Política

Tite está na roda de samba
eleitoral de José Auricchio

DANIEL LIMA - 14/06/2023

O puxador do samba eleitoral de São Caetano não vai ter dificuldade alguma de memorizar a letra que pretende levar às ruas e avenidas de 15 quilômetros quadrados, território espremido entre a Capital e a região.  

O prefeito José Auricchio já definiu a estratégia eleitoral. Pretende não arriscar um centímetro de descuido. O adversário potencialmente preocupante, Fabio Palacio, jovem, ex-vereador e segundo colocado nas duas últimas eleições, é um fantasma que ronda o Paço Municipal.  

Fabio Palacio é o tipo de concorrente que José Auricchio não gostaria de ter, mas como o terá para tentar fazer o sucessor, lançou mão de um ferramental cuidadosamente estudado para agir como um encanador premiado: não deixar espaço a vazamentos comprometedores.  

Vazamentos são tudo aquilo que desemboca nas urnas eleitorais em forma de contrariedades e, muitas vezes, de prejuízos irreparáveis.  

SEM TARANTELA 

Ao utilizar a metáfora de Carnaval para tentar transmitir mais humanismo a um assunto árido, que é a política, pensei duas vezes.  

Imaginei adaptar a situação aos imigrantes italianos que ajudaram a construir São Caetano ao longo do século passado. Auricchio e Campanella, por exemplo, não vieram de outra parte do mundo.  

Pensei na tarantela, dança típica do sul italiano, mas recuei. A tarantela é marcada pela troca rápida de casais dançarinos. Uma situação diferente do que se está estabelecendo na prática. A roda de samba em São Caetano é mesmo uma confraternização no sentido de intimidade sob os acordes de planos para o futuro. O passado recente e o presente ditam o ritmo.   

TUDO DEFINIDO?  

José Auricchio, em quarto mandato e impedido legalmente de nova candidatura na temporada do ano que vem,  já teria definido não só quem vai concorrer como candidato a prefeito e a vice-prefeito com as cores situacionistas como também quem faria algo na disputa tão bem quanto Tostão fez na Copa do Mundo de 1970, do tricampeonato. 

Quem conhece alguma coisa de futebol sabe que Tostão, um meia-organizador- atacante da fina flor do futebol nacional,  fingiu-se centroavante sem ser centroavante de perfil conservador.  

Os adversários se deram muito mal com a flutuação do craque tanto dentro quanto fora da área. Tostão abria brechas aos companheiros naquele tempo em que os adversários ainda tinham a cintura dura.  

MELHOR DA PRAÇA  

Hoje Tostão é um cronista esportivo de prosa e verso, o melhor da praça. Aliás, finge que é cronista, porque de fato é um poeta, quando não um pensador. Um ponto fora da curva da crônica esportiva em geral, repetitiva e clubista.  

Tostão ajudou e muito o Brasil a ser tricampeão mundial. Noventa milhões em ação, pra frente Brasil, retirou por alguns dias o o País do ambiente tenso do Regime Militar.  

Para quem ