O prefeito de Santo André e o prefeito de São Bernardo não podem errar na regulamentação do sistema de privatização da morte já aprovada pelos vereadores.
Orlando Morando antecipou-se há cinco anos, quando teve o projeto aprovado. E está esperando o melhor momento para levar adiante. Paulinho Serra criou as condições há dois meses.
Privatizar cemitérios dos dois maiores municípios da região poderia ser um tiro no escuro, mas a vizinha Capital já colocou o time em campo e está servindo de bucha de canhão.
E é exatamente por conta do que ocorre na Capital, com denúncias de irregularidades, especialmente da Folha de S. Paulo, que nem Paulinho Serra nem Orlando Morando podem errar.
INVENTARIAR FALHAS
Basta inventariar as complicações paulistanas para o tiro não sair pela culatra. Os mortos não reclamam de burradas dos vivos, mas os vivos que sofrem com as burradas de outros vivos têm obrigação de reagir.
Paulinho Serra e Orlando Morando não têm experiência administrativa prática com a morte e tampouco com as reclamações dos vivos inconformados com o tratamento aos mortos.
A cidade de São Paulo oferece um curso de graduação e de pós-graduação. Paulinho Serra e Orlando Morando não poderão dizer que foram surpreendidos por eventuais artimanhas de gente mais viva que os vivos comuns.
Não é nada fácil cuidar dos mortos se os vivos não se preocuparem com o que os aguardarão num futuro tão incerto quanto inescapável.
SEM AVISO PRÉVIO
E os vivos têm muito com que se ocupar para dedicar atenção frequente aos entes queridos que se foram.
Os vivos só se dão conta de que podem viver dias inquietos quando a inexorabilidade da morte atormenta. A morte não tem data marcada para dar a cara, como todos sabem. Mas sempre dá a cara algum dia. A cara da morte não é nada agradável aos vivos que mais dia menos dia vão lhes dar de frente.
Por isso, dar de cara com o fantasma de abusos privados ou negligências públicas é de morrer de raiva.
É estranho que a morte seja privatizada sem que reste alternativa pública supostamente mais em conta, mas é assim que cada vez mais os cemitérios e serviços funerários são identificados.
Onde o Estado fracassa ou vai mal das pernas ou não tem aptidão para atuar, o melhor mesmo é privatizar. O modelo de privatização é que precisa ser observado atentamente.
Só mesmo privatizações mequetrefes dão fôlego aos discursos de estatistas idólatras.
RESPONSABILIDADE
Se a sociedade mal dá conta de cuidar dos vivos num País em que a Carga Tributária é elevadíssima e cada vez exige mais tempo de atividades de empreendedores e trabalhadores, o que esperar do tratamento aos mortos?
Os relatos dos vivos que enterram os mortos e conhecem as dificuldades de enfrentar as deficiências de serviços funerários públicos são material inesgotável como prova provada de que privatizar não é um abuso nem tampouco um puxadinho ideológico.
O problema é que a recíproca pode se tornar verdadeira, ou seja, os cemitérios privatizados contarem com gestores gananciosos demais. E também com atravessadores gulosos que tanto podem ser piratas na cadeia de valor de sepultamentos como também ramais das próprias empresas.
Por essas e outras as operações que privatizam a morte devem ser revestidas de toda a cautela e atenção para que não descambem à esculhambação da vida dos parentes nos momentos mais dramáticos.
REGULAR MERCADO
Deixar que o mercado conte com liberdade demais para administrar o período mais sofrido de um corpo que se foi e mesmo ao longo do tempo de manutenção dos restos mortais pode se traduzir num volume de recursos financeiros que ganharia a forma de Carga Funerária – como se já não fosse suficiente a Carga Tributária.
O interessante na coincidência de que Orlando Morando e Paulinho Serra têm o mesmo propósito à privatização dos cemitérios é que, adversários políticos, podem se distinguir nos critérios a ser estabelecidos.
Quem será mais humano e solidário no atendimento à dolorosa demanda que não cessa e também ao passado enterrado e revisitado principalmente nos primeiros dias de novembro do calendário gregoriano?
Quem seria mais talentoso como administrador na negociação de uma atividade que é um tormento como prestação de serviços com baixa precificação de produtividade?
MUNDOS VIOLENTOS
A vida dos mortos principalmente nos cemitérios públicos não é muito diferente da vida dos vivos em qualquer ambiente. O noticiário é repetitivo nas violações de túmulos. Tudo que parecer comercializável atende aos instintos dos profanadores.
Os vivos que procuram sobreviver à custa do alheio roubam e furtam de tudo. Mais de mil veículos são levados a cada 30 dias no Grande ABC. Seria ingenuidade acreditar que os cemitérios passariam em branco como terrenos sagrados.
Rouba-se de tudo supostamente valioso nos templos dos mortos como se roubam também os vivos que sazonalmente frequentam esses endereços.
MEMÓRIA IMPLACÁVEL
Tratar bem os mortos e os vivos familiares dos mortos é uma boa política administrativa. É muito difícil que alguém esqueça o dia em que o inescapável se apresenta. As horas que se seguem até o sepultamento e a saudade infinita afloram a sensibilidade.
Os mortos podem não reclamar, os vivos podem ser até lenientes, mas a memória registra tudo. O atendimento público ou privado e a Carga Funerária em forma de custos imediatos e permanentes embrutecem ou reconfortam.
Esse é o ponto central da privatização da morte prevista para São Bernardo e Santo André. Estabelecer mecanismos que garantam satisfação pelo atendimento prestado é uma forma de atenuar as dores da alma e dos bolsos.
Não se têm dados financeiros sobre a operação dos cemitérios públicos de São Bernardo. Sobre os valores financeiros dos cemitérios públicos de Santo André o que se sabe é que são superavitários. Ou seja: gasta-se menos com a gestão e a operação, inclusive com funcionários, do que se arrecada.
Tanto num caso quanto no outro o que se sabe é que os mortos não falam, mas os vivos que falam pelos mortos não estão satisfeitos.
VIVOS RECLAMAM
Primeiro porque, embora públicos, não são gratuitos durante os momentos mais dramáticos das operações. Exceto aos mais desfavorecidos. Segundo porque os serviços fogem do padrão desejado.
Os trâmites burocráticos são de morrer de raiva. É muita ingenuidade esperar algo diferente se mesmo num mundo digitalizado, a resolução de contratempos junto a instâncias públicas sempre se converte em choque anafilático.
Não existe pesquisa que trace eventuais e mais que prováveis diferenças de atendimento no sentido mais amplo da clientela viva nos cemitérios administrados pelo setor público e os cemitérios exclusivamente privados.
Numa analogia ordinária, seria algo que defina o tamanho do problema do SUS (Sistema Único de Sepultamento) gerido pela Administração Pública e os planos da morte, direcionados aos vivos que pagam as contas funerárias dos mortos.
SUPERVISÃO PÚBLICA
O modelo híbrido de São Paulo, no qual os mortos foram privatizados, mas a Prefeitura supervisiona o atendimento conforme a demanda de reclamantes, deve ser mesmo o foco de atenção de Orlando Morando e Paulinho Serra.
A cota de sepultamentos sociais prevista na Capital e nas duas cidades do Grande ABC é uma medida providencial. Não se sabe, ainda, até que ponto estaria bem calibrada. Há denúncias de abusos e manipulações.
Combinar tudo isso com níveis satisfatórios de rentabilidade financeira, não é tarefa fácil numa sociedade tão desigual. A Carga Funerária provavelmente vai aumentar.
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07/03/2025 PREVIDÊNCIA: DIADEMA E SANTO ANDRÉ VÃO MAL