Vou analisar detidamente o que se passou na disputa pelos governos de Estado e também pela Presidência da República no fim de semana sob a ótica do Grupo Folha, integrado pelo Instituto Datafolha e o jornal Folha de S. Paulo.
O leitor vai entender que a manchetíssima do dia, que está aí em cima, é generosa. Fosse usar a linguagem corrosiva da Velha Imprensa, adotaria o princípio do terrorismo e diria que o Datafolha e a Folha são golpistas.
Fosse uma equipe de futebol, o Instituto Datafolha teria cobrado 12 penalidades máximas seguidas e só balançado as redes quatro vezes. E, num chute complementar, sem goleiro, acertou a trave e a bola custou a entrar.
E mesmo tendo entrado há ponderações de que a bola não entrou. Chamaram o VAR e o VAR não chegou à conclusão satisfatória para muitos.
PESQUISA E PUBLICAÇÃO
Vamos aos fatos. No sábado, véspera do segundo turno, o Datafolha entregou à Folha de S. Paulo os últimos dados da pesquisa eleitoral. A Folha publicou no dia seguinte reportagem apontando os prováveis resultados para governadores em 12 Estados pendentes do turno inicial.
No mesmo domingo da edição da Folha, encerrada as urnas, apenas quatro resultados foram efetivamente confirmados. Ou seja: de cada quatro penalidades máximas, o Datafolha acertou apenas dois.
Estou sendo bastante generoso com a Folha e o Datafolha, porque, como explicarei em seguida, esticar a margem de erro é um malabarismo dos institutos de pesquisa para não se desmoralizarem. Mas, como são teimosos, nem assim se salvam.
Vou dar detalhes de cada penalidade máxima, mas sem deixar de explicar rapidamente que tudo se baseia na ciência estatística que o Datafolha não cansa de proclamar.
RIO E RIACHO
Levo em conta os chamados dois pontos percentuais de margem de erro. Pontos percentuais e percentagens são tão diferentes quanto um rio e um riacho, mas a maioria não diferencio um do outro. Por isso se afoga em erros.
Quando se tem 10% e o contraponto de 5%, a diferença é de cinco pontos percentuais. Quando se tem os mesmos 10% ante os mesmos 5%, a diferença percentual é de 50 por cento, ou 50%.
Com o uso do estratagema de tolerância de dois pontos percentuais de margem de erro, o que é 10 pode ser 12 ou 8 e o que é 5 pode ser 7 ou 3.
Ou seja: um candidato que tenha 10% dos votos e um candidato que tenha 5% dos votos podem ter 12% a 3% tanto quanto 8% a 7%.
MUITA FLEXIBILIDADE
É isso mesmo: contam-se com dois pontos para cima e dois pontos para baixo de forma elasticamente sincronizada, de alta e de baixa, mas de alta para um e de baixa para outro, ou de baixa para um e de alta para outro. Uma diferença larga pode não ser diferença quase nenhuma, portanto.
Posto isso, vamos aos casos das eleições para governador de Estado que o Datafolha apurou e a Folha divulgou na edição de domingo e, na sequência, na edição de segunda-feira, os resultados oficiais.
1. Em Santa Catarina, Jorginho Mello superava Décio Lima por 67% a 33%. Nas urnas, domingo, a diferença de 34 pontos percentuais subiu para 41,38, já que o resultado final foi de 70,69% a 29,31%. Um a zero contra o Datafolha.
2 .Em Pernambuco, Raquel Lira venceria Marilia Arraes por 54% a 46% pelo Datafolha, ou seja, com 8 pontos percentuais de diferença. Nas urnas, o placar registrado foi de 58,7% a 41,3% para Raquel Lyra -- 17,4 pontos percentuais de diferença. Dois a zero contra o Datafolha.
3. No Rio Grande do Sul, o Datafolha apontou vitória de Eduardo Leite ante Onyx Lorenzoni por 56% a 44%, ou seja, por oito pontos percentuais. Nas urnas, Eduardo Leite venceu por 57,12% a 42,88%, ou seja, de 14,24 pontos de diferença. Três a zero contra o Datafolha.
4. No Mato Grosso do Sul, o Datafolha apontou vitória de Eduardo Riedel ante o Capitão Contar por 53% a 47%, ou seja, 6 pontos de diferença. Nas urnas, Eduardo Riedel venceu por 56,9% a 43,1%. Uma diferença de 13,8 pontos percentuais. Quatro a zero contra o Datafolha.
5. No Amazonas, o Datafolha apontou vitória de Wilson Lima ante Eduardo Braga por 54% a 46%. Oito pontos de diferença. Nas urnas, Wilson Lima venceu por 56,65% a 43,10%. Diferença de 13,30 pontos percentuais. Cinco a zero contra o Datafolha.
6. No Estado de São Paulo, o Datafolha apontou vitória de Tarcísio de Freitas ante Fernando Haddad por 53% a 47%. Uma diferença de 6 pontos percentuais. Nas urnas, Tarcísio de Freitas venceu por 55,27% a 44,73%. Diferença de 10,54 pontos percentuais. Seis a zero contra o Datafolha.
7. No Espírito Santo, o Datafolha apontou vitória de Renato Casagrande ante Carlos Manato por 53% a 47%. Diferença de 6 pontos percentuais. Nas urnas, Renato Casagrande venceu por 53,8% a 46,2%. Diferença de 7,6 pontos percentuais. Seis a um contra o Datafolha quando se estica a margem de erro.
8. Na Bahia, o Datafolha apontou vitória de Jerônimo Rodrigues ante ACM Neto por 51% a 49%. Nas urnas, Jerônimo Rodrigues venceu por 52,79% a 47,21%. Diferença de 5,58 pontos percentuais. Considerando a margem de erro elástica, seis a dois contra o Datafolha.
9. Na Paraíba, o Datafolha apontou vitória de João Azevedo ante Pedro Cunha por 53% a 47%. Diferença de 6 pontos percentuais. Nas urnas, João Azevedo venceu por 52,51% a 47,49%. Diferença de 5,02 pontos percentuais. Considerando a margem elástica de erro, seis a três contra o Datafolha.
10. No Estado de Roraima, o Datafolha apontou vitória de Marcos Rogério ante o Coronel Marcos Rocha por 52% a 48%. Nas urnas, Marcos Rogério foi derrotado por 52,47% a 47,53%. Diferença de 8 pontos percentuais. Sete a três contra o Datafolha.
11. No Estado de Alagoas, o Datafolha apontou vitória de Paulo Dantas ante Rodrigo Cunha por 52% a 48%. Diferença de 4 pontos percentuais. Nas urnas, Paulo Dantas venceu por 52,33% a 47,67%. Diferença de 4,66 pontos percentuais. Sete a quatro contra o Datafolha quando se estica a margem de erro.
12. No Estado de Sergipe, o Datafolha apontou empate de Rogério Carvalho ante Fábio Mitidieri por 50% a 50% dos votos válidos. Nas urnas, Fábio Mitidieri venceu por 51,7% a 48,3%. Diferença de 3,40 pontos percentuais, fora da margem de erro. Oito a quatro contra o Datafolha.
DISPUTA PRESIDENCIAL
Deixei para o final a disputa presidencial. No primeiro turno, como se sabe, o Datafolha sofreu goleada estrepitosa ao apontar vantagem de 14 pontos percentuais de Lula da Silva ante Jair Bolsonaro (48% a 36%), e as urnas definiram cinco pontos percentuais de diferença.
Desta feita, embora tenha utilizado os dados para escandalizar iminente a vitória de Lula da Silva e, contraditoriamente, tenha afirmado no corpo da análise que tudo poderia acontecer, o Datafolha e a Folha foram mais cautelosos. A diferença numérica de quatro pontos percentuais para Lula da Silva (52% a 48%) dava fôlego para evitar um fracasso retumbante. Lula da Silva venceu por 0,9 ponto percentual, ou seja, menos de um ponto percentual. Dentro da margem de erro elástica, um salvo conduto metodológico que expliquei acima.
PENALIDADE MÁXIMA
Ou seja: o gol marcado pelo Datafolha na disputa presidencial foi um gol de penalidade máxima que exigiu a retirada do goleiro adversário e a bola só entrou depois de bater na trave e correr por toda a linha fatal. Há quem tenha recorrido ao VAR para contestar o resultado sob o conceito de margem de erro elástica. Mas a margem de erro elástica foi obedecida. Lula da Silva tinha pelo Datafolha 52% que poderiam ser 54% ou 50%, enquanto Jair Bolsonaro tinha 48% que poderiam ser 46% e também 50%.
Dessa forma, tanto o jogo poderia estar nos dados do Datafolha 50% a 50% quanto 54% a 42%, ou seja, com vantagem de Lula de oito pontos percentuais. O VAR deu gol para Lula da Silva. O Datafolha e outros institutos de pesquisa sabem o que fazem com a margem de manobra da margem de erro.
PROPAGANDA ENGANOSA
Regulador principal do ambiente político-eleitoral quando se trata de pesquisas eleitorais (afinal, os dados são exploradoras à exaustão pela Velha Imprensa, parceira de jornada do tal Consórcio de Imprensa), o Datafolha da Folha e a Folha do Datafolha trataram de, vejam só, exaltar o que chama de vitória da eficiência.
Como assim? À falta de insumos nas disputas presidencial e a governos de Estado, a Folha publicou uma página inteira de uma peça publicitária que flerta com a malandragem, com fake news, porque transmite algo que é verdadeiro, mas com o sentido recôndito de sair da enrascada em que se meteu na temporada eleitoral. Leiam o texto da propaganda da Folha:
OS BRASILEIROS ESCOLHERAM O PRÓXIMO PRESIDENTE. O DATAFOLHA FOI O PRIMEIRO A REVELAR QUEM ELE É.
Abaixo das letras garrafais, um texto complementar:
A projeção do Datafolha confirmando a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva foi divulgada às 19h05. A confirmação do resultado pelo TSE aconteceu às 19h55, com 98,81% das seções totalizadas.
EXPLICANDO A PEÇA
O que o Datafolha da Folha e a Folha do Datafolha não disseram aos leitores é que as disputas presidenciais os condenaram a profundo estágio de descrédito.
E que, por conta disso, precisarão de recuperação consistente nos próximos tempos.
Acreditar que leitores confundiriam pesquisa de boca de apuração (que é diferente de boca de urna, proibida) com pesquisa eleitoral é o fecho de um caixão de horrores.
A Folha do Datafolha e o Datafolha da Folha deveriam publicar uma peça de publicidade mais sintonizada com a realidade. Bastaria pedir desculpas pelas falhas acumuladas. Quem não pede desculpas diante de flagrantes erros é patrocinador de diversas teorias não necessariamente conspiratórias.
Vou enviar uma cópia desse texto ao Ombudsman da Folha de S. Paulo. Lembrando, neste último parágrafo, que a Folha publicou na edição de terça-feira uma matéria chinfrim sobre os resultados dos institutos de pesquisa. Nem de longe admitiu série de equívocos. Mais uma vez, aliás.
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19/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (24)