Administração Pública

Linha Maginot de Paulinho
Serra parece irreversível

DANIEL LIMA - 24/03/2023

O vacilante processo de recuperação econômica ganha contornos de Linha Maginot na Administração de Paulinho Serra. O titular do Paço Municipal de Santo André vai bem em várias áreas, mas no campo produtivo lembra o descuido dos franceses que deixaram um buraco na fortificação construída em homenagem ao general André Maginot.  

Os franceses deixaram uma fresta aberta, na fronteira com a Bélgica. Confiaram no vizinho que, dominado pelos alemães, possibilitaram a invasão à França na II Guerra Mundial. Algo como deixar trancar toda a casa contra bandidos e deixar uma janela escancarada acreditando que o cachorro do vizinho dará conta do recado.  

Santo André de Paulinho Serra comete um equívoco maior, porque sabia de antemão, recorrendo-se à história já contada da II Guerra Mundial, entre outros exemplos,  que a falta de barreiras de contenção econômicas comprometeria o restante da operação. É o que temos.  

MARKETING DEMAIS  

O Desenvolvimento Econômico de Santo André é a pedra no sapato administrativo do prefeito Paulinho Serra porque, entre outras razões, Paulinho Serra desprezou uma sugestão que não seria meia-sola: era preciso explicitar publicamente uma fragilidade histórica ao invés de dissimular o quadro de gravidade com discursos ufanistas. Paulinho Serra teria de ter levado ao público os buracos da Lei Maginot econômica de Santo André. 

O Desenvolvimento Econômico de Santo André é um desafio que Paulinho Serra não tem obrigação alguma de recuperar integralmente porque vem de longe. Mas também está longe de ter sido razoavelmente minimizado, como alardeia o Paço Municipal.  

A Linha Maginot de Paulinho Serra é formada pelos escombros da desindustrialização que vem dos anos 1980 e deslocou o PIB per capita de Santo André à 168ª posição no Estado de São Paulo.  

Os números que apresentei nas duas últimas edições deste CapitalSocial não deixam pedra sobre pedra do ritmo da chuva de empregos no Grande ABC a partir do fim da tempestade legada pelo desastre chamado Dilma Rousseff. 

RITMO AQUÉM DOS DEMAIS 

Tomei o pulso dos sete municípios da região em dois quesitos emblemáticos da movimentação das peças econômicas na região. Primeiro, os seis primeiros anos dos três prefeitos que se reelegeram em 2020 e que iniciaram mandato em janeiro de 2017, primeiro ano imediatamente pós-Dilma. Abordei o comportamento do emprego industrial com carteira assinada. Em seguida, no dia seguinte, peguei o comportamento dos empregos de serviços e comércio nos cinco anos pós-primeira posse. Os dados do ano passado ainda não foram sistematizados. 

NÚMEROS IMPLACÁVEIS  

Tanto num indicador quanto no outro a Linha Maginot de Paulinho Serra se manifesta. Santo André segue liderando a perda líquida de emprego industrial pelo critério cientificamente mais bem apropriado, ou seja, a relação com o estoque deixado no governo anterior à chegada do prefeito de agora. E no emprego do terciário, menos sujeito a hecatombes, Santo André está em sétimo lugar (lanterninha) em termos de região. Os dados comparativos com outros territórios vão demorar um pouco porque fontes primárias nem sempre estão atualizadas. Mas o farei.  

Quando visto sob ângulo abrangente e multidimensional de desempenho à frente do Paço Municipal de Santo André, Paulinho Serra obtém série de bons resultados, os quais não vou detalhar agora, até porque alguns são provisórios.  Mas em Desenvolvimento Econômico é muito pouco provável que faça em 24 meses o que não conseguiu em 72 já consumidos. 

MÚLTIPLOS FATORES  

Para efeito de entendimento do conjunto de obras de uma gestão pública municipal, faço uma relação em seguida, embora não vá esmiuçar nenhum ponto neste artigo. É apenas uma exposição que dá preciosa possibilidade de desafiar o comodismo geral e procurar entender como se faz um bom ou um mau administrador público. 

1. Governabilidade administrativa. 

2. Governabilidade político-partidária. 

3. Governabilidade fiscal. 

4. Governabilidade social. 

5. Governabilidade econômica. 

6. Governabilidade regional. 

7. Governança corporativa.   

PONTOS CARDEAIS  

Quem pretende construir um edifício reputacional minimamente sustentável sobre o desempenho de um gestor público municipal precisa levar esses pontos cardeais em consideração, caso contrário a casa da argumentação cairá vexatoriamente.  

É sob a multiplicidade de vetores que organizo diariamente conceitos, avaliações, previsões e tudo o mais sobre os prefeitos que estão no poder nesta temporada e também os antecessores. Não me deixo levar por manchetes acríticas de jornais, quando não ostensivamente bajuladoras.  

