Política

Borralheirismo: querem mais
um no Clube dos Deputados

DANIEL LIMA - 05/10/2022

O Complexo de Gata Borralheira do Grande ABC, tema que me levou a escrever há 20 anos um livro campeão de audiência regional, manifesta-se pós eleições. Querem botar no Clube dos Deputados (Estaduais e Federais) a empregada doméstica Ediane Maria, do PSOL.  

A iniciativa tem o mesmo sentido de o Corinthians exigir da CBF um reconhecimento de feminismo esportivo ao pretender escalar uma das meninas tetracampeãs brasileiras na decisão da Copa do Brasil contra o Flamengo.  

Ediane Maria obteve 175.617 votos. Foi a vigésima mais votada no Estado. Ediane Maria mora do Sítio dos Vianas, um dos muitos nichos de pobreza e miséria de um Grande ABC com mais de 400 mil famílias de excluídos.  

NORDESTE É AQUI  

Temos um Nordeste espalhado pelo território regional, sobretudo nas periferias. A miséria do Grande ABC infiltrada nos bairros de classe média e de nichos de ricos é uma miséria pouco visível também porque é minoritária. Já nas franjas, é arrasadora, porque majoritária.  

Não à toa o PT voltou a reinar nas periferias do Grande ABC e da Grande São Paulo. Mapas eleitorais provam o viés político de uma sociedade em constante derrocada.  

Onde o Estado vai mal, proliferam ilusões e desilusões. E o Estado no Brasil vai mal de cabo a rabo, inclusive onde reina prosperidade, porque a prosperidade seria maior se o Estado não atrapalhasse tanto.  

ENDEREÇO ESTADUAL  

Colocar Ediane Maria no Clube dos Deputados do Grande ABC tem também o mesmo sentido de achar que o astronauta eleito senador por São Paulo veio de Marte.  

Ediane Maria é resultado de um trabalho político-eleitoral-social do PSOL de Guilherme Boulos, deputado federal mais votado no Estado de São Paulo.  

Tanto quanto Boulos, Ediane não tem endereço municipal eleitoral. Tem domicilio municipal. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Ediane conta mesmo é com endereço eleitoral estadual.  

Aliás, no caso específico de Ediane Maria, dizer que conta com domicílio eleitoral municipal pode ser um erro. Não se tem informação de que seja proprietária da moradia que ocupa. Ediane seria ocupante ou proprietária?  

SEM DISCRIMINAÇÃO  

A pergunta não tem sentido discriminatório. E apenas curiosidade profissional. Quem se der a conhecer minha história vai cair do cavalo se me atribuir preconceito social. 

A ressalva é obrigatória porque vivemos tempos escancaradamente intolerantes, maledicentes e irresponsáveis. Antes desses tempos tínhamos tempos iguais, mas camuflados. A tecnologia de bolso escancarou desumanidades.  

Vou mais longe: a eleição de Ediane Maria significa uma vereda à democratização de grupos excluídos que não precisariam de tutelas agressivas e personalistas para desempenharem com dignidade um papel importante em busca de equilíbrios sociais que não passem por estratégias absolutistas e autoritárias de falsos pregadores.  

MADA REGIONAL  

Ediane Maria é tão desconhecida na região que somente agora algumas mídias decidiram puxá-la para o Clube dos Deputados. Gataborralheirismo puro, que não passa por qualquer critério de legitimidade política.  

A maior prova entre tantas de que Eliane Maria não tem e nem pode ter carteirinha que a identifique como integrante do Clube dos Deputados do Grande ABC é que da montanha de quase 200 mil votos obtidos em dois de outubro, apenas 13.021 foram registrados nas urnas das sete cidades da região. Isso dá exatamente 7,41% dos eleitores que a consagraram.  

Bastaria isso para retirá-la do Clube dos Deputados do Grande ABC, no qual, a bem da verdade, poderá ingressar, por que não?, desde que se dedique a valer a um projeto de regionalidade.  

CONCEITO ESTRAGADO  

O avacalhamento do conceito de regionalidade é um perigo constante. Vira e mexe aparece alguém se dizendo regionalista, mas na prática pouquíssimas expressões do mundo político, social e econômico honram a camisa que Celso Daniel vestiu pela primeira vez entre os homens públicos.  

