O leitor vai ter a oportunidade de acompanhar um debate virtual entre este jornalista e um acadêmico da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de Campinas recheadíssimo de títulos. O texto do economista e pesquisador escolhido pela Folha de S. Paulo para defender o indefensável (a honra perdida dos institutos de pesquisa no primeiro turno da disputa presidencial) é a comprovação de que de maneira generalizada a universidade distancia-se cada vez mais da sociedade.
Alguém que se dispõe a escrever o que escreveu Samuel Mendonça, o acadêmico em questão, deveria saber que correria o risco de ser desmascarado. E o desmascaramento é automático. Afinal, diferentemente do que se supunha pelo espaço ocupado e pela missão impossível de ser cumprida, esperava-se mais destreza explicativa e argumentativa.
INTERVENTOR
Samuel Mendonça pode ser capacitado em muitas coisas, porque currículo não lhe falta, mas em matéria de comprometimento vinculado à importância de tratar pesquisas eleitorais como ferramenta de responsabilidade social, a distância é estratosférica.
Afinal, Samuel Mendonça demonstrou completo desconhecimento. Como os leitores poderão ver em seguida. Mais que desconhecimento: postou-se como interventor supostamente científico na tentativa de sufocar a realidade dos fatos. Ele simplesmente não foi capaz de concatenar praticamente nada que livrasse a cara do Datafolha e da Folha de S. Paulo.
Este é mais um novo texto que produzo tendo pesquisas eleitorais como tema. Essa intimidade com estatísticas que induzem parte do eleitorado a escolher determinados candidatos vem de longe. Está completamente fora do radar específico da disputa presidencial desta temporada.
SEM AUTORITARISMO
Pena que de maneira geral o Brasil não tenha mais que um ou outro profissional de comunicação com conhecimento suficiente para engrossar a lista de quem quer ver os institutos de pesquisa sob os rigores da lei, porque se trata de um negócio rentável e pouco comprometido com a verdade.
E os rigores da lei são as leis que poderiam sair de um Congresso Nacional sem autoritarismo. E autoritarismo seria a aplicação de legislação proibitiva às pesquisas. Deixem os institutos ditos especializados bateram as asas rumo ao desprezo da sociedade. Deixe-os, mas acrescente ao cardápio de vagabundagens em geral uma legislação que, entre outras medidas, desvende toda a maquinaria que alimenta esse monstro protegido pelo fetiche de ciência.
Agora, vamos ao debate virtual com o colaborador da Folha de S. Paulo, professor da PUC-Campinas e pesquisador do CNPq, autor de “Aristocratic Education in Nietzsche: Individual Achievement” (2018); e produtor de conteúdo do canal “Topa Pensar?” (YouTube)
SAMUEL MENDONÇA
Finalizado o primeiro turno das eleições presidenciais no Brasil, há um movimento de desqualificação das pesquisas de intenções de voto por Jair Bolsonaro (PL). Ele se manteve firme na leviana informação de que teria 60% dos votos no primeiro turno, pelo que nomeou "Datapovo". Interessante que apoiadores de Bolsonaro não questionam este falso "instituto", dado que ele terminou o pleito com 43%, mas atacam o Datafolha, justamente aquele que se baseia em evidências e se utiliza da matemática como fundamento da construção do conhecimento.
CAPITALSOCIAL
O acadêmico da PUC-Campinas envereda pelo caminho da maliciosidade argumentativa. Tudo está claramente tipificado ao fugir da briga dos fatos. Usou contraofensiva patética ao chamar para o ringue elucidativo das pesquisas eleitorais (sobretudo do Datafolha e do comportamento editorial irresponsável da Folha de S. Paulo) o galhofeiro Datapovo do presidente Jair Bolsonaro.
É preciso ser muito ingênuo ou maquiavélico para colocar na mesa de discussão pública tamanha estultice.
O Datapovo da torcida organizada de Jair Bolsonaro é uma sátira desclassificatória que mira os institutos de pesquisa. Nada mais que isso. Nem deveria, portanto, constar de contraponto com ares de seriedade num artigo em defesa do Datafolha, por mais que o Datafolha cometa sandices juramentadas e mereça mesmo em muitas situações a contraface também satírica de Datafalha
O acadêmico da PUC-Campinas colocou no mesmo ringue um artista circense e um suposto cientista. E perdeu de lavada. Todos sabem que um (o Datapovo) não passa de corneta de picadeiro político, enquanto o outro, o Datafolha, fez do eleitorado picadeiro estatístico.
SAMUEL MENDONÇA
Deve-se reconhecer que houve discrepâncias em diferentes estados. Bolsonaro terminou o pleito tendo vencido Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no estado de São Paulo, com destaque para as cidades do interior. E Tarcísio de Freitas (Republicanos) surpreendeu, terminando na frente de Fernando Haddad (PT) na corrida para o governo. Já Sergio Moro (União Brasil) foi eleito senador pelo Paraná. No Rio de Janeiro, previa-se segundo turno, mas Cláudio Castro (PL) foi reeleito com 58,67% dos votos. Na Bahia, a fatura quase foi liquidada na etapa inicial por Jerônimo Rodrigues (PT), que ultrapassou ACM Neto (União Brasil).
