É claro que não é só por conta da ausência de Janaina Paschoal (derrotada para o Senado) e de Joice Hasselmann (trucidada pela deserção bolsonarista) que Carolina Serra e Carla Morando estouraram a boca do balão e se elegeram com folga deputadas estaduais. Espaço deixado não é espaço ocupado aleatoriamente.
As duas candidaturas, com amplo suporte logístico dos respectivos maridos, prefeitos das duas cidades mais importantes da região, souberam capitalizar o vazio das urnas deixado pelas duas mulheres que mais brilharam em 2018.
Carla e Carolina fizeram uma coreografia eleitoral própria. Deram-se bem.
Talvez seja sonhar acordado imaginar que Carolina e Carla vão estar deliberadamente unidas na Assembleia Legislativa. Elas têm maridos que não se conversam, embora tenham sido amigos num passado recente.
Mas é também difícil imaginar que não atuarão alinhadas pelas necessidades e, quem sabe, convicções.
REAÇÃO Á ORFANDADE
Órfãs do PSDB, banido do mapa eleitoral de um Estado em que governou por três décadas, Carolina e Carla devem se aproximar do próximo governador se o próximo governador for o amarelado Tarcísio de Freitas.
É impensável que Carla Morando se aproxime de um governador petista como Fernando Haddad. Há uma linha demarcatória entre Orlando Morando e Luiz Marinho, eleito deputado federal e de olho no Paço Municipal em 2024.
O território de São Bernardo é uma mistura de azul e vermelho desde que o movimento sindical entrou em cena. No primeiro turno último, Lula da Silva obteve a maioria dos votos.
PAULINHO FLEXÍVEL
Quanto a Paulinho Serra, a equação pode ser menos convictamente opositora. O tucano de Santo André tem certa intimidade com petistas históricos e conta com um patrono estadual que sabe como pouco mexer no tabuleiro de votos e de poder.
Gilberto Kassab, presidente do PSD, lembra um malabarista, quando não um equilibrista, muitas vezes um contorcionista. Lembra tudo isso a ponto de todos entenderem que é exatamente tudo isso em flexibilidades político-eleitorais. Paulinho Serra seguiria essa linha, ainda como aprendiz. O que é um diploma de maturidade quando se trata de política.
O futuro de Carla e Carolina na Assembleia Legislativa flutua em prospecções que nem sempre se consolidam. O mais importante é saber como chegaram lá.
MAIS MESMO?
Para efeitos pirotécnicos de marketing, Carolina Serra saiu mais vencedora que Carla Morando. Afinal, contou com um arsenal de 198.698 votos, ante 177.773.
Deputada mais votada da região é pouco para Carolina Serra. Ela também foi a primeira mulher mais bem votada no Estado de São Paulo. Entretanto, não custa relativizar o feito regional.
A disputa por voto em São Bernardo é sempre muito mais árdua comparativamente a Santo André. Em qualquer divisão de poder. São Bernardo é muito mais pronunciada vermelho do petismo do que Santo André de um petismo de perfil menos sindicalista.
CARLA E CAROLINA
Carla Morando venceu com votos predominantes em São Bernardo, mas não apenas em São Bernardo. A estratégia de descentralizar a campanha na região acabou certeira.
Carolina Serra venceu com votos prevalecentemente em Santo André.
Carolina obteve 77,54% dos votos num território municipal menos conflagrado politicamente.
Carla Morando obteve 62,32% de votos numa São Bernardo conflitiva.
Carolina Serra fez em Santo André 154.080 votos do total de 198.698. Não contou com um adversário sequer de peso.
PRODUTIVIDADE ALTA
O PT de Santo André, em termos municipais, está morto e enterrado. Em termos federais, como mostrou a votação de Lula da Silva, ainda é poderoso.
O campo foi preparado para que Carolina Serra obtivesse produtividade elevadíssima.
Carolina Serra teve um foco certeiro para conquistar o eleitorado: trabalhou intensamente como primeira-dama dos excluídos sociais, uma massa que abunda em Santo André.
Carolina Serra teve projeto e o executou com programas específicos e bem estruturados.
JOGO PESADO
Carla Morando obteve 110.802 votos numa São Bernardo em que dois outros deputados estaduais foram consagrados, ambos do PT e que concorreram à reeleição: o sindicalista Teonílio Barba e Luiz Fernando Teixeira.
Proporcionalmente em relação aos ativos gerais de votos, Carolina Serra registrou provavelmente a maior votação à Assembleia Legislativa na história: obteve 37,96% dos votos válidos em Santo André. Carla Morando, mesmo liderando a disputa em São Bernardo, registrou 24,79%.
