A composição do Clube dos Deputados do Grande ABC (os sete eleitos para ocuparem a Assembleia Legislativa e os quatro à Câmara Federal) é mais uma vez o retrato de uma realidade que manchetes de jornais esquartejam porque insistem em dar corda a ilusionismos: só chegamos lá porque o voto municipalista dominou as urnas. Não há regionalismo coisa nenhuma.
Os votos municipalistas representaram 78,89% do estoque total dos deputados estaduais eleitos, enquanto os votos municipalistas significaram 63,56% do total dos deputados federais locais no Grande ABC.
Essa conta leva em consideração apenas os votos apurados em favor dos vencedores no território da região.
ABRINDO TERRITÓRIO
Se a contabilidade dos candidatos vencedores abarcar também emprestados, ou seja, obtidos em outros endereços fora a geopolítica regional, os números gerais seriam 49,50% para deputado estadual e 59,56% para deputado federal.
Traduzindo: o Clube dos Deputados Estaduais do Grande ABC não representaria mais da metade dos votos válidos conquistados pelos concorrentes vencedores, enquanto o Clube dos Deputados Federais do Grande ABC teria uma faixa um pouco superior de representação, de 59,56% -- tendo o estoque geral de votos no Estado como referencial.
SEM TRIUNFALISMO
Quaisquer números diferentes desses, sobretudo os números que tratam a regionalidade como verdadeira e intocável, como se houvesse um ambiente e programas que priorizem todo o território regional, não passarão de triunfalismo.
Pretendia matar essa abordagem numa única edição. Fosse uma edição recheadíssima de números oficiais, como os que uma e outra publicações da região adotaram, tudo estaria resolvido hoje.
Mas vou avançar numa análise inédita. Deixaria para a próxima edição uma combinação mais aprofundada de dados agregados, mas sempre com interpretação explicativa.
APENAS UM SONHO
De fato, para valer, me sinto um pateta. Embora pudesse desfraldar a bandeira do ineditismo de abordagem (ou seja, que nosso voto regional é absolutamente municipalista e excludente de regionalidade qualitativa não-eleitoral), fico imaginando por que somente agora, mesmo que à frente das demais mídias, somente agora, repito, coloquei o ovo de pé?
O voto regionalista é uma quimera desde que inventaram urna eleitoral após o esquartejamento do Grande ABC em sete pedaços municipais disformes e dissociados de qualquer prática integrativa robusta no campo institucional e econômico. Prevalece assustadoramente o voto municipalista.
DE CABO A RABO
É mesmo tão óbvio e escancarado que não existe voto regionalista no sentido que sempre se colocou, explicitamente com a chamada e farsante de Bancada do ABC, que não tem sentido abrir manchetes sobre isso.
Nosso voto é municipalista de cabo a rabo. Mesmo onde candidatos de determinados municípios da região obtém resultados interessantes fora de seu domicilio eleitoral, o voto regionalista não existe no sentido amplo.
São votos municipalistas expandidos, descolados e descomprometidos dos princípios básicos de regionalidade.
CRITÉRIO JUSTO
Vou repetir para que não haja dúvida: o Clube dos Deputados do Grande ABC eleito para tomar posse no ano que vem terá numericamente voto regional ínfimo.
Tudo isso com boa-vontade contábil. Insisto: não existe voto regionalista levando-se em conta premissas de regionalidade legadas no campo político-administrativo pelo então prefeito Celso Daniel e tampouco no campo econômico de mídia, uma herança deste jornalista na direção que já se completou 32 anos de LivreMercado/CapitalSocial.
CASA EM ORDEM
Para destruir eventuais dúvidas, não existe saída explicativa a completo entendimento dessas equações fora da conceituação pedagógica do significado de cada tipo de voto.
1. Voto municipalista é todo voto auferido por candidato da região vencedor na disputa de dois de outubro que tenha digital predominante do endereço em que mantém domicilio eleitoral e no qual atua preferencialmente.
2. Voto regionalista é todo voto auferido por candidato da região vencedor na disputa de dois de outubro que tenha digital nos demais endereços dos municípios do Grande ABC, ou seja, exceto no próprio município ao qual está envolvido diretamente. Sempre considerando que o voto regionalista é puramente político.
3. Voto emprestado (que também pode ser considerado voto estadual) é todo voto auferido por candidato da região que tenha digital nos demais endereços do Estado de São Paulo, exceto em qualquer Município do Grande ABC.
SEM PROFUNDIDADE
Qualquer um que use argumento que tente associar voto municipalista prevalecente no Grande ABC ao voto em prol da regionalidade provavelmente se candidatará ao troféu de ingenuidade ou malandragem semântica. Não há nenhuma conexão entre uma coisa e outra coisa.
Sem bases de entranhamento sistêmico dos sete municípios de quase três milhões de habitantes, exceto de conurbação territorial, o contingente de mais de 1,5 milhão de eleitores segue regras municipalistas porque os candidatos também o fazem nesse sentido.
