O presidente eleito Lula da Silva ganhou por diferença escassa de votos válidos no Grande ABC (e no Brasil). Isso quer dizer que no mínimo vai governar sob suspeição do eleitorado e de contribuintes. Não à toa. Lula da Silva deve muito à sociedade regional.
A linha perpendicular decrescente que começa no fim dos anos 1970 com o movimento sindical e se estende até 2016, com o impeachment de Dilma Rousseff, a quem tutelava, expressa a decadência regional que conta com profundas digitais da liderança magnética de Lula da Silva.
Lula da Silva é devedor inapelável do Grande ABC e isso é muito importante como constatação e lembrança do passado. Os estragos se disseminaram ao longo dos tempos.
SINDICALISMO RAIVOSO
Primeiro, como sindicalista raivoso que dividiu a região entre patrões e empregados de forma ostensivamente guerrilheira. Os lulistas preferem chamar Lula da Silva de guerreiro.
Depois, Lula da Silva durante o período em que ocupou a presidência da República e mandachuva petista, foi incapaz de estimular um projeto sequer na região.
Exceto a inútil Universidade Federal do Grande ABC sem compromisso algum com a sociedade produtiva e que cai pelas tabelas em importantes rankings internacionais.
UNIVERSIDADE INÚTIL
A UFABC é um reduto que enxerga o mapa nacional e internacional como uma plataforma de teorias distintas do Desenvolvimento Econômico. O capital que a mantém com impostos elevadíssimos, é um mal a ser combatido.
Lula da Silva colocou o Grande ABC na geografia de rebeldia dos trabalhadores contra empregadores de grandes empresas de São Bernardo. Mas exagerou na dose.
Mais tarde, bem mais tarde, reconheceu desproporcionalidade de tratamento no movimento sindical. Como foi tarde, tarde demais se arrependeu. O movimento sindical se espalhou pela região.
PEQUENOS NEGÓCIOS
Os pequenos negócios industriais familiares foram arrasados. A pauta de reivindicações não distinguia grandes, médios e pequenos negócios. Aí começou a grande derrocada regional. Não sobrou pedra sobre pedra. Até uma associação de classe dos pequenos, fundada no calor da operação sindical, sucumbiu à desigualdade de tratamento.
Os próximos quatro anos a partir de janeiro do ano que vem precisam ser desafiadores ao novo presidente. Dependerá em muito do que a inerte cidadania e institucionalidade do Grande ABC serão capazes de demandar. É difícil ser otimista.
O passado e o presente comprometem o Grande ABC como exemplo de organização coletiva a salvo de idiossincrasias.
INADIMPLÊNCIA
O Lula da Silva inadimplente regional consagrado ontem com votação estreita precisa fazer no Grande ABC o que foi incapaz durante 14 anos de Brasília: contribuir para reformulação estratégica do tecido econômico regional, esgarçado a partir dele mesmo.
Lula da Silva foi um ativista sindical beligerante sempre festejado pela mídia nacional.
O que Lula da Silva não completou como sindicalista Fernando Henrique Cardoso o fez como presidente durante oito anos. Ou seja: as pequenas indústrias desapareceram do mapa regional.
TUDO DOCUMENTADO
Tudo isso e muito mais estão documentados em forma de reportagens e análises em 32 anos de CapitalSocial, a partir da antecessora revista de papel LivreMercado.
Há centenas de textos que tratam da derrocada econômica e social da região, área na qual mobilidade social passou a ser sonho irrealizável. Subir na escala econômica é uma maratona. É essa dívida que Lula da Silva tem com o Grande ABC.
TODOS PERDERAM
É verdade que entra no pacote a inércia do governo estadual, a guerra fiscal, a macroeconomia, prefeitos negligentes, mas a maior fatia do bolo de perdas tem sim as digitais de Lula da Silva, origem de tudo.
Dar dignidade ao trabalhador industrial era importante e sempre o será. Mas o movimento sindical liderado por Lula da Silva atravessou o tom. Foi excessivamente agressivo. Destruiu centenas de milhares de postos de trabalho. Os trabalhadores perderam com o sindicalismo liderado por Lula da Silva. Juntaram-se aos empreendedores.
O tiro do movimento sindical lulista saiu pela culatra. Formou-se um gueto de trabalhadores bem remunerados, mas a fatia de trabalhadores industriais se reduziu drasticamente. São Bernardo, ironicamente palco das batalhas sindicais, é o endereço regional mais debilitado ao longo dos anos. Na temporada de Dilma Rousseff, então, foi destroçada.