A governabilidade econômica de Paulinho Serra é extremamente deficitária por várias razões, mas tem um componente paradoxal. Trata-se da equipe de profissionais que constam da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, uma gente jovem, inspirada e cuidadosa. O problema é que o grupo está voltado a planos para o futuro tecnológico que já chegou e exige mesmo muita atenção. A Santo André do futuro parece bem encaminhada no sentido de domínio do painel de controle. O prefeito Paulinho Serra só se esqueceu da Santo André analógica, que prevalece no conjunto de resultados. A rabo do foguete é gigantesco.  

TEXTO ESCLARECEDOR  

Como os leitores lerão logo em seguida, em texto que publiquei em novembro de 2016 (antes portanto da primeira posse de Paulinho Serra), poderia dar uma esnobada e dizer mais ou menos o seguinte: “não foi por falta de aviso, não foi por falta de aviso”. Sei que não faltarão leitores a me atribuir dotes que, francamente, são ficção. Dizer que o prefeito cometeu a maior bobagem ao não me ouvir, ao não confirmar minha colaboração voluntária, tempos depois, juntamente com alguns especialistas em Grande ABC, dizer isso parecerá cabotinismo. Estou me lixando aos detratores.  

O fato provado e comprovado agora é que Paulinho Serra perdeu uma grande oportunidade de lançar holofotes de criatividade, dedicação e empenho ao abrir mão de uma força-tarefa de conhecimentos variados da realidade de Santo André e do Grande ABC como um todo. 

Por essas e por outras, tudo indica, lamentavelmente, que terminará dois mandatos em dois anos sem chegar ao mínimo indispensável no campo econômico. O caso pós-Dilma Rousseff é inquestionável: apresentar dados negativos (do emprego industrial) e menos positivos (do emprego do terciário) em relação aos demais endereços municipais da região é uma derrota fragorosa. Mais que isso: é um alerta que precisa ser respeitado.  

Vamos agora (o que se segue é histórico, porque verdadeiro e repleto de realidades conjugadas) ao texto que preparei antes de Paulinho Serra assumir a Prefeitura.   

 

Paulinho Serra sabe que Santo

André é uma grande encrenca

 DANIEL LIMA - 24/11/2016 

      

O prefeito eleito de Santo André sabe o tamanho da encrenca que o espera a partir de janeiro próximo. O diálogo que mantivemos durante quase uma hora, no escritório que ocupa no Bairro Jardim, não foi um voo rasante. Preferimos voo panorâmico. É impossível ir a detalhes durante tão pouco tempo. Mas a conversa foi suficiente para arrancar do novo prefeito uma promessa importante. 

Trata-se do seguinte: Paulinho Serra não vai mais falar de Santo André com o entusiasmo típico de quem ganhou a eleição mais fácil da história, mas sim com a preocupação de quem sabe que a herança maldita das últimas administrações e o encalacramento econômico da ex-capital econômica da Província do Grande ABC são desafios demais para enfrentar durante pelo menos quatro anos. Exibir sorriso a todo instante soaria alheamento.   

O ambiente econômico e social de Santo André não permite o que chamaria de tom comemorativo nas declarações de qualquer agente público ou privado. Até mesmo em respeito aos concidadãos de um Município órfão industrial e capenga nos setores de serviços de baixo valor agregado. Quem está a festejar muito é uma minoria de ricos com a vida resolvida e também um bando de hienas que riem da própria desgraça. Paulinho Serra precisa ser austero inclusive na postura pública.  

DEIXAR PARA DEPOIS  

Paulinho Serra custou a admitir na conversa informal haver desfilado sorrisos de dentifrício famoso nos dias sequenciais à vitória. Negou que houvesse transformado a gestão de Santo André em algo sem maiores conotações de desafio.  

Mas aos poucos o diálogo foi avançando de modo que pude perceber no novo prefeito uma característica que possivelmente o auxiliará a domar as feras que pretendem prendê-lo a um figuro conservador e improdutivo. Paulinho Serra aparenta saber sair de uma pergunta prospectiva incômoda sem levar ao interlocutor a ideia de que seja arrogante.  

Não gosto e não pretendo estabelecer comparações entre Celso Daniel e Paulinho Serra como de vez em quando o prefeito tucano parece estimular. Mas há entre eles, separados no tempo, no espaço e no ambiente, algo que poderia ter alguma semelhança e que supostamente auxiliaria o próximo prefeito de Santo André a dar um nó nas dificuldades mais prementes: como Celso Daniel, Paulinho Serra parece ter vocação de deixar para depois questão à qual não estaria preparado para responder de imediato. 