Carla Morando, Teonílio Barba e Luiz Fernando Teixeira deram a São Bernardo quase a metade dos deputados estaduais da região. Carolina Serra, Thiago Auricchio (São Caetano), Rômulo Fernandes e Atila Jacomussi (Mauá) completaram a equipe.
São Bernardo também elegeu dois deputados federais (o vice-prefeito Marcelo Lima e o reeleito Alex Manente), enquanto Santo André bancou a vitória de Fernando Marangoni.
MUITA INTERSECÇÃO
Não há equívoco em colocar praticamente no mesmo balaio vencedores e concorrentes a vagas à Assembleia Legislativa e à Câmara Federal para explicar endereço municipal.
O ambiente da disputa se mistura. Parcerias estratégicas são montadas. Carla Morando contou com o suporte (e a recíproca é verdadeira) do vice-prefeito Marcelo Lima. Carolina Serra com dobradinhas flexíveis, inclusive com Alex Manente e o também eleito Fernando Marangoni.
Ou seja: quando se pretende duvidar da influência nas eleições de 2018 da dobradinha Janaina-Hasselmann, que disputaram cargos diferentes, não se observa com a devida atenção esses vasos comunicantes que subjetivamente induz os eleitores – quando não explicitamente.
MAIS CARLA FORA
Fora dos domicílios eleitorais, Carla Morando e Carolina Serra se provaram distintas. O peso eleitoral da mulher de Orlando Morando foi maior nos demais municípios da região, nos quais obteve 27.903 votos ante 20.762 de Carolina Serra.
No cômputo geral, Carla Morando registrou 15,69% dos votos no Grande ABC, excetuando-se São Bernardo. Já Carolina obteve 10,45% fora de seus domínios.
De qualquer forma, os índices de regionalidade dos votos das duas deputadas foram elevadíssimos no Grande ABC. Carla Morando alcançou 78,02% nos sete municípios. Carolina Serra chegou a 88%.
TACADA CERTA
Priorizar a geografia regional em busca de votos proporcionais é uma tacada certa quando se tem todos os meios ou quase todos os meios para tanto, casos das duas mulheres de prefeitos incumbentes.
Há uma confluência de alta produtividade quando se juntam investimentos à empreitada e resultado das urnas.
Como se explicaria isso numa região periférica da Capital e num mundo em que tecnologia portátil tem cada vez mais peso?
ESPAÇO FAVORÁVEL
Com dinheiro farto, a densidade demográfica do Grande ABC, de quase quatro mil habitantes por quilômetros quadrados, oferece oportunidade rara de mobilização e sensibilização.
Os espaços públicos da região foram tomados pelos candidatos vitoriosos nos últimos 30 dias da disputa, período, de fato, em que os eleitores começam a entender a disputa proporcional. Sobretudo nos últimos 10 dias o que se viu foi uma avalanche identificadora de favoritismos.
A região do Vale do Paraíba, que não elegeu um deputado federal sequer, é a antítese dessa equação. Com território físico muito maior e longe da densidade demográfica do Grande ABC, os candidatos gastam proporcionalmente muito mais e observam o eleitorado cada vez mais suscetível às redes sociais de invasores.
AVANÇO DIGITAL
Também pesou nos resultados das duas deputadas da região (e dos demais eleitos) um despertar para as redes sociais. Os aparelhos celulares viraram palanques eleitorais menos submetidos ao imperialismo de concorrentes de outras esferas geográficas. Em 2018, os concorrentes locais pareciam ignorar complemente os efeitos da Internet.
Portanto, juntar a materialidade das ruas, de manter contatos com os eleitores, e a sensibilização dos aparelhos celulares se mostrou uma ação arrasadora àqueles que contaram com maiores apetrechos eleitorais.
Não é a primeira vez nem será a última que vou escrever sobre o ambiente eleitoral no Grande ABC, tanto nos aspectos internos quanto externos.
Carla Morando e Carolina Serra capitalizaram nas ruas e nos aparelhos celulares todas as vantagens de um momento muito especial, de ocupação de espaços de concorrentes externas eliminadas.
Mas, a bem da verdade, atuaram de forma intensa. Não se fazem vencedores eleitorais apenas com ideias, dinheiro e propostas. Também é preciso provar realizações. Carolina e Carla provaram. O empobrecimento regional é um campo fértil a concorrentes com sensibilidade social.
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19/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (24)