de pesquisas eleitorais, veja o que escrevi em 2014. Poderia rebocar algumas dezenas de textos semelhantes. Vão apenas alguns trechos sob o título que se segue:
Margem de erro alta é margem de
manobra em pesquisas eleitorais
DANIEL LIMA - 01/10/2014
Quanto maior a margem de erro mais a margem de erro se transforma em margem de manobra em pesquisas eleitorais e se pesquisas eleitorais se submetem à margem de manobra tudo indica que a margem de erro é apenas um efeito marquetológico para ludibriar o distinto público. Entenderam? Se não entenderam, leiam novamente o enunciado propositalmente embaralhador à compreensão. Dois pontos percentuais de margem de erro já dão um senhor salvo-conduto aos institutos de pesquisa, porque para mais ou para menos a banda que parece estreita fica larga com quatro pontos percentuais de imunidade. Imaginem então margem de erro de cinco pontos percentuais, que, no limite técnico-conceitual significa 10 pontos de diferença entre os candidatos quando se jogam para cima os números de um e para baixo os números de outro.
MAIS 2014
Escrevo a propósito dos resultados que o DGABC Pesquisas, instituto vinculado ao Diário do Grande ABC, apresentou há duas semanas tanto para a Presidência da República como para o governo do Estado. O DGABC é um enorme ponto de interrogação de credibilidade metodológico quando visto por gente que não se conforma com opacidade e quer muitas luzes, luzes e mais luzes sobre tudo que diz respeito ao interesse da sociedade, mesmo uma sociedade invertebrada como a da Província do Grande ABC. Tenho uma birra indisfarçável com margem de erro de cinco pontos percentuais porque como consumidor ávido por dados estatísticos, inclusive eleitorais, uma de minhas paixões, sinto-me entregue às baratas quando a elasticidade dos resultados permite manipulações antes e depois das disputadas.
MAIS 2014
Entendo que mais que margem de manobra, margem de erro de cinco pontos percentuais é margem a todo o tipo de especulação. Quem adota medida tão flexível quer mesmo é se safar de eventuais fracassos estatísticos que uma margem mais estreita escancararia, por mais cautelar que uma margem de dois pontos, por exemplo, seja em favor dos responsáveis como blindagem a surpresas de última hora. Me diga o caro leitor se é possível considerar empate técnico entre dois candidatos sendo que o primeiro colocado conta com 55% dos votos e o outro com 45%? Pois é assim que a margem de erro de cinco pontos percentuais para cima e para baixo define uma sondagem porque quem tem 55% pode ter 50% e quem tem 45% pode ter os mesmos 50% ou mesmo quem tem 55% pode ter 60% e quem tem 45% pode ter 40%. Convenhamos que essa é uma brincadeira numérica de mau gosto que somente os estatísticos acovardados são capazes de proporcionar.
MAIS 2014
Voltando aos números do DGABC Pesquisas, constato ao ler o material publicado em 14 de setembro que Marina Silva apontada como primeira colocada em todos os municípios locais, em manchetíssima de primeira página do Diário do Grande ABC, só estaria tecnicamente em primeiro lugar em São Caetano, Mauá e Ribeirão Pires caso seja aplicada a margem de erro de cinco pontos percentuais. Nas demais cidades (Santo André, São Bernardo, Diadema e Ribeirão Pires), conforme se mexe no tabuleiro da margem de erro, poderia se caracterizar empate técnico com a presidente Dilma Rousseff. Aos incrédulos, passo adiante os exemplos. Em Santo André, o DGABC Pesquisas apontou que Marina Silva contava com 33,7% dos votos estimulados, contra 26,4% de Dilma Rousseff. Incrementem a margem de erro para cima na candidatura de Dilma Rousseff e a presidente da República salta para 30,4%. Sincronizadamente tire cinco pontos percentuais de Marina Silva e a ambientalista cai para 28,7%. Pronto, a diferença caracteriza empate técnico. Agora, experimentem injetar cinco pontos percentuais nos números de Marina Silva, que saltaria a 38,8% e retirem cinco pontos percentuais de Dilma Rousseff, que cairia de 26,4% para 21,4%, e está feita a lambança.
MAIS 2014
Em São Bernardo se daria algo semelhante: Marina tem 36,3% dos votos contra 27,8% de Dilma Rousseff. Quando se aplica a margem de erro de cinco pontos para mais e para menos, Marina pode ter 31,3% e Dilma Rousseff 32,8%. Ou Marina pode ter 41,3% e Dilma Rousseff 22,8%. Não é de lascar? Em Diadema os números de Marina Silva sairiam dos 36% da pesquisa do DGABC para 31% na condição de margem de erro para baixo, contra 33,8% de Dilma Rousseff primariamente com 28,8%, ou os números de Marina saltariam a 41% e os de Dilma mergulhariam nos 23,8% quando aplicada a margem de erro de cinco pontos percentuais para baixo.
MAIS 2014
Em Rio Grande da Serra os 38,3% originais de Marina Silva poderiam ser 33,3% contra 40,3% de Dilma Rousseff ao se incrementarem cinco pontos percentuais aos 35,3% originais, como também poderiam ser 43,3% favoráveis a Marina Silva contra 30,5% de Dilma Rousseff ante a aplicação do viés de mais para a opositora e o viés de menos à petista. Nos outros três municípios da Província do Grande ABC, segundo os dados do instituto de pesquisas do Diário do Grande ABC, Marina estava solidamente na liderança porque a explosiva margem de erro de cinco pontos percentuais não demoliria o capital de votos amealhado pelos entrevistadores. Em São Caetano Marina somou 38,5% ante 18,3% de Dilma Rousseff, em Ribeirão Pires chegou a 39,8% contra 24% da petista e em Mauá atingiu 42,8% ante 25,3% de Dilma Rousseff.
Mais 2014
Tudo isso que escrevi a título desclassificatório da margem de erro de cinco pontos percentuais já utilizada pelo Diário do Grande ABC em outros trabalhos perde a validade analítica, mas mantém a robustez exemplificadora se a margem de erro da pesquisa realizada para a presidência da República em 14 de setembro for diferente desses enunciados. Como o jornal publicou a matéria sem especificar esse que é um ponto elementar à interpretação dos números, e como estou longe de ter certeza de que são realmente cinco pontos percentuais, tanto quanto não tenho certeza de que a margem é mais estreita, deixo para os próximos dias eventuais explicações. Até porque, deve vir por aí a última pesquisa do DGABC antes das disputas do próximo domingo e a publicação terá condições de esclarecer a metodologia nesse ponto. Pelo menos nesse ponto.
Tomara que seja menos, muito menos, porque, assim, os resultados apresentados oferecem um campo de exatidão mais adequado a eventuais, por que não dizer necessárias, interpretações sobre o movimento das águas de 14 de setembro e da próxima data da nova operação que visa antecipar os resultados na região.
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