Política

Muita gente ainda não decidiu
para valer em quem vai votar

DANIEL LIMA - 17/10/2022

Faltando duas semanas para o segundo turno da eleição à Presidência da República, quase um quarto do eleitorado pode ser considerado o filão de votos vulneráveis que determinariam o vencedor.  

O cruzamento exclusivo de dados primários da última pesquisa do Datafolha da Folha de S. Paulo dá indicações nesse sentido.  

Isso significa que poderia haver mudança relativamente forte no resultado final da disputa, como no primeiro turno?  

Não necessariamente. Mas também sim, possivelmente.  

DOMÍNIO MIDIÁTICO  

Tudo está na dependência do andar da carruagem dos 15 dias que se seguem.  

Dar prioridade à análise do Datafolha da Folha é questão lógica: as duas corporações integram o Consórcio de Imprensa, também conhecido por Velha Imprensa.  

Dessa forma, os dados do Datafolha vão além, muito além, de mais uma projeção transformada em interpretação e opinião com poder de persuasão.  

Fosse confinada a determinados guetos de repercussão, o Datafolha não seria muito diferente dos demais institutos.  

Entretanto, como a Folha do Datafolha faz parte um enredo muito maior, de informações de um conglomerado de mídia que envolve a TV Globo e seus tentáculos, acaba se tornando muito mais influenciável do que resultados e, principalmente, análises dos demais institutos.  

BURACO NEGRO  

No último sábado a Folha do Datafolha publicou nova pesquisa de segundo turno à presidência da República. Lula da Silva segue na dianteira com 49% dos votos, contra 44% de Jair Bolsonaro. Nos votos válidos, quando se descartam votos nulos, brancos e indecisos, Lula passa para 53% e Bolsonaro para 47%. 

Afinal, onde estaria o buraco negro de votos suscetíveis a mudanças?  

Chamo de votos vulneráveis o que se desdobra do Datafolha como resposta à pergunta que trata da avaliação do governo Jair Bolsonaro.  

Entre o “ruim/péssimo” (39%) e o “ótimo/bom” (38), há nada menos que 22% de “regular”. Os eleitores que optaram pela coluna do meio são os votos vulneráveis.  Eles admitem que estariam balançando no coreto de definição. 

A movimentação desse grupamento de eleitores que nem aprovam nem reprovam a atuação de Jair Bolsonaro sofreu mudanças significativas nos últimos meses – e isso pode fazer a diferença na reta de chegada. 

Mas vamos deixar isso para alguns parágrafos abaixo. O que interessa agora, e o que a Folha do Datafolha deu pouca importância, está num trecho de uma análise complementar do jornal paulistano na edição de sábado. Leiam: 

“Uma boa oportunidade para Bolsonaro expandir sua base neste segundo turno está no grupo que classifica o governo como regular (22% do eleitorado). Apostando na rejeição a Lula, ele tem a chance de converter votos de um segmento que não aprova sua gestão, mas também não a considera desastrosa. Essa faixa dá vantagem a Lula (50% a 38%), mas 14% dos entrevistados dizem que ainda podem mudar de voto. Os eleitores que classificam o governo Bolsonaro como regular também são aqueles que mais declaram voto em branco ou nulos: 8% -- escreveu a Folha do Datafolha.  

VOTOS VULNERÁVEIS  

Essa é a única referência que a Folha do Datafolha faz aos votos obtidos de eleitores que optaram pelo “regular” ao avaliarem o governo Jair Bolsonaro. E que, portanto, se traduzem como votos vulneráveis. Afinal, não carregam o epíteto de “ruim/péssimo” de compulsória perda. Nem, claro, são considerados “ótimo/bom” de adesão irrestrita. 

É esse universo de 22% de eleitores que deverá determinar o rumo das eleições –e quem sabe também os 8% que optaram por “regular” e que constam da grade de brancos e nulos.   

Segundo o Datafolha da Folha, Lula da Silva conta com a vantagem de 50% a 38% dos votos no grupo de eleitores de 22% dos votos gerais, cujos dois terços (14%) admitem mudar de preferência.   

Basta fazer os cálculos: 14% de 22% dá exatamente 15,7%. Repetindo: quase 16% do eleitorado nacional estaria de mala e cuia para mudar de votos. Eles estão em cima do muro nas estatísticas.  

MUITOS VOTOS   

Quando se tem 16% de margem de manobra numa disputa em que a diferença é de 6% nos votos apurados na pesquisa do Datafolha da Folha, têm-se, portanto, uma banda larga convidativa à cautela quanto ao resultado final. Dar como favas contadas seria muito arriscado. 

Salvo mudança drástica no eleitorado, algo de excepcional contundência e influência no placar, um fator se desdobra desse contingente de eleitores que avaliam o governo Bolsonaro como “regular” e que, portanto, está suscetível a mudar de voto. Trata-se da linha do tempo dos números do Datafolha da Folha. 

A avaliação de Jair Bolsonaro ao longo dos últimos meses revela forte crescimento no quesito “ótimo/bom”, ao mesmo tempo em que o critério de “ruim/péssimo” sofreu duras baixas. Jair Bolsonaro melhora os ativos e reduz os passivos. Teria fôlego para avançar mais?  

SUBINDO DEGRAUS  

É nesse ponto que se chega à situação crucial dessa equação: Jair Bolsonaro só avançou na avaliação positiva de “ótimo/bom” porque capturou a deserção de eleitores que o consideravam “ruim e péssimo”.  

Isso quer dizer que os eleitores de “regular” seguem os mesmos. O que indica que poderiam estar prestes a sair do muro ou se traduziriam em brancos e nulos, além dos brancos e nulos já manifestados?  

Estariam esses 22%, mais decididos a acionar os mecanismos para cima ou para baixo às pretensões do presidente da República? 

A curva do tempo que identifica a melhora na avaliação do governo Jair Bolsonaro, com consequente influência eleitoral, pode ser detectada tendo como data-chave a pesquisa do Datafolha da Folha de dezembro do ano passado.  

EMPATANDO O JOGO  

Mais da metade do eleitorado (53%), reprovavam a gestão de Bolsonaro (“ruim e péssima”, enquanto apenas 24% a aprovavam (“ótimo/bom”) e 22% se mantinham em posição “regular”.  

Já na pesquisa do Datafolha da Folha de sábado último, em plena corrida do segundo turno, ativos e passivos declarados de Jair Bolsonaro configuraram empate técnico (39% a 38%) e a reserva de combustível para um lado ou para o outro da disputa presidencial em forma de “regular” se manteve em 22%. É essa a batalha da ponte. 

Esses números não deixam dúvidas de que petistas vistos na Avenida Paulista no último dois de outubro, ao final da apuração das urnas do primeiro turno, não estavam contrariados por outra razão senão a preocupação que as quatro semanas que separavam o segundo turno poderiam provocar.  

FESTA-VELÓRIO  

A cúpula petista, Lula da Silva à frente, cumpriu protocolarmente a programação de reunir com os correligionários. A festa programada tinha ares de velório. 

Tudo é possível num segundo turno como o que está sendo jogado em quatro semanas, mas o favoritismo do PT se esvaiu. Tanto que, especialistas de institutos de pesquisas entrevistados horas depois do encerramento das urnas do primeiro turno, admitiram sobrecarga de dificuldades. Caso de Mauro Paulino, ex-chefe do Datafolha e hoje à frente de outro instituto. 

Quem tem a maquinaria de incumbente à disposição, caso de Jair Bolsonaro, conta potencialmente com maiores probabilidades de engajamentos consistentes. O reforço emblemático do governador de Minas Gerais, Romeu Zema, é prova disso. Além disso, indicadores econômicos melhoram e o desemprego cai permanentemente.  

NÍVEL DE CONFIANÇA  

Excepcionalidades eleitorais poderão dar rumo diferente ao que a curva de avaliação do presidente da República parece sugerir como possível reversão da derrota-vitória no primeiro turno.  