LivreMercado/CapitalSocial, por conta da atuação deste jornalista, o fez antes mesmo da criação do Clube dos Prefeitos, em 1990.  

Se me permitirem os leitores, faço uma rápida marcha-a-ré no tempo. Uma única vez almocei com o prefeito Celso Daniel, seis meses antes do assassinato. Não me esqueço de uma frase do então já convidado a integrar o pelotão de frente da candidatura de Lula da Silva à presidência da República, em 2002.  

RESTOU UM?  

Disse Celso Daniel: “Somos três os únicos regionalistas que podem contribuir para o futuro da região”. Imediatamente perguntei “Somos três? Quem somos três?”. 

Celso Daniel respondeu: você, o Alexandre Polesi e eu”. 

Não respondi o que deveria ter respondido, ou seja, que havia mais um punhado de gente que poderia entrar no time do regionalismo comprometido. Deveria ter dito.  

Conclusão? Celso Daniel morreu, Alexandre Polesi deixou o comando de Redação do Diário do Grande ABC, no qual fez um ótimo trabalho (mesmo com negligências editoriais quanto à desindustrialização) e eu estou aqui feito palhaço de circo, agora com uma nova proposta pró-regionalidade, que vou explicar na próxima semana.  

MUITA MUDANÇA  

E, diferentemente daquele 2001 com Celso Daniel, lamento que o pelotão de regionalistas tenha sofrido dieta rigorosa por conta do tempo devastador que desfalca o time dos vivos e engorda o time dos oportunistas.  

De resto, nenhuma mídia ao longo da história atuou mesmo e para valer tendo como plataforma suprema critérios de regionalidade muito acima de municipalismos trôpegos e interesseiros. Mas isso é outra história. 

Ediane Maria foi tão bem votada no Estado que rivalizou números finais com as duas deputadas eleitas majoritariamente no Grande ABC, como detalhei na edição de ontem.  

MULHERES REGIONAIS  

Carolina Serra, mulher do prefeito de Santo André, registrou o total de 198.698 votos, dos quais 88% no Grande ABC. Carla Morando, mulher do prefeito de São Bernardo, amealhou 177.773 votos, dos quais 78% no Grande ABC.  

Os 7,41% dos votos totais de Ediane Maria no Grande ABC são o testemunho de um discurso regionalista fraudulento de quem a coloca no Clube dos Deputados.  

Tudo isso não significa, claro, que a candidata eleita não tenha apetrechos de legitimidade funcional tanto quanto Carla Morando e Carolina Serra. Só não pode ser atribuída a ela condição geopolítica regional.  

EXPLICANDO O CLUBE  

Para completar, cabe explicar a marca de Clube dos Deputados do Grande ABC, ao invés de aceitar a expressão Bancada Regional ou equivalentes.  

Talvez nem mesmo Clube dos Deputados seja marca corretamente aplicada aos novos eleitos, assim como aos antecessores da região nas duas casas de leis.  

Entretanto, cabe utilizar Clube dos Deputados tendo como paralelismo conceitual o que chamo de Clube dos Prefeitos, oficialmente Consórcio Intermunicipal de Prefeitos. 

Como assim? Não é a primeira nem será a última vez que uso Clube dos Deputados como sinônimo dos legisladores da região na Assembleia e na Câmara Federal.  

SINTONIA FINA  

Há uma sintonia fina que liga Clube dos Prefeitos e Clube dos Deputados. Qual? Ineficiência crônica em priorizar os grandes problemas da região. Não mais que tudo isso. 

Viram por que na campanha eleitoral que acabou de acabar e definiu as novas pedras do jogo desse tabuleiro de representação legislativa eu lancei a campanha “Vote no Grande ABC. O resto a gente resolve depois?”.  

Pois é: o depois acabou de chegar. E quando o depois vira presente, tudo muda. A começar pela metralhamento de designações gataborralheirescas, como a que envolve a milagrosa empregada doméstica que virou deputada estadual.  

Ediane Maria, do PSOL, é mulher, negra e pobre. A cara da periferia maltratada por um Estado que, vejam só, o partido ao qual pertence é um dos propagandistas viscerais de estatismo amplo  e comprovadamente fracassado.



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