Entre o Lula da Silva que venceu as eleições presidenciais de 2002 e o Lula da Silva que venceu as eleições presidenciais deste 2022, o PT do Grande ABC sofreu sérios desfalques de eleitorado. A perda média regional numa comparação ponta a ponta é de 16,34 %. Ou seja, entre o Lula-1 e o Lula-4, que incluiu os dois mandatos de Dilma Rousseff.
Em números relativos que medem a situação sem distorção por conta do crescimento da base de comparação, o maior vazamento do eleitorado avermelhado registra-se em Santo André, endereço onde o PT municipal praticamente desapareceu quer por fadiga de material, quer porque foi absorvido pela atual Administração Municipal.
Nos 20 anos que separam as duas vitórias de Lula da Silva, do total de cinco do PT, a agremiação perdeu participação relativa de 27,03%. Eram 65,60% dos votos válidos em 2002, quando a cidade ainda lamentava a dor provocada pela morte de Celso Daniel em janeiro, e agora são 47,87%, quando ficou levemente atrás de Jair Bolsonaro em 30 de outubro.
TAMBÉM EM SÃO BERNARDO
Mesmo em São Bernardo, berçário do petismo e onde a disputa municipal é extremamente forte, inclusive com a eleição de dois deputados estaduais e um federal nas últimas eleições, a queda do eleitorado no intervalo de 20 anos chegou a 21,56 %. Foram 68,60% dos votos válidos em 2002 e agora 53,81%.
Há várias explicações para a fragilização menos acentuada em São Bernardo mas mesmo assim inquietante em relação à vizinha Santo André. Exponho e explica duas das quais.
Os resultados passam pela morfologia socioeconômica de classes médias distintas, uma fruto do emprego de classe especial das montadoras e autopeças, caso de São Bernardo, e outra de pequenos e médios industriais, varridos do mapa durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, após série de perdas com a ação sindical.
AMBIENTE INDUSTRIAL
O ambiente industrial (e portanto petista) em São Bernardo é naturalmente mais acentuado que o de Santo André. A participação relativa dos trabalhadores industriais ante os demais setores é mais que o dobro de Santo André – 27,81% contra 12,24%, conforme dados oficiais do Ministério do Trabalho de dezembro de 2020, os mais atualizados. Há 24.722 carteiras assinadas nas indústrias de Santo André, ante 68.641 em São Bernardo.
São Caetano, com 18,23% de trabalhadores industriais ante o total de carteiras assinadas em todos os setores, também impôs derrota ao PT nos últimos 20 anos, com queda de 24,60% dos votos presidenciais. Eram 52,90% registrados em 2002 ante 39,89% neste 2022.
NEM DIADEMA ESCAPA
Nem Diadema, com 44,16% de carteiras assinadas no setor industrial, escapou da derrocada petista no período. São 17,56% menos eleitores avermelhados. Eram 72,80% em 2002 e agora são 60,02%.
Em Mauá, que conta com 30,59% de carteiras assinadas no setor de transformação industrial ante os demais, contabiliza no período queda de 24,10% do eleitorado avermelhado. Eram 70,30% e agora são 53, 21%. Um pouco mais que os 17,51% de Ribeirão Pires, onde o trabalho industrial representa 31,60% dos trabalhadores em geral. Eram 61,50% dos votos em 2002 e agora são 50,73%.
Completando os dados eleitorais, Rio Grande da Serra perdeu 16,70% de petistas. Eram 60,90% em 2002 e passaram para 50,73% neste 2022. Rio Grande conta com estoque ativo de 30,16% de trabalhadores industriais no estoque geral de carteiras assinadas.
QUEDAS DRAMÁTICA
A queda do PT em São Bernardo é particularmente dramática se forem considerados os aspectos históricos, mas não surpreende porque, neste século, o desempenho econômico está bastante comprometido. Mesmo quando se compara ao período devastador de Fernando Henrique Cardoso.
A São Bernardo berço petista de 2002 era um endereço de severas complicações sociais e econômicas, resultado de um passado onde Fernando Henrique Cardoso, após oito anos de presidência, e o movimento sindical hostil ao capital, imperaram como agentes de robustas quedas.
A São Bernardo de 2022 que garantiu por margem escassa vitória de Lula da Silva sobre Jair Bolsonaro é um endereço de muito mais que severas complicações sociais e econômicas.
SINDICATO E FHC
E isso tem muito a ver com o passado de um sindicalismo essencialmente corporativista e anticapitalista como pelos desvarios setoriais da política econômica de Fernando Henrique Cardoso.
Adicionaram-se a isso os 14 anos do PT em Brasília e os oito anos do PT como administração pública em São Bernardo. Os seis anos de Dilma Rousseff, espécies de Lula-3 e Lula-4, foram tenebrosos.
Sei que não é agradável e talvez até seja inoportuno escrever sobre a derrocada de São Bernardo neste século, mas como isso já vem de longe e tem consistência irrebatível, pouco me importo a contestações fundamentalistas.
NÚMEROS EM QUEDA
O fato é que não se deve ter esperança de torcida organizada. São Bernardo viverá nos próximos tempos a manutenção da correia de transmissão de insucessos que vem do passado. Há reações temporárias e deslizes prolongados pela frente.
No total da votação regional de 2002, Lula da Silva venceu no Grande ABC por 62,12 % a 37,88% dos votos válidos. Agora foram 51,97% a 48,03%. Uma queda regional de 16,34 %.
Reproduzo abaixo a análise que preparei há 20 anos para mostrar como foi a vitória eleitoral de Lula da Silva (e também de Geraldo Alckmin para o governo do Estado) no Grande ABC e no Estado de São Paulo.
Grande ABC responde à política
econômica elegendo oposição
DANIEL LIMA - 28/10/2002
Como previmos neste Capital Social Online, o Grande ABC de sete municípios e 1,6 milhão de votos elegeu Lula da Silva à Presidência da República e José Genoino ao governo do Estado de São Paulo. Se o eleitorado paulista tivesse mimetizado os votos dos candidatos petistas, Lula da Silva teria 67,13% dos votos válidos no País e José Genoino arrebataria o Palácio dos Bandeirantes com 51,54%.
Já era esperada a resposta das urnas do Grande ABC ao desmantelamento da indústria regional que perdeu 34% do Valor Adicionado e 83 mil empregos nos sete anos de governo FHC completados em dezembro último.
MENOS MAL
Mário Covas-Geraldo Alckmin escaparam de uma surra acachapante, diferentemente de Fernando Henrique Cardoso, sobretudo porque o candidato vitorioso no Estado de São Paulo é mais carismático e agradável que José Serra. O reinado do tucanato paulista no tratamento econômico e social ao Grande ABC durante os últimos oito anos é apenas levemente menos sofrível que o do governo federal.
A reprovação ao governismo tucano no Grande ABC está expressa não só nos percentuais majoritários que Lula da Silva e José Genoino alcançaram ontem.
Uma comparação entre a média de votos válidos dos dois concorrentes do PT no Grande ABC e também de José Serra e Geraldo Alckmin com a média estadual torna mais explícito o grau de inconformismo aos despautérios de que foi vítima a região que há uma década era a mais próspera do País -- até que se iniciasse uma vergonhosa e irresponsável política de abertura econômica agravada, a partir do Plano Real, com uma série de terapêuticas que se esboroaram gradualmente, até que todo o País chegasse ao ponto a que chegou neste final de temporada.
ACIMA DE MÉDIA
O novo presidente da República eleito, Lula da Silva, egresso do Grande ABC, contabilizou na região 21,17% de votos acima da média estadual, enquanto o candidato governista José Serra caiu 26,32% também relativamente à média estadual.
Lula chegou a 55,4% dos votos válidos no Estado mais poderoso da Federação, enquanto José Serra atingiu 44,6%. Já o salto de José Genoino foi mais espetacular, porque passou da média de 41,4% no Estado para 51,54% no Grande ABC, ou seja, um salto de 24,49%. Geraldo Alckmin caiu de 58,6% na média estadual para 48,45% no Grande ABC -- ou seja, 17,32% de rebaixamento.
DISPUTA ESTADUAL
Apenas nos três menores municípios do Grande ABC o candidato governista do Estado de São Paulo superou o petista José Genoino: a conservadoríssima São Caetano, uma espécie de ilha de Primeiro Mundo na tumultuada Região Metropolitana de São Paulo, lhe conferiu 62,1% dos votos válidos (55.637) contra 37,9% de José Genoino (33.998). Ribeirão Pires de 104 mil habitantes e comandada pela petista Maria Inês Soares conferiu ao governador 53,7% dos votos válidos (31.341) contra 46,3% a José Genoino (26.999).
Completando o ciclo vitorioso do situacionismo, a pequenina Rio Grande da Serra de 37 mil habitantes deu 56,2% dos votos a Alckmin (12.461) contra 43,8% a Genoino (9.702).
QUATRO A TRÊS
Na soma de votos nos três Municípios, aos 70.699 colecionados pelo petista contrapuseram-se 99.439 a Alckmin.
Entretanto, essa vantagem de votos válidos do candidato do Palácio dos Bandeirantes foi dinamitada e superada nos quatro maiores municípios da região onde, efetivamente, se dá estrutura político-partidária mais envolvente e onde mais se pronunciam as mazelas da Região Metropolitana de São Paulo de políticas públicas rarefeitas.
Em Santo André do petista João Avamileno, herdeiro de Celso Daniel e de uma série de denúncias até prova em contrário meramente eleitorais, José Genoino obteve escassa vitória: 50,2% dos votos válidos (203.067) contra 49,8% de Alckmin (201.665).
MUDANDO O JOGO
Se a diferença mínima em Santo André poderia dar a impressão de que Geraldo Alckmin dificilmente perderia a vantagem numérica alcançada em São Caetano, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, quando se contabilizaram os votos da esquerdíssima Diadema -- há duas décadas comandada por socialistas cada vez mais interessados em se juntar aos capitalistas --, o quadro começou a reverter. José Genoino teve 55,9% de votos válidos em Diadema (114.882) contra 44,1% de Geraldo Alckmin (90.687).
Mauá, de características sociais semelhantes às de Diadema -- isto é, com uma população majoritariamente de classe operária e trabalhadores de comércio e serviços, além de batalhões de informais -- deu mais força à reação de Genoino, com 55,4% dos votos válidos (109.036) contra 44,6% de Alckmin (87.603).
ESFORÇO E DERROTA
São Bernardo do peessedebista Maurício Soares seria o fiel da balança da votação ao governo do Estado no Grande ABC. Os esforços que o Paço Municipal de São Bernardo fez nas últimas três semanas para capitalizar os votos de Paulo Maluf em favor de Geraldo Alckmin envolveram milhares de militantes.
Era questão de honra do PSDB local derrotar o candidato oposicionista ao governo do Estado. Sinalizaria ao governador Geraldo Alckmin que os investimentos que fez nos últimos tempos no Município não foram em vão.
DEU GENOINO
Sem contar que estão em jogo psicológico também as eleições municipais de 2004, quando parece descortinar um petista (Vicentinho Paulo da Silva ou Luiz Marinho) como favorito ao Paço Municipal. A tentativa peessedebista fracassou na medida em que José Genoino chegou a 53,1% dos votos válidos (207.632) contra 46,9% de Alckmin (183.694).
Com isso, a diferença regional se consumou em 42.228 votos válidos. Algo como metade dos votos válidos de uma São Caetano inteira neste segundo turno.
Acabou se confirmando a perspectiva de que José Genoino só conseguiria eleger-se governador se Lula da Silva chegasse o mais próximo possível de 70% dos votos válidos no Estado de São Paulo. Tanto que os 67,13% dos votos destinados a Lula da Silva no Grande ABC viabilizaram o sucesso de José Genoino. Faltou pouco para Lula chegar a um milhão de votos na região: ele alcançou 911.268, contra 446.039 de José Serra.
ATÉ SÃO CAETANO
Nem mesmo a centro-direitista São Caetano deixou de dar ao ex-sindicalista a liderança municipal de votos no Grande ABC, embora lhe conferisse a menor média regional (52,9%) que, como se percebe, também é inferior à média estadual do novo presidente (55,4%).
Diadema e Mauá, quase irmãs siamesas no pensamento político-eleitoral nestas eleições -- como se o petismo da primeira, enraizado há 20 anos na população, tivesse sido transplantado aceleradamente à segunda --, registraram votações massacrantes para Lula da Silva: Diadema conferiu ao petista 72,8% dos votos válidos e Mauá, 70,3%. Em termos relativos, Diadema contou 31,4% acima da média estadual e Mauá, 26,8%.
DIADEMA DEMAIS
O caso de Diadema e sua fortaleza esquerdista é especialmente impressionante: colada à Capital paulista, que lhe remete todas as sobras demográficas, Diadema difere completamente da vizinha poderosa na análise política. Um exemplo: José Genoino teve apenas 35,8% dos votos na cidade de São Paulo (metade do alcançado em Diadema) e Lula da Silva 51,5% (41% menos do que em Diadema).
Não é por outra razão que há três anos publicamos histórica Reportagem de Capa na revista LivreMercado cujo título definia esse Município da Grande São Paulo como a Capital Socialista do Brasil.
PRIMEIRO PREFEITO
Nem poderia ser diferente, porque Diadema elegeu em 1982 o primeiro prefeito petista no Brasil, Gilson Menezes e é um paradoxo social em que convivem a politização sistêmica dos moradores e níveis de criminalidade assustadores.
Diria, sem medo de errar, que se o Partido dos Trabalhadores do novo presidente da República conseguir implantar no Brasil dos excluídos as políticas públicas que marcaram a construção da cidadania em Diadema, o projeto do peessedebista Sérgio Motta -- de ficar 20 anos no poder federal -- será consagrado pelo grupo liderado por Lula da Silva.
Santo André e São Bernardo têm mais semelhanças do que diferenças eleitorais.
Uma série de razões cristalizadas no primeiro e no segundo turnos dá essa garantia. Agora, no segundo turno, a votação de Lula da Silva em Santo André (65,6%) e em São Bernardo (68,6%) confirma a convergência de espelhos.
TUDO EXPLICADO
Entretanto, é preciso ressaltar que a veia centro-esquerdista de São Bernardo é mais pronunciada. Por duas razões básicas: por maior influência do sindicalismo revolucionário e também pela ocupação demográfica mais tardia em relação à vizinha.
Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, com 61,5% e 60,9% dos votos válidos a Lula da Silva, são tão vizinhas quanto parecidas. São uma espécie de meio termo entre as centro-esquerdistas Santo André e São Bernardo e a centro-direitista São Caetano.
Administradas pelo Partido dos Trabalhadores, tudo indica que a aproximação ideológica-partidária vai ser cada vez maior com o restante centro-esquerdista do Grande ABC. Exceto São Caetano, evidentemente.
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