Qual vai ser o peso relativo do tarcisismo nas eleições do ano que vem nas sete prefeituras do Grande ABC? A resposta pode até não valer um milhão de dólares porque a resposta pode ser mensurada com alguma margem de segurança. Não se trata, portanto, de aventura analítica.
O que torna a resposta complexa é o contexto que a envolve. Ou os contextos que a envolverão. E esse contexto depende do tempo que ainda não chegou.
Fiz algumas contas por conta do princípio básico de que jornalismo é lidar com especulações quando especulações não maculam a credibilidade nem fere a ética. A política é campo fértil à configuração de diagnósticos e projeções.
Peguei os dados das eleições do ano passado como base de insumos da proposta de tentar decifrar o desfecho das eleições do ano que vem especialmente no Grande ABC.
CAMINHO TORTUOSO
A conclusão não é definitiva. O definitivo só se consagra como tal quando o futuro chega em forma de presente.
Por isso, o que tenho é suficiente para dar corda à imaginação.
Até que o futuro chegue, os dados de que disponho e as mudanças que se deram desde outubro do ano passado me asseguram um mínimo de segurança especulativa.
Acho que o caminho escolhido tem tortuosidades objetivas e semânticas, mas é um caminho que deve despertar o interesse dos leitores.
O banco de dados eleitorais das disputas do ano passado para o governo do Estado e mesmo para a presidência da República não deve ser descartado como fonte rumo ao futuro de análise.
PRISÃO POPULISTA
Mais que isso: é um material especialmente importante porque revela fatos e tendências para quem tem curiosidade como força-motriz.
A vida quanto vivida intensamente é sempre uma experiência especular porque revela claridade onde só parece existir escuridão.
Tanto é verdade que o tarcisismo está ali, consolidado e poucos o identificaram, porque estão presos ao bolsonarismo e ao lulismo.
Antes de mais nada -- e sobretudo -- preciso explicar o significado de tarcisismo, corruptela símbolo do governador do Estado, Tarcísio de Freitas.
UM NEOLOGISMO?
Ainda não encontrei o verbete na Internet. Vou reivindicar autoria. Afinal, procurei no Google e não encontrei nada a respeito. A resposta foi “narcisismo”. Que não tem nada a ver com o caso sob qualquer observação. Tarcísio de Freitas exala simplicidade na engenhosidade brilhante de expositor de ideias.
Fico imaginando e agora o faço de forma meio arrogante, no pior e no melhor sentido, como pode ser que ninguém se tenha dado à reflexão de que pelo menos em termos de política estadual paulista o tarcisismo está tão na cara, mas tão na cara que ninguém se apercebeu disso.
Como podem os analistas em geral não entenderem que no interior explícito e levemente arredio do bolsonarismo e nas franjas implícitas e menos suscetíveis do lulismo existe o tarcisismo nascente?
TODOS CEGOS?
Tarcisismo é o que chamaria de modelo de personalidade política do ex-ministro do então presidente Jair Bolsonaro que fez o que o PT jamais conseguiu: derrotou os tucanos de uma hegemonia administrativa de três década no Estado mais rico da Federação.
Tarcísio de Freitas tem muito mais qualidades que deficiências quando se considera o padrão dos políticos do País. Flutua no vácuo da polaridade política de Lula da Silva e de Jair Bolsonaro.
Tarcísio de Freitas é um ramal do bolsonarismo mais civilizado, por assim dizer, e um contraponto ao lulismo mais empedernido.
Tarcisismo é uma espécie de terceira via paulista. Alguém que não existe no cenário nacional dominado pela direita e esquerda.
PÊNDULO AGREGADOR
Tarcísio de Freitas é a direita que converge para o centro e que também flerta com uma centro-esquerda menos orgânica. É um pêndulo agregador.
O raio de ação do tarcisismo, portanto, é amplo. Só não alcança a esquerda estatizante e populista. A direita privatizante e igualmente populista o quer bem porque há valores conservadores no campo de comportamento que os aproxima.
O tarcisismo é algo como a mitigação da direita mais incandescente tanto quanto a reflexão de uma esquerda mais ponderada.
O grau de rejeição ao tarcisismo é muito inferior ao de Jair Bolsonaro entre os esquerdistas e meio-esquerdistas, que é a centro-esquerda.
TECNICISMO PRODUTIVO
O tecnicismo é uma das características do tarcisismo que nem os lulistas nem os bolsonaristas reúnem em porção adequada. E tampouco os tucanos de outrora que partilhavam com o PT a mente dos eleitores.
A diferença entre o tecnicismo de Tarcísio de Freitas em relação aos tucanos pode ser definida em dois rostos – o do próprio governador dos paulistas de agora e da figura principal do tucanismo em São Paulo, o pouco expressivo Geraldo Alckmin.
O tecnicismo dos tucanos foi intensamente insosso ao longo dos anos. Uma espécie de conversa mole para boi dormir, eficiente na gestão fiscal, mas incapaz de perceber as armadilhas que enfraqueceram a economia do Estado.
Tarcísio de Freitas é cirúrgico. Não faz firulas nem coreografias expositivas. É o não-paulista que mais conhece o território paulista. Mais que quase todos os paulistas.
MAIS INFLUENTE
Definir o tamanho do potencial de votos dos candidatos que contarem com o apoio vigoroso de Tarcísio de Freitas nas eleições do ano que vem no Estado de São Paulo não é tarefa fácil.
Haverá influência sensível, mas até que ponto a carga emocional e racional das mensagens do governador fará a diferença no eleitorado é uma questão em aberto.
O que se coloca de imediato é se a influência do tarcisismo será mais que a do lulismo e do bolsonarismo na definição do voto municipal. Entendo que será, exatamente porque conta com a elasticidade potencial de ultrapassar os rigores populistas do bolsonarismo e do lulismo.
O terço de eleitores que estão fora do eixo da polaridade eleitoral é mais aderente ao tarcisismo do que a qualquer outra candidatura.
VOTOS DESPERDIÇADOS
O que quero dizer é que o estoque de votos desperdiçados em forma de votos nulos, votos em branco e abstenções, tende a ser reduzido na medida em que se apresenta como alternativa algo que tenha o suporte do equilíbrio tarcisista.
A definição de extremistas à direita e à esquerda que contempla o lulismo e o bolsonarismo é uma dualidade desafiadora. Ao mesmo tempo que os torna imbatíveis ante outros concorrentes também os circunscreve a um determinado território ocupacional.
O tarcisismo se coloca nestes tempos como uma linha auxiliar aos candidatos marcados pelo bolsonarismo ou pelo lulismo. É uma dupla face, que pesa mais à centro-direita, mas não deixa de flertar com a centro-esquerda.
Deixei para amanhã os dados numéricos que dão suporte a esse texto pelo simples prazer de aumentar a curiosidade do leitor e eleitor. Vai valer a pena, posso garantir.
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19/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (24)