PERDAS DEMAIS
Fechar os olhos aos dados históricos e aos registros sociais e econômicos que tornaram o Grande ABC e particularmente São Bernardo, endereço de investimentos a serem evitados, é desonestidade intelectual ou comodismo conciliatório para trafegar ao sabor dos acontecimentos e de acordo com o mandachuva de ocasião.
Lula da Silva, carismático e conquistador, embevece acadêmicos pagos para defender a hecatombe de décadas. Chegavam até outro dia a afirmar que desindustrialização era blefe no Grande ABC. Finalmente caíram na real.
O retrato da catástrofe é claro: o Grande ABC não alcança 10% de produção automotiva num País cuja atividade foi descentralizada na busca por competitividade e paz na produção.
DIADEMA FRACASSADA
Ao longo dos últimos meses produzimos série de análises mostrando o legado do PT de Lula da Silva no Grande ABC durante os 14 anos de Brasília. Os dados são insofismáveis. Também incorporaram, em determinadas temáticas, os oito anos de Fernando Henrique Cardoso.
Nas duas últimas semanas começamos nova série, agora voltada para os 40 anos do PT em Diadema, cidadela simbólica de políticas públicas da agremiação.
O desastre, que será detalhado durante os próximos tempos, também é significativamente doloroso.
ESTRAGOS DEMAIS
O que isso significa, quando se juntam as duas partes dessas avaliações? Que tanto no campo econômico quanto no social o Partido dos Trabalhadores e seus congêneres cromáticos têm conseguido a façanha regional de se tornarem piores que os partidos conservadores.
Os estragos são muito maiores porque são permanentes, continuados.
Por essas e outras, quando se observar a vitória de Lula da Silva na região na disputa eleitoral de ontem, o mais apropriado é conter o otimismo.
PLACAR APERTADO
Lula da Silva venceu na região por placar mais apertado do que no primeiro turno: fez 51,97% dos votos válidos ante 48,03% do presidente Jair Bolsonaro. Um placar semelhante ao de Carapicuíba, pobre Município da Região Metropolitana de São Paulo.
No Brasil como um todo, Lula da Silva venceu por margem mínima: 50,90% a 49,10%. Graças ao Nordeste de nove Estados. O Grande ABC tem muitos Nordestes nas periferias. Não são Nordestes como o Nordeste formal, mas são dezenas de bairros avermelhados.
Considerando-se que o total de eleitores do Grande ABC é de arredondados 2,5 milhões de votantes e que Lula da Silva somou 843.120 votos, registrou-se índice arredondado de 34% de votos avermelhados. Ou seja: apenas um terço da população regional votou no presidente eleito.
ESCOMBROS DE FHC
É preciso não descartar essa conta porque essa conta dá conta de que a conta que Lula da Silva terá de pagar é uma conta enorme mesmo. E que, se em outros tempos, como na disputa de 2002, gozava de amplo prestígio da sociedade regional, até mesmo porque era preciso livrar-se de FHC, agora é diferente. Nem poderia ser.
Afinal, os 14 anos petistas deste século foram piores que os oito anos fernandohenriquistas iniciados em 1995.
Como era de se esperar, o reduto mais avermelhado do PT na região, a Diadema sobre a qual já iniciamos varredura avaliativa de 40 anos, consagrou Lula da Silva como maior vencedor ontem.
Transpostos para o Grande ABC como um todo, os números de Diadema transformariam Lula da Silva em Rei Regional.
MAIS VERMELHA
A votação final em Diadema colocou Lula da Silva na liderança com 60,56% dos votos válidos. Jair Bolsonaro obteve apenas 39,98%. Foram 154.387 votos ante 102.841. Nenhum Estado do Nordeste apresenta resultado semelhante. Foram mais vermelhos que a vermelha Diadema.
Isso significa que, onde mais superou Bolsonaro no Grande ABC, a proximidade de perfil do eleitorado de Diadema não está tão grudada ao retrato do PT na região mais vermelha do País. Em outros tempos de glória de Lula da Silva, Diadema era mais vermelha que tantas outras cidades e Estados vermelhos do Nordeste.
MENOS SALGADO
Outra vitória municipal de Lula da Silva se deu em São Bernardo, onde o prefeito Orlando Morando apoiou Jair Bolsonaro e Tarcísio de Freitas.
