Política

Depois da surra, quem vai
vencer na região e no Brasil?

DANIEL LIMA - 29/10/2022

Começo assim mesmo, ou seja, com uma pergunta: depois da surra de ontem à noite na Globo, quem vai somar mais votos no Grande ABC e, principalmente, no Brasil? Essa questão só será resolvida amanhã à noite. No primeiro turno, os resultados foram semelhantes nos dois espaços territoriais. Deu Lula da Silva por diferença um pouco acima da margem de erro de dois pontos percentuais (no caso do Brasil) e bem acima da margem de erro (no caso do Grande ABC). As quatro semanas que separaram a disputa desse mata-mata teriam alterado a rota? 

O que resta saber sobre a surra de ontem à noite é até que ponto a surra de ontem à noite terá influência no resultado final da disputa presidencial.   

DIFÌCIL MENSURAÇÃO  

Não há pesquisa que identifique eventuais alterações vinculadas à surra de ontem à noite. As eventuais pesquisas que poderão ser anunciadas nesse sentido não devem ser levadas a sério. As pesquisas eleitorais estão tão desmoralizadas após o fracasso coletivo dos institutos no primeiro turno que o melhor é nem considerar os números conflitivos que desfilaram nas últimas semanas. 

Os sete municípios do Grande AC não são Minas Gerais na literatura eleitoral do País. Quem vence em Minas vence no Brasil. No Grande ABC mais avermelhado, embora com múltiplas porções do Vale do Jequitinhonha, os resultados costumam seguir a trilha lógica do PT: quando Lula da Silva vai bem, o PT também vai bem.  

Considerando-se os resultados do primeiro turno, não custa nada observar a possibilidade de um paralelismo numérico conectado aos dados gerais do País.  

DOIS DEBATES  

No debate presidencial de ontem à noite na TV Globo, o que tivemos com potencial mais agressivamente impactante foi o que se viu na noite anterior, quando Fernando Haddad e Tarcísio de Freitas se enfrentaram.  

O candidato do PT ao governo do Estado foi melhor. A avaliação de melhor precisa ser explicada e se prende a um centro difusor: o petista impôs a pauta de invasor de domicilio eleitoral e o adversário teve de correr atrás. O tempo todo. 

O que separa a vitória um pouco mais que discreta no debate da Globo envolvendo Haddad e Tarcísio do que se viu ontem à noite é que ontem à noite se consumou uma surra. A pauta da noite foi estonteantemente ditada pelo presidente da República diante de um Lula da Silva à beira do nocaute.  

DOMÍNIO TEMÁTICO  

A batalha da ponte pelo domínio da temática de ontem à noite na Globo estava bem definida desde que Lula da Silva e Jair Bolsonaro decidiram concorrer à presidência da República. 

Lula armou-se das besteiras de Jair Bolsonaro no campo sanitário do desastre do Coronavírus. E Jair Bolsonaro preparou arsenal que demoliria o adversário, no caso as roubalheiras de 14 anos do PT à frente da República. 

Quem não se deixou levar pela paixão sabe que Jair Bolsonaro surrou Lula da Silva porque Lula da Silva não pode ouvir falar em Mensalão, Petrolão e prisões. Foi o que mais ouviu. Lula da Silva não reagiu à altura e na densidade desejada com o contraponto do Coronavírus. 

HADDAD SUPERIOR  

Na noite anterior, Fernando Haddad colocou Tarcísio de Freitas de saia justa com uma estratégia que uniu o conceito demolidor de forasteiro que buscou um endereço para concorrer e, claro, suas relações com Jair Bolsonaro. 

Tarcísio de Freitas tecnicista e sem bagagem política que se exige numa disputa em que imagem, gestos e a teatralização valem muito, como são os debates eleitorais, acabou bombardeado.  

O que resta saber diante dessas duas realidades paralelas de embates entre avermelhados e amarelados é até que ponto uma coisa influenciará a outra e, além disso, o que a outra coisa significará nos números oficiais das urnas eletrônicas. 

DÚVIDAS CRUÉIS  

O que quero dizer é o seguinte: teria Haddad superado Tarcísio a ponto de auxiliar Lula da Silva a ganhar votos no maior colégio eleitoral do País de forma suficiente para compensar supostas perdas de Lula da Silva na noite seguinte? 

E, até que ponto, pretensas perdas de Lula da Silva se espalhariam ao território nacional de modo a causar transtornos muito maiores à própria candidatura e também dos aliados?   

Negar que Lula da Silva tenha sido surrado ontem à noite e que na noite anterior Tarcísio de Freitas ficou desconfortável ante a agressividade diplomática planejada do adversário seria uma combinação de cegueira analítica e fanatismo político.  