CAPITALSOCIAL
Se houvesse alguém com paciência e zelo ( além de conhecimento técnico e tempo a perde) para enfileirar os pecados capitais do Datafolha antecedente imediato nas eleições de domingo, o espaço reservado pela Folha de S. Paulo precisaria ser multiplicado por muitas vezes.
O que o acadêmico da PUC-Campinas parece não ter entendido é que, seja a metodologia, seja a malandragem do questionário, o instituto que abastece a linha editorial da Folha de S. Paulo e do Consórcio de Imprensa saiu da contenda desmoralizado. O que é bem mais grave que desqualificado, como aponta o articulista.
Desmoralizado contém uma etimologia popular que aprofunda o desqualificado ao transpirar um acréscimo pecaminoso em forma de trapaça, de enganação. Desqualificar pode induzir ao erro de ação involuntária e, portanto, injusta. De vitimismo ao invés de cretinices sob o manto da ciência.
SAMUEL MENDONÇA
No entanto, não se pode desqualificar os institutos de pesquisa; ao contrário, deve-se buscar o aprimoramento dos critérios utilizados em cada pleito. É evidente que as discrepâncias colocam em questão a credibilidade dos institutos; contudo, é preciso tomar cuidado com esse tipo de discurso.
CAPITALSOCIAL
Tem razão o articulista da PUC-Campinas ao defender soluções para que os institutos de pesquisas não errem tanto e, por conta disso, não estimulem desconfianças mais que justas de que seus responsáveis estão na fila de malfeitores que poderiam ser rotulados de fichas sujas dos bastidores eleitorais.
SAMUEL MENDONÇA
A última pesquisa Datafolha, de 1º de outubro, indicou que Lula teria entre 48% e 52%, e Bolsonaro, entre 34% e 38%, já considerando a margem de erro. Lula somou 48,43%; portanto, dentro do esperado. Será que os bolsonaristas conseguem reconhecer o acerto do Datafolha no caso de Lula? Já Bolsonaro teve 43,20%, cinco pontos acima do esperado. Há razões simples que explicam o resultado: Ciro Gomes (PDT) desidratou e terminou com 3,04%, e havia ainda os votos dos indecisos.
CAPITALSOCIAL
Somente quem pretende dar tratamento privilegiado à gatunagem subjetiva e indutiva chegaria ao ponto de atribuir acerto do Datafolha ao apontar os 50% de votos a Lula da Silva na noite anterior à disputa nas urnas e, complementarmente, admitir que houve o erro único, no caso à votação supostamente subestimada do presidente da República.
Fosse especializado no artigo chamado pesquisa eleitoral, o acadêmico da PUC-Campinas jamais exporia tamanha sandice. Afinal, não se pode observar isoladamente a projeção de votos a Lula da Silva, os tais 50% de acerto.
Uma pesquisa eleitoral envolve todos os candidatos e como tal deve ser atentamente analisada levando-se em conta o potencial de dinamicidade numérica coletiva. Como um veículo, que precisa de todas as peças e acessórios para se mover, votos exigem ótica de complementaridades.
A diferença entre Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro na última pesquisa eleitoral do primeiro turno indicava nada menos que 14 pontos de distância. Com a margem de erro de dois pontos, Lula da Silva poderia ter 50% a 32 ou 46% a 36%. A diferença no campo de jogo foi de cinco pontos percentuais.
A tática utilizada está tipificada no texto da cobertura jornalística da Folha de S. Paulo da edição de domingo: a eminência de Lula da Silva fechar a disputa em primeiro turno.
Tanto que, entre outros casos, os petistas até reservaram a Avenida Paulista para a festa da vitória – e que se transformou em algo melancólico, dada a necessidade de cumprir a ocupação daquele espaço, porque a emenda, ou seja, a desistência, seria pior que o soneto.
Outra questão que o acadêmico da PUC-Campinas despreza envolve o esvaziamento das candidaturas de Ciro Gomes e Simone Tenet entre o resultado da última pesquisa e a abertura das urnas. Bobagem: tanto Ciro quando Tebet oscilaram dentro da margem de erro de dois pontos percentuais.
Prova de que falta substância técnica à argumentação do acadêmico da PUC-Campinas é que outras candidaturas (Tarcísio de Freitas, por exemplo) saltaram muito além da margem de erro e ultrapassaram os favoritos apontados pelo Datafolha. E, ao que consta, não havia Ciro Gomes e Simone Tebet entre Tarcísio de Freitas, Fernando Haddad e Rodrigo Garcia.
SAMUEL MENDONÇA
É preciso reafirmar o que se sabe: pesquisa de intenção de voto é um tipo de diagnóstico daquele momento; logo, avalia-se a tendência do voto, não o voto em si. Conseguiria o leitor compreender que o resultado tem explicação racional e é baseado em evidências?
CAPITALSOCIAL
Todo mundo é levado a acreditar que pesquisa eleitoral é uma fotografia do momento. Esse mote foi criado pelos próprios institutos de pesquisas como vacina para evitar a desmoralização que explodiu para valer no último domingo.