COMO CELSO DANIEL   

Se Paulinho Serra não sabe mesmo é bom, portanto, que saiba que Celso Daniel dava sempre um jeito de deixar para depois uma eventual decisão que haveria de tomar porque a demanda sobre um chefe de Executivo municipal é intensa. Responder de imediato pode ser armadilha a erro de avaliação apressada. O que poderia sugerir segurança traveste-se, portanto, de irreflexão.  

Quem me contou essa característica de Celso Daniel foi Sérgio Gomes da Silva, o bom amigo que perdi materialmente, mas que está vivo nas minhas lembranças como a segunda maior vítima do assassinato do prefeito. Sim, o Sérgio Gomes da Silva a quem foi imposto malandramente o codinome de “Sombra” para incriminá-lo judicialmente e ante a opinião pública. De fato, Sérgio Gomes era mais conhecido entre os grupos de amigos do PT como “chefe” do que como “Sombra”. Mas isso é outro assunto. 

Sérgio Gomes foi-se embora outro dia, mas me contava sorrindo, nas muitas tardes que convivemos em seu apartamento, em Santo André, que Celso Daniel era um sujeito esperto e tranquilo o suficiente para não se meter em enrascadas de compromissos que eventualmente não poderia cumprir. O “sujeito” da frase anterior era sempre usado por Sérgio Gomes, um homem tão inteligente e debochado que seus detratores nem imaginam o quanto era rico em sabedoria.  

JOGO DO PODER  

Misturo as tardes com Sérgio Gomes e o a conversa informal com Paulinho Serra porque acho importante o novo prefeito de Santo André compreender o jogo do poder. Uma coisa é ser vereador, outra é ser prefeito. Paulinho Serra já deve ter sentido parte da diferença nesses dias pós-eleições. Deixar para amanhã o que não se pode resolver hoje é estratégia autopreservativa.  

Por isso mesmo Paulinho Serra não poderia ter dito ao Diário do Grande ABC como disse logo após as eleições que Santo André não perdeu praticamente nada economicamente nos últimos tempos, depois da duríssima desindustrialização de mais de duas décadas.  

Também não poderia ter falado, porque comete um erro pré-gerencial, que daria preferência a titulares político-partidários nas secretarias, mantendo como adjuntos profissionais técnicos. Aliás, especificamente sobre esse assunto nós não tratamos. Veio-me à mente agora.  

Se Paulinho Serra precisar acomodar muito político em cargos técnicos teremos a clara sinalização de que vendeu a alma para ganhar uma eleição facílima. Como, aliás, apontei aqui nesse espaço logo após a disputa do primeiro turno.  

Sobre o secretariado, o prefeito eleito de Santo André desconsiderou de imediato a lista de nomes que o Diário do Grande ABC publicou outro dia. Sem entrar em detalhes, assegurou que se trata de abstração. Menos mal, porque a maioria dos apontados colocaria a Administração do tucano a um passo da degringolada.  

Paulinho Serra sabe que Santo André perdeu muito e continua a perder na medida em que mesmo eventualmente com dados econômicos congelados acaba por comer poeira porque outros concorrentes, no caso municípios, seguem alargando a diferença.  

APAGAR O PASSADO 

O que retirei de Paulinho Serra naquele, sem ferir a condicionalidade de manter a conversa no compartimento de of-the-record é que ele vai apagar totalmente ou quase totalmente as digitais que deixou durante o período em que atuou como secretário de Mobilidade Urbana de Santo André. Paulinho Serra sabe que foi um secretário muito aquém do desejável. Ele entrou na onda petista, sobretudo do prefeito paulistano Fernando Haddad, de criar corredores e faixas de veículos, privilegiando o transporte coletivo em detrimento dos de passeio e caminhões. 

Deu-se mal Paulinho Serra porque Santo André faz parte da Província logística do Grande ABC enquanto a Capital de Fernando Haddad tem respaldo do ex-prefeito Faria Lima, nos anos 1960, em formas de radiais que facilitam o sistema viário. Não fosse a Capital do Estado vítima preferencial dos bandidos imobiliários conjugados com os bandidos públicos que permitiram a construção de selvas de pedra sem critérios abrangentes de qualidade de vida, teríamos um centro de metrópole de dar gosto.  

Não que faltem bandidos imobiliários e bandidos públicos nos escaninhos dos poderes municipais em Santo André e na região. Aqui o problema maior, que não exclui o suplementar da exploração indevida de uso e ocupação do solo, é que não existe infraestrutura física para um salto rumo ao futuro que, goste-se ou não, há disponível na Capital planejada no século passado. Corredores e faixas de ônibus, portanto, só poderiam dar no que deu: um imenso furo nágua.  



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