FADIGA DE MATERIAL  

Há um adicional que precisa ser considerado quando se enxerga o Brasil além de amanhã, e no amanhã que vai chegar no futuro.  

Trata-se do seguinte: aquele Lula da Silva de oratória espetacular, genial nos gestos, na entonação das frases, na esperteza de tiradas definidoras de determinadas situações, aquele Lula da Silva que transbordava vitalidade, aquele Lula da Silva que jorrava alegria diante de adversários raivosos, aquele Lula da Silva não existe mais.  

Lula envelheceu fisicamente, está visivelmente atrapalhado cognitivamente e sugere a ideia de que a assessoria que tanto o preparou para o debate possivelmente tenha exagerado na dose de recomendações a ponto de torná-lo um político híbrido que tanto perdeu autenticidade quanto não absorveu supostos ensinamentos de especialistas em várias áreas, inclusive da psicologia.  

VERMELHO DESBOTADO  

Esse Lula da Silva desbotado sabe que foi surrado ontem à noite. Tanto que o que mais repetiu durante a disputa e mesmo depois, nas entrevistas, é que seu adversário, surpreendente melhor, não teria se preocupado em discutir plano de governo.  

A intenção de Lula da Silva (e daí a surra) era perfeita, ditada pelos assessores: tratar de um futuro abstrato ou de um passado parcialmente glorioso no campo econômico e social seria muito mais ajuizado que dar vazão ao acervo problemático e condenatório.   

Faltou combinar com o adversário, que morria de medo do Coronavírus.  

PASSIVO EXPLOSIVO  

Os escândalos petistas, comprovados e julgados, foram muito mais destrutivos ao desempenho de Lula da Silva ontem à noite do que o carioquismo pejorativo de Tarcísio de Freitas na noite anterior. 

A diferença é que, enquanto Tarcísio de Freitas tem reserva de lenha para queimar na reta final da disputa estadual, Lula da Silva contaria não mais que com algo um pouco acima da margem de erro para sustentar o primeiro lugar.  

Resta saber se o volume de votos será suficiente nesse período que separa a abertura das urnas. Com as redes sociais à corda toda, tudo se torna imprevisível.  

QUEM GANHA? 

A pouco mais de 24 horas da apuração das urnas eletrônicas neste domingo confesso que não tenho coragem de responder ao questionamento básico: quem ganha o jogo presidencial no Grande ABC? 

A disputa presidencial no Grande ABC neste século está três a dois para o PT de Lula da Silva. Teria a direita de Jair Bolsonaro condição de empatar o jogo? 

Seria precipitação enorme responder ao questionamento -- mesmo com a licença poética que a política oferece.  

O ambiente nacional nunca esteve tão polarizado, espalhando sentimentos semelhantes nas trincheiras estaduais e municipais.  

SEM REFERENCIAIS  

O agravante no caso do Grande ABC é que, por pior e nada confiável que sejam as pesquisas eleitorais (o primeiro turno foi uma vergonha histórica, só comparada à farsa dos grandes institutos em procurarem desculpas ao invés de assumir os próprios erros), com a divulgação de uma ou outra seria possível traçar algum caminho relativamente sustentável. 

Como não temos pesquisas eleitorais para a presidência da República no Grande ABC (e tampouco para o governo do Estado), acho que é arriscado demais expressar mesmo que especulativamente quem registrará maior votação na soma dos sete municípios. 

Em maio deste ano, quando escrevi análise a respeito disso, ancorado na disputa histórica deste século, pendia levemente para a superioridade de Jair Bolsonaro. Elenquei série de razões.  

PRIMEIRO TURNO  

O placar do primeiro turno deu vantagem de mais de 100 mil votos a Lula da Silva e 48,48% dos votos válidos contra 39,85%.  Bolsonaro somou 647.619 votos ante 787.877 de Lula da Silva. 

Lula da Silva ganhou a disputa no Grande ABC no primeiro turno por placar acima mas não distante demais do registrado no Brasil como um todo, que apontou 48,43% a 43,20%. Foram, portanto, 8,63 pontos de vantagem de Lula da Silva na região e 5,23 pontos percentuais no Brasil. 

Pareceria, portanto, pouco consistente uma recuperação de Jair Bolsonaro na região, situação que elevaria para quatro a dois a vantagem agregada do PT no Grande ABC desde que Lula da Silva venceu as eleições de 2002. 

TERRITÓRIO DIVIDIDO   

Os municípios do Grande ABC contam com porções de pobres e miseráveis e também de uma Classe C relativamente mais próxima dos excluídos onde prevalecem os maiores redutos petistas, como provaram os resultados do primeiro turno.  

São pequenos nordestes que dão a Lula da Silva a força que o candidato espalha por toda aquela área geográfica do País. 

Diadema e Mauá são os espaços territoriais da região que mais votaram em Lula da Silva no primeiro turno.  

Em Diadema, a vantagem do petista chegou a 56,31% a 32,95%.  Em Mauá, se registrou um pouco menos, mas superior a Bolsonaro: 49,27% a38,91%.  

PERDENDO FÔLEGO? 

Aliás, um resultado muito parecido com o de São Bernardo, onde Lula da Silva obteve 49,18 dos votos válidos e Jair Bolsonaro 38,02%. A pequena Rio Grande da Serra completou o quinteto municipal de domínio petista no primeiro turno, com vantagem de 52,38% a 36,89%. 

É pouco provável que o cinturão vermelho da Região Metropolitana de São Paulo (e mesmo nas periferias da Capital) perca fôlego suficiente com estreitamento numérico dos dois candidatos.  

O cenário ideal para Jair Bolsonaro seria uma repetição de São Caetano do primeiro turno: venceu por 50,33% a 33,34%. Tudo indica que em São Caetano o placar será dilatado no segundo turno. Os votos destinados principalmente a Ciro Gomes e a Simone Tebet ganharão destino mais bolsonarista do que em outras localidades. O histórico conservador de São Caetano indica esse roteiro.  

POR MUNICÍPIO  

Também Santo André, menos conservadora que São Caetano, mas bem mais que São Bernardo e os demais vizinhos, deverá dar a Jair Bolsonaro um segundo turno vitorioso e por placar muito acima do registrado no turno inicial. Bolsonaro venceu por margem mínima: foram 43,42% votos válidos ante 42,66% de Lula.  

Especulativamente, porque política é espaço em que a credibilidade ganha camada protetiva por conta do risco programado e não contido, o placar municipal na disputa de amanhã deverá registrar vitória de Lula da Silva em quatro localidades (Diadema, Mauá, São Bernardo e Rio Grande da Serra) e derrota nos demais (Santo André, São Caetano e Ribeirão Pires).  

O resultado numérico final das urnas dependerá do fluxo comparativo em todos os municípios, sobretudo nos mais representativos em densidade eleitoral.  

REMELEXO GERAL  

Trocando em miúdos: se Bolsonaro perder por margem estreita nos quatro municípios em que a derrota seria certa, mas ganhar com folga em Santo André, São Caetano e Ribeirão Pires, a contagem dos votos será dramática.  

Quando se considera que os votos válidos do primeiro turno foram 1.625.265 milhão, dos quais 1.435.496 milhão registraram o 13 de Lula da Silva e o 22 de Jair Bolsonaro. Com isso, portanto, chega-se à conclusão de que 189.769 mil tiveram os demais concorrentes como destino. Como Lula da Silva terminou com vantagem de 140.258 votos sobre Jair Bolsonaro, uma virada estaria praticamente fora de cogitação. Será que é isso mesmo?  

Considerando-se que os votos de Jair Bolsonaro e de Lula da Silva no primeiro turno foram votos consolidados, restaria por volta de 50 mil votos disponíveis e, portanto, insuficientes para uma virada regional do jogo.  

A saída para Jair Bolsonaro seria uma série de fatores, entre os quais a redução de votos desperdiçados (abstenção, nulos e brancos) de um colégio eleitoral de 2.150 milhões de eleitores, além de uma maciça transferência de votos dos candidatos que ficaram pelo caminho. Parece improvável.  

Entretanto, visto de outro lado, o bicho não pareceria tão feio. Vou explicar.  

Imaginem que o total de votos divididos pelos dois concorrentes (esqueçam os demais) fosse, portanto, 100% dos votos válidos. Nesse caso, os 1.435.496 eleitores que votaram em Lula ou em Jair Bolsonaro teriam expressado o resultado final de 55,88% a 45,12% favoravelmente ao candidato petista. 

São, portanto, 10 pontos percentuais de diferença. Teoricamente há mais de um milhão de votos potencialmente disponível no eleitorado do Grande ABC (de votos desperdiçados e descartáveis no primeiro turno). É muita gente.  

Sei que à medida que construo cenários a situação fica mais próxima do incompreensível.  

No fundo, o que quero dizer é que há leituras diversas para projetar o resultado final do segundo turno no Grande ABC. Leituras que tanto colocam Lula da Silva no podium regional quanto, também, à beira de uma virada do adversário.  

Resta saber o que será o Grande ABC das urnas e o Brasil das urnas.



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