Não se trata de fotografia do momento porque, especialmente nos casos dos principais institutos, o que se tem é uma constante operação de campo para detectar a tendência do eleitorado. Tanto que ao fim de uma jornada de alguns meses o que se tem para valer mesmo é um recorte conectado. Como se fosse um filme. E com todas as nuances avaliativas destinadas a encabrestar os eleitores mais suscetíveis a dar crédito à manipulação disfarçada de ciência. Negar o viés prevalecente de indução ao voto, inclusive ao voto útil tão difundido nas últimas semanas do primeiro turno presidencial, é maltratar os leitores.
SAMUEL MENDONÇA
O Datafolha acertou e errou, mas o "Datapovo" de Bolsonaro só errou. Por óbvio, o primeiro se baseia em evidências, no método científico e se utiliza de recursos da estatística; o segundo não tem base em evidências, é apenas um chute que emociona os interlocutores desatentos.
Bolsonaro é habilidoso em desprezar dados objetivos e em fazer apelo às emoções. Observe que o defensor do discurso falso do presidente não se importa com informações objetivas, com evidências.
CAPITALSOCIAL
No caso de atribuir ao presidente Jair Bolsonaro a pecha de destruidor de dados objetivos o acadêmico da PUC-Campinas está forrado de razão. Tanto quanto a maioria dos políticos, que agem conforme a demanda. O eleitorado nacional e as redes sociais gostam de fanfarronices. A Velha Imprensa prefere a esperteza arrogante.
Entretanto, e isso é muito mais importante, ao dar peso significativo à galhofa do Datapovo, o acadêmico da PUC-Campinas usou estratagema típico de quem não teve um norte de convencimento para negar o inegável, ou seja, que a Datafolha, especialmente o Datafolha, é uma cordilheira de equívocos. Colocar o galhofeiro Datapovo em questão para tentar limpar a barra do Datafolha é a prova provada da inconsistência de defesa de uma causa perdida.
SAMUEL MENDONÇA
A desqualificação da ciência é recurso utilizado por Bolsonaro desde o início de seu governo. Nas fases mais duras da pandemia de Covid-19, ele menosprezou as vacinas, atacou institutos de pesquisa, fez propaganda de remédios ineficazes e, principalmente, buscou construir discurso típico de pós-verdade. Ao desprezar fatos objetivos, o discurso bolsonarista alimenta as emoções dos seguidores que propagam as mensagens falsas com empenho.
CAPITALSOCIAL
Insistindo na tática de tergiversar, estabelecendo equivalência entre pesquisa eleitoral fajuta e aberrações do presidente da República, o acadêmico da PUC-Campinas segue a enterrar o espaço nobre que a Folha de S. Paulo lhe reservou.
SAMUEL MENDONÇA
Quando alguém diz "eu não acredito em pesquisas eleitorais", basta explicar para a pessoa que não é necessário "acreditar", mas compreendê-las. É preciso observar o verbo e questionar o interlocutor sobre a diferença entre crença e evidência. Para que se acredite em algo basta ter fé; para lidar com evidências, será preciso pensar para compreendê-las. A atividade do pensamento permite até mesmo ao eleitor compreender que os institutos de pesquisa cometem erros.
CAPITALSOCIAL
Entre a crença e a evidência colocadas nos dois lados do balcão de uma disputa que pretende entender as discrepâncias do Instituto Datafolha, o acadêmico da PUC-Campinas mais uma vez despreza a inteligência alheia ou trafega pela delinquência intelectual.
O papel a que se prestou no artigo da Folha foi um duplo envenenamento da verdade: primeiro porque não demonstrou competência de articular fundamentos que retirassem o Instituto Datafolha do cadafalso de credibilidade em que se meteu. Segundo porque a Folha de S. Paulo não poderia ter escolhido alguém tão despreparado para a tarefa.
Títulos acadêmicos não conferem tônus de consistência em determinados temas.
SAMUEL MENDONÇA
Em pleno século 21, com todo o acúmulo científico e filosófico já produzidos, há quem tenha dificuldade em diferenciar crença de evidência, conhecimento de pós-verdade —daí que a manipulação de Jair Bolsonaro ganha corpo.
Talvez seja necessário combater a desinformação com o conhecimento, as mentiras com evidências. Nessa direção, os institutos de pesquisa não podem aceitar erros em seus procedimentos, sob o risco de se colocar em descrédito a importância social de pesquisas de intenções de voto.
CAPITALSOCIAL
Ao individualizar as queixas generalizadas do uso e abuso de pesquisas eleitorais, atribuindo isoladamente ao presidente da República o metralhamento dos últimos dias, o acadêmico da PUC-Campinas age com má-fé ou alternativamente como autista.
Não se dá conta, portanto, de que o Datafolha e outros institutos menos votados vivem num lodaçal de desconfiança, desclassificação e descrédito. Um trio de mazelas muito mais pesado do que simplesmente o termo “desqualificado” utilizado pelo acadêmico da PUC-Campinas. Até nisso ele não parece estar sintonizado com a realidade dos fatos.
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19/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (24)