Não encontro um sociólogo, um antropólogo, um politólogo, um palpitólogo, um cientista político, ninguém, absolutamente ninguém, com competência, zelo e despido de vieses ideológicos para explicar o Voto Escancarado e o Voto Envergonhado nas eleições de menos de duas semanas para a Presidência da República.
O que quero saber e ninguém me explica, só palpita, quando palpita, é como um candidato que está em segundo lugar em quase todas as pesquisas têm o domínio completo no jogo de ruas e avenidas, de praças e botecos, enquanto o candidato líder nas pesquisas está acuado e só se reúne entre os seus, em recintos geralmente fechados, controlados e tudo o mais.
É disso que se trata. Minha pergunta é simples e diretíssima.
PLACARES DISSONANTES
O Voto Escancarado em Jair Bolsonaro é disparadamente mais apoiado publicamente.
O Voto Envergonhado em Lula da Silva é relativamente dominador nas pesquisas eleitorais. Como se explica?
Notem bem: o que quero mesmo é entender esses placares dissonantes das pesquisas eleitorais e nas ruas. Nada mais.
Parece não haver na literatura política mundial, em regime democrático, nada semelhante.
APENAS UM LADO
Não fossem as evidências de que somos um País democrático, observadores internacionais poderiam dizer, com base nas manifestações públicas e nos resultados das pesquisas, que somos um país autoritário, de mão-única a carregar a paixão política nas ruas e avenidas. Ou seja: o outro lado estaria proibido.
Procurei, fiz uma varredura completa, fiz o diabo para encontrar alguma coisa que me levasse a entender essa dicotomia social, por assim dizer, e nada vezes nada apareceu em forma de resposta por mais razoável que fosse.
Há compulsória contrariedade à lógica embutida nas probabilidades.
LADOS DISTINTOS
Como se pode admitir que um candidato que não tem supostamente o mesmo tônus eleitoral do outro nas sondagens eleitorais é massacrantemente o preferido nas manifestações públicas enquanto o outro, abundantemente sufragado nas planilhas dos entrevistadores de institutos de pesquisas, não reúne quase ninguém nas praças públicas?
Não é por acaso que o Voto Escancarado em Jair Bolsonaro coloca em xeque o Voto Envergonhado em Lula da Silva.
Não é por acaso também que o Voto Envergonhado em Lula da Silva coloque em xeque o Voto Escancarado em Jair Bolsonaro.
Não quero meter o bico nessa briga, mas é impossível deixar de meter.
Pela ordem natural das coisas, quem tem mais representatividade política na sociedade leva muito mais gente a se expor publicamente como apoiadores em relação àqueles com representatividade política menos pronunciada.
FRAÇÕES NATURAIS?
É assim que devemos enxergar as coisas ou não passo de um otário juramentado que estabelece ou pretende estabelecer uma regra básica que conflitaria com a lógica político-social, mesmo que o conceito de suposta lógica político-social possa ganhar o tom de heresia?
O Voto Escancarado em Jair Bolsonaro não seria a fração natural dos apoiadores de Jair Bolsonaro que se manifesta de forma mais desinibida, mais intensa, enquanto as frações sempre em numerosidade inferior e controlada de Lula da Silva não seria a fração exatamente proporcional à representatividade geral dos votos que seriam destinados ao ex-presidente em dois de outubro?
Seria correto dizer que tanto o volumoso Voto Escancarado em Jair Bolsonaro quanto o reticente Voto Escancarado em Lula da Silva se manifestariam publicamente nas exatas proporções que se dariam como métricas da realidade que quase todas as pesquisas eleitorais contradizem?
PROPORCIONALIDADE?
Repito: as diferenças em volume e entusiasmo seriam exatamente proporcionais à representatividade geral dos dois candidatos no universo dos eleitores sobre os quais têm a preferência?
Essa é uma pergunta que me intriga e que colide com o que tudo que está aí, embora tudo o que está aí não seja garantidamente uma realidade explicável com clareza e sem paixão.
Como sustentar uma correlação unidirecional entre pesquisa e reação pública sem deixar espaço ao outro lado da moeda, ou seja, uma correlação irregular e intrigante entre pesquisas eleitorais e reação pública?
É essa equação que coloco à apreciação. Não encontrei nada até agora que me convencesse sobre o caminho que deveria ser seguido em direção à retirada dos pontos de interrogação. Muito mais que isso: cada nova frase que surge há espaço subjetivo à elasticidade de conceitos.
DÚVIDA COMPORTAMENTAL
Não consigo me convencer de que pesquisas e manifestações públicas têm uma lógica de coerência convergente. Tampouco do contrário, de incoerência errática. Esse é o ponto de discórdia estrutural.
Há uma enorme dúvida comportamental dos eleitores brasileiros nestas eleições e não apareceu ninguém para sustentar alguma coisa razoavelmente consistente no sentido de que há sim uma rede de conexões antropológicas, filosóficas, políticas, partidárias e o escambau a sustentar resposta convincente.
Se ainda tem gente que não entendeu o Voto Envergonhado em Lula da Silva e o Voto Escancarado em Jair Bolsonaro não custa refletir mais um bocadinho.