Os dados que o Datafolha da Folha e a Folha do Datafolha preferiram não esmiuçar fornecem combustível farto à inquietação petista.  

Se não bastassem os números de melhora da avaliação da gestão de Jair Bolsonaro desde janeiro deste ano, num processo gradual e incisivo, um outro indicador robustece a perspectiva de transtorno petista. 

Trata-se do nível de confiança sobre o que diz o presidente da República.  

E O OUTRO LADO?  

É uma abordagem que pode caracterizar viés desequilibrante nos resultados gerais da pesquisa, porque adiciona questionamento unilateral.  

Afinal, o adversário não contou com tratamento equivalente do Datafolha da Folha. Quantos eleitores entrevistados “nunca confiam”, “sempre confiam” ou “confiam às vezes” no ex-presidente da República? Pergunta que vale para Chico valeria para Francisco? Nesse caso específico, parece que sim. 

Quanto a Jair Bolsonaro, o Datafolha da Folha afirma que 47% “nunca confiam”, enquanto 26% “sempre confiam” e outros 26% “às vezes confiam”.  

SEMANTICA RELEVANTE  

Essa abordagem tem componente suplementar que remete a uma dúvida sem tamanho. Afinal, qual é a diferença semântica ou objetiva a envolver a alternativa “às vezes confia”.  

O Datafolha da Folha, em outras pesquisas, inclusive de outras temáticas, contabiliza “às vezes confia” como resposta positiva, quando, pela lógica popular, “às vezes confia” é reprovação ou desconfiança. 

Mas, no caso específico da pesquisa do Datafolha da Folha de sábado último, o índice de confiança, desconfiança ou nem uma coisa nem outra de Jair Bolsonaro é substantivamente melhor que o de dezembro do ano passado, como no caso da avaliação de “ruim/péssimo”, “ótimo-bom” e “regular”.  

MENOS DESCONFIANÇA   

Em dezembro do ano passado Jair Bolsonaro respondia por 60% de “nunca confia”, 26% de “às vezes confia” e apenas 13% de “sempre confia”.  

Ou seja: o que era maioria de “nunca confia” de 60% em dezembro do ano passou virou 47% na semana passada.  

Já o “sempre confia” dobrou de tamanho, passando de 13% para 26%.  

Os outros 26% de “às vezes confia” teria relação mais intestina com uma ou outra situação mais incisiva da pesquisa?    

REJEIÇÕES PRÓXIMAS  

Para complementar, a Folha do Datafolha deu pouco destaque editorial a um trecho do texto da reportagem de sábado e que tem tudo a ver com a mudança de rumo da avaliação do presidente da República.  

“Bolsonaro segue sendo mais rejeitado do que Lula; assim como há uma semana, 51% declararam não votar no presidente de jeito nenhum, ante 46% que falam o mesmo de Lula. O mandatário nunca viu a rejeição baixar de 51% desde o começo da aferição da eleição, em maio de 2021, mas foi bem-sucedido em degradar a imagem de Lula do fim do primeiro turno para cá – a ver se o processo estancou, como o levantamento sugere” – escreveu a Folha do Datafolha. 

Apenas um adendo ao texto da Folha: a degradação da imagem de Lula da Silva no período citado não necessariamente estaria condicionada à suposta atuação ofensiva de Jair Bolsonaro.  

Provavelmente deve ser consequência de algumas mudanças no cenário eleitoral que não teriam sido transportadas ainda ao campo estatístico de resultado geral.  

Ou seja: talvez agora que o embate de segundo turno reúna apenas os dois finalistas, o eleitorado tenha providenciado uma readequação dos conceitos que determinam avaliações positivas e negativas.  

Da mesma forma que conta com lucros memoriais, Lula da Silva também está exposto mais diretamente agora aos prejuízos que vem do passado de ex-presidente e de idealizador da eleição da desastrosa Dilma Rousseff. 



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