Há exceções que confirmam a regra. Mas, nesses casos, os descolamentos são uma espécie de tentativa de sobrevivência eleitoral, tanto no campo regional quanto no Estado como um todo.
São candidatos que sabem que os municípios aos quais estão conectados diretamente já têm concorrentes fortes demais.
CINCO MUNICIPALISTAS
Cinco dos 11 integrantes do Clube dos Deputados do Grande ABC obtiveram nas urnas eletrônicas de dois de outubro o predomínio quase avassalador de votos municipalistas.
Um dos representantes da região em Brasília, vice-prefeito de São Bernardo, Marcelo Lima, carregou praticamente a metade dos 110.430 votos no próprio domicilio eleitoral. Foram 55.119. Metade adicional, 24.119, foi amealhada nos demais municípios da região. E o restante, 28,15%, foram votos emprestados no Estado. Sem os votos de fora, inclusive dos demais municípios da região, Marcelo Lima não teria sido eleito.
Carolina Serra, mulher do prefeito Paulinho Serra, obteve o total de 198.698 votos, dos quais 77,54% em Santo André, 10,45% nos demais municípios da região e 12% emprestados. É a campeã regional de votos municipalistas na Assembleia Legislativa.
Carla Morando, mulher do prefeito de São Bernardo, conquistou 62,33% dos votos na própria cidade, de um total estadual de 177.773%. Outros 15,69% são votos dos demais municípios da região e 21,98% foram emprestados.
Ex-prefeito de Mauá, Atila Jacomussi conquistou 69,96% dos 58.017 votos na própria cidade. Na região, excetuando Mauá, foram 11,05%. Os votos emprestados foram 19,17%.
VOTOS EMPRESTADOS
Quatro deputados do Grande ABC só chegaram a entrar no Clube dos Deputados porque tiveram maioria de votos emprestados pelo eleitorado estadual, ou seja, além da geografia regional.
Filho do prefeito José Auricchio Junior, Thiago Auricchio está reeleito com 123.483 votos, dos quais 53,18% emprestados (65.676). Em São Caetano, o voto municipalista garantiu a Thiago 37.092 eleitores – ou 30,04% do total. Na região, exceto em São Caetano, foram 20.715 votos, ou 16,77% do total.
Também mais da metade do eleitorado de Teonílio Barba, sindicalista de São Bernardo, foi obtida no Estado de São Paulo, exceto no Grande ABC. Do total de 108.071 votos, 55,85% (60.356) vieram de fora. Em São Bernardo, seu domicilio eleitoral, foram 26,49% dos votos. Nos demais municípios da região o índice totalizou 17,66%.
Outra vez na casa superior a metade do eleitorado, exatamente 51,10%, o voto emprestado salvou a candidatura do Rômulo Fernandes, de Mauá. Foram 75.033 votos no total, dos quais 38.343 vieram fora da região. Em Mauá foram 38,04% e nas demais cidades da região não passou de 10,98%.
Fernando Marangoni, de Santo André, bateu todos os demais em matéria de voto emprestado para se eleger deputado federal. Dos 89.390 conquistados, nada menos que 67,17% são votos emprestados (60.042). Os votos municipalistas de Marangoni foram 28,56% e os votos regionalistas (excluindo-se Santo André) não passaram de 4,27%.
VOTOS HÍBRIDOS
Completando o Clube dos Deputados do Grande ABC, os federais Alex Manente e Luiz Marinho obtiveram votação que os colocam na condição de perfis híbridos, que consistem em equilíbrio de estoque conquistado que leva em conta as três categorias de sufrágios: municipalista, regional e emprestado.
Alex Manente obteve no total 196.866 votos, distribuídos nas seguintes proporções: 37,08% de emprestados (72.994), 29,97% de regionalista (59.002) e 32,95% de municipalista (64.870).
Já Luiz Marinho, ex-prefeito de São Bernardo e ex-ministro de Lula da Silva, além de presidente do PT Estadual, registrou o total de 156.202 votos, dos quais 37,94% emprestados (59.264), 21,25% regionalistas (33.187) e 40,81% municipalistas (63.751).
BALA DE PRATA
Esperem pela próxima edição desse tratado de esclarecimentos que se fazem necessários para que não se comprem gatos de municipalismo por lebre de regionalidade.
Estou começando a acreditar que a bala que carrego no pescoço tem poderes anabolizantes. Afinal, por que demorei tanto tempo para ver a ficha da lucidez eleitoral da região cair para valer?
Por que não enxerguei tudo isso antes? A tecnologia ajuda muito, mas isso não é desculpa que sirva. Tomara que outros jornalistas também caiam na real.
Acho que não vou mesmo retirar o projétil de meu corpo. Se antes temia pela anestesia geral, agora temo pelo embotamento biológico. Tenho uma bala de prata para usar a qualquer momento. Hahaha!!
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19/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (24)