Se tem gente que ainda não entendeu o Voto Escancarado em Lula da Silva e o Voto Envergonhado em Jair Bolsonaro não custa refletir mais um bocadinho.
Sim, porque a recíproca é verdadeira mesmo. Da mesma forma que há o Voto Envergonhado em Jair Bolsonaro, há também o Voto Escancarado em Lula da Silva.
TAMANHO DOS VOTOS
Qual é o tamanho do Voto Envergonhado em Jair Bolsonaro que não se manifesta publicamente e qual é o tamanho do Voto Escancarado que os eleitores de Lula da Silva não traduzem publicamente e que por isso mesmo ganha o tom predominante de Voto Envergonhado puro?
Como consumidor doentio de pesquisas eleitorais, sei que sei que Lula da Silva domina com larga vantagem os eleitores de recebem até dois salários mínimos e que, na medida em que avançam filtros econômicos, que alimentam a fornalha de escolaridade, o ex-presidente vai perdendo a força e os votos prevalecem a favor de Jair Bolsonaro.
MODULANDO EXCLUÍDOS
Lula da Silva sustenta a liderança da maioria das pesquisas porque tem os mais pobres e miseráveis no cabresto, depois de os descobrir com a invenção bem-sucedida do Bolsa Família.
Não à toa Lula da Silva estoura no Nordeste cartográfico de nove Estados que todos conhecem e no Nordeste de volumosas periferias urbanas nas regiões metropolitanas.
Só de pobres e miseráveis o Grande ABC tem o equivalente a uma Diadema e a uma São Caetano em tamanho de famílias.
A suspeita de que haveria maracutaias nas pesquisas que apontam Lula da Silva muito à frente de Jair Bolsonaro (inclusive com suposta possibilidade de matar o jogo no primeiro turno) está na desconfiança de que haveria artificialidade representativa dos pobres e miseráveis, que, à luz da realidade, não seriam metade do eleitorado.
Os pobres e miseráveis seriam pelo menos 14 pontos percentuais abaixo disso. Institutos de pesquisa batem cabeça em torno desse dimensionamento. A Folha é pelos 50%. A Genial/Quaest por 34%.
Esses 14 pontos percentuais que os pobres e miseráveis perderiam no computo geral seriam transferidos a quem ganha de dois a cinco salários mínimos, corte do eleitorado no qual prevalece Jair Bolsonaro.
UM PONTO-CHAVE
Ou seja: um ponto-chave à eventual destruição do enigma das ruas e avenidas, das praças e dos ambientes fechados que tornam o Voto Escancarado uma marca prevalecente de Bolsonaro e o Voto Envergonhado uma marca dominadora de Lula da Silva, está justamente nessa distribuição do eleitorado.
Se os pobres e miseráveis forem mesmo a metade dos eleitores, Lula da Silva do Bolsa Família da memória da maioria dos pobres e miseráveis estaria com a vitória quase assegurada.
Se, por outro lado, houver mesmo a confirmação de um refinamento numérico e proporcional do eleitorado de dois a cinco salários mínimos, favoráveis a Jair Bolsonaro, o bicho das apurações vai pegar.
POR QUE TANTO?
Mas, mesmo que o bicho das apurações de primeiro turno pegue para valer com a reconfiguração de pobres e miseráveis, o que se pergunta é como pode haver tanta diferença entre o Voto Escancarado em Jair Bolsonaro e o Voto Envergonhado em Lula da Silva?
Afinal, há provas provadas e documentadas de que o que se passa em público é um fenômeno eleitoral jamais visto no País.
Seria o Voto Envergonhado em Lula da Silva um outro fenômeno também jamais visto no País?
O que quero mesmo é que apareça alguém com gabarito, isenção ideológica, fundamentação teórica, estudos e tudo o que for possível para me convencer com argumentos de que o Brasil não vive para valer uma sinuca de bico avaliativa.
Não quero opinião porque todo mundo tem direito a opinião. Quero é argumentação.
VELHA IMPRENSA
A poucos dias das eleições de dois de outubro, o que sei sem pestanejar e isso é uma barbada é que quem já perdeu a disputa eleitoral desta e de muitas outras temporadas que virão é a Velha Imprensa.
Jamais se viu na história do jornalismo nacional tamanhas sandices unilaterais. Vivemos o fim dos tempos do jornalismo profissional. Verdades absolutas se perdem no cipoal de meias-verdades e omissões completas.
Falta hombridade, decência e tudo o mais a profissionais que nadam em salários vultosos e agem com servilismo alucinante, despudorado. William Bonner (e a abertura da entrevista amistosa com o ex-presidente) é a antítese do jornalismo que todos pretendemos. É uma louvação ao crime.
INESCRUPULOSOS
Profissionais de jornalismo se dobram a padrões inescrupulosos. Mostraram a verdadeira face de indecências quando encalacrados por um presidente da República que, bobagens à parte, não se submeteu aos padrões delinquenciais de coberturas jornalísticas irresponsáveis, mentirosas, enganadoras e enviesadas de produtos que sempre fizeram vistas grossas às bandidagens desmascaradas pela Operação Lava Jato.
O jornalismo da Velha Imprensa é um atestado de óbito de práticas democráticas, embora insista numa ladainha fajuta de que pretende proteger o pior dos regimes, exceto os demais.
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19/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (24)