A diferença foi maior que o resultado nacional, mas menos salgada que na vizinha Diadema. Lula da Silva teve 53,83% e Jair Bolsonaro 46,17%. Foram 262.223 votos ante 224.929.
São Bernardo voltou a ser levemente mais avermelhada que a amarelada de Bolsonaro. São Bernardo é a cara estadual de Tocantins (54,75% a 45,25% pró-Lula). E também a cara distrital do Bairro de Santa Ifigênia (53,55% a 46,45% pró-Lula) .
MAUÁ E RIO GRANDE
Em Mauá, que tradicionalmente é avermelhada em tons menos impactantes que Diadema, Lula da Silva venceu por placar semelhante ao registrado em São Bernardo: 53,21% a 46,79%. Foram 126.418 votos para Lula da Silva e 111.172 para Bolsonaro.
Em nível estadual, Mauá tem a cara de Tocantins, onde Lula da Silva venceu por 54,75% a 45,25%. Se a comparação for com um distrito da Capital, Mauá é a cara da vizinha Itaquera, que registou 53,86% a 46,14%.
Lula da Silva também ganhou na pequenina Rio Grande da Serra. Foram 55,55% ante 44,45% de Jair Bolsonaro. No total, foram 14.599 votos para o petista e 11.684 para Bolsonaro. Rio Grande da Serra é a cara eleitoral de Perdizes ou do Jabaquara, zonas eleitorais da Capital – 55,53% a 44,47% e 55,08% a 44,92%.
VITÓRIAS AMARELADAS
Nos outros três municípios do Grande ABC, Santo André e São Caetano confirmaram vitória de Jair Bolsonaro no primeiro turno e Ribeirão Pires proporcionou virada.
Em Ribeirão Pires, a diferença favorável a Jair Bolsonaro foi bastante apertada: 51,32% a 48,68%. No total de votos, foram 32.316 para Bolsonaro e 31.385 para Lula da Silva. Ribeirão Pires praticamente reproduziu em nível estadual o placar do Estado de São Paulo (55,30% a 44,70%) e do distrito de Vila Maria na Capital (55,83% a 44,17%)
Santo André reproduziu o retrato de votação da Vila Matilde, em São Paulo (52,88% a 47,12%) e Rio de Janeiro (52,66% a 47,34%). Foram registrados 52,13% a 47,87% pró-Jair Bolsonaro, com 225.767 votos, ante 207.330 de Lula da Silva.
Completando o mapa regional de votos para presidente da República, o lado avesso de Diadema se comprovou mais uma vez antipetista.
São Caetano registrou em votos válidos vantagem de Jair Bolsonaro por 60,11% a 39,89%. O retrato de Manaus (60,32% a 39,68%) e do distrito paulistano da Vila Formosa e do Tatuapé (59,04% a 40,96% e 59,06% a 40,94%).
DISPUTA ESTADUAL
Os resultados para o governo do Estado de São Paulo ficam para outro texto. São numéricos siameses, quando comparados aos resultados para a presidência da República. Ante os 51,97% a 48,03% envolvendo Lula da Silva e Jair Bolsonaro no Grande ABC, registraram-se 52,21% a 47,79% para Fernando Haddad.
O Grande ABC suavemente vermelho não é a mesma coisa que o Estado de São Paulo de um amarelo um pouco mais que pálido, substituto de um azulão que se esgotou.
O Grande ABC se aproxima do Brasil levemente avermelhado que está nos mapas cromáticos e se reproduziu na festa de ontem à noite na Avenida Paulista.
CHAGA ETERNA
Uma festa em que Lula da Silva, como nos velhos tempos, fez três discursos semelhantes para cada pedaço da plateia que o enxergava no palanque.
Em tom triunfante, dirigiu-se à esquerda, à esquerda de novo e mais uma vez à esquerda, ignorando referências posicionais que colocavam a plateia à direita e ao centro. ^
Para o presidente eleito, a direita não merece ser contemplada sequer com diplomático gesto de conciliação estratégica na festa da vitória. Lula da Silva fez questão de expor aversão à direita, para delírio do público.
Lula da Silva dos tempos de sindicalista parecia redivivo. Se no passado eram trabalhadores de macacão versus patrões representados por executivos da área administrativa, agora é a vez de esquerda versus direita. No fundo, nada mudou.
Tomara que Lula da Silva não acentue a dívida social e econômica com o Grande ABC. Direita versus esquerda, inaugurada aqui, objetivamente não deu certo. Pior que isso: significa uma chaga que parece eterna.
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