Que virou, virou. E se virou, é porque virou. A frase poderia ser atribuída àquela presidenta da República. A redundância enfatizada é redundância necessária. Tanto Paulinho Serra como Orlando Morando estavam na canoa da política estadual com enormes possibilidades de chegar a novos destinos ao completarem oito anos de mandatos. Mas a canoa que virou não é uma canoa furada. Tanto um como outro podem ser resgatados.
Orlando Serra e Paulinho Morando não são nomes inadequados para especular o que se passa na vida política tanto de um quanto de outro. O embaralhamento é proposital.
Possivelmente eles detestem, mas o faço apenas para tornar mais entranhado o que de alguma forma os une. E o que os une é o fato de terem estado em canoas que viraram.
BICOS INCOMPATÍVEIS
Tucanos que não se bicam, Orlando Morando e Paulinho Serra tinham expectativas diferentes na disputa pelo governo do Estado. Principalmente Morando, que desde o início perfilou-se ao lado de João Doaria e, em seguida, de Rodrigo Garcia.
Doria se afundou num marketing espetaculoso combinado com arremetidas políticas arriscadas. Rodrigo Garcia foi mais cauteloso, mas não resistiu à avalanche bolsonarista e tampouco à freguesia garantida, embora minoritária, dos petistas. De incumbente natural, virou terceira via estadual. Deu-se mal.
Paulinho Serra que se expôs no início da administração com João Doria, aos poucos arrefeceu o ímpeto e por isso não foi um parceiro de aproximação semelhante à verificada entre Morando e Rodrigo Garcia.
Até porque, as relações com os tucanos paulistas sofreram abalos desde que Paulinho Serra bandeou-se para o front do gaúcho Eduardo Leite, que virou governador depois de concorrer nas prévias presidenciais com João Doria. Agora, Paulinho Serra seria premiado com um cargo na Executiva Nacional, da qual Eduardo Leite tornou-se comandante.
O PSDB é espécie de time rebaixado à Segunda Divisão da Política Nacional. Pior que isso: não tem no mercado de votos nada que possa mudar a situação nos próximos tempos.
A polarização direita versus esquerda não contempla meio-termo. A falsa polarização, esquerda-versus-centro-esquerda, dos tempos em que tucanos e petistas controlaram a cena nacional, virou sucata. Salvaram-se Geraldo Alckmin e sua turma, que embarcaram num barco mais seguro.
LINHA AUXILIAR
A metáfora de que a canoa virou, mas não virou a ponto de levar a afogamento os dois políticos mais expressivos da região se dá justamente porque eles estão abrindo novas rotas de navegação.
Paulinho Serra e seu grupo têm relações fortes com Gilberto Kassab, presidente nacional do PSD e chefe informal de governo de Tarcísio de Freitas.
Orlando Morando tem o cacife de quem mergulhou ou na campanha do republicano assim que Rodrigo Garcia se afogou no primeiro turno. Ganhou prestígio, mas ainda precisa de muito fôlego para recompor conexões interpartidárias.
Como se sabe, o PSDB passou a ser uma linha auxiliar de Tarcísio de Freitas no Palácio dos Bandeirantes. Mantida, a máquina tucana de três décadas faz o Estado seguir em frente. Tarcísio de Freitas é um técnico sem experiência no Executivo.
COMO TRANSATLÂNTICO
Tarcísio de Freitas e seu grupo vão dar novos rumos, mas a imagem de transatlântico não pode ser subestimada quando se refere a gerenciamento, controle e operação da maquinaria estadual. Os movimentos serão mais lentos do que pretendem os apressados.
A pergunta que qualquer imbecil faria nestas alturas do campeonato desdobra-se, portanto, dessa realidade.
Quem está em melhor situação no governo do Estado, já que não se pode ainda fazer qualquer avaliação dos horizontes relacionados ao governo federal? Todos sabem que a maré não está para peixe.
A resposta ao peso relativo mais relevante envolvendo Paulinho Serra e Orlando Morando tem de levar em conta o pragmatismo.
QUEM GANHA MAIS?
A pergunta básica para que essa medição não seja uma patetice é a seguinte: vale mais à equação de poder o avanço de Paulinho Serra numa hierarquia nacional de um partido dinamitado no Estado de São Paulo, centro de operações do novo governador, ou vale mais o estágio de recuos e avanços de Orlando Morando no campo estadual, onde estacas de relacionamento seriam mais bem articuladas e sustentáveis a uma retomada?
Coloque-se o leitor atento no lugar dos dois prefeitos. Você preferiria estar bem na fita no governo do Estado, onde demonstrou na prática que vestiu uma nova camisa durante o combate eleitoral porque entendia que a governabilidade passaria obrigatoriamente pelos derrotados tucanos, ou você gostaria mesmo de estar na pele de quem bateu asas nacionais e está com muito prestígio num novo grupo de gerenciadores de uma agremiação em processo de reestruturação?
NOVOS CANAIS
Certamente que haveria de ambos os lados, ou seja, dos prefeitos em questão, outras conjecturas, mas acredito, especulativamente falando, que todas teriam o mesmo escoadouro: é preciso arregimentar novos canais de comunicação e articulação para conter danos provocados pela queda tucana no Estado mais rico da Federação.
No caso de Paulinho Serra, é importantíssimo o apadrinhamento de Gilberto Kassab, que tem o controle de parte do latifúndio do consórcio de políticos do Paço Municipal de Santo André. Com Kassab não tem placar em branco.
Ex-prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab é o exemplar mais bem acabado de como fazer política. Ele simplesmente não tem alguns requisitos de traidor. Afinal, como incorrer nesse pecado comum na classe política se Kassab cultiva a arte de não se comprometer visceralmente com ninguém. Tanto é verdade que é espécie de vice-rei em São Paulo e está coladíssimo à equipe de Lula da Silva em Brasília.
Talvez um indicador emblemático de que Orlando Morando e Paulinho Serra poderiam ser chamados sem risco de Orlando Serra e Paulinho Morando no ambiente político estadual é que nenhum representante da região consta da equipe de transição do governador eleito em São Paulo.
DESDOBRAMENTOS
Já escrevi sobre isso. Não acho que faria diferença, porque uma andorinha não faz verão. Entretanto, o chamamento de alguém da região vinculado a um dos dois prefeitos poderia sinalizar alguma diferença de tratamento no campo político-administrativo.
Há ainda um desdobramento envolvendo os dois prefeitos da região.
Quem estaria amarrando o burro da oportunidade mais perto do sucesso no futuro?
Tarcísio de Freitas e Eduardo Leite poderiam ser presidenciáveis nas próximas disputas, em 2026. Se o tiro de partida for dado agora, Tarcísio de Freitas leva nítida vantagem. Tem público conservador garantido, dirigirá a maior capital do País e absorve todo o eleitorado do presidente Jair Bolsonaro, além de outras divisões menos fanatizadas desse exército de votos.
Já Eduardo Leite move-se nos escombros do PSDB. Remeter suas possiblidades às conquistas e nomes do passado é subestimar mudanças geracionais que a cada nova temporada de votos despreza a história não vivida. Plano Real e outros instrumentos criados pelos tucanos já viraram pó como porta-estandartes eleitorais. Pesam mais os ônus das parcerias intramuros com petistas colhidos em delitos na Operação Lava Jato.
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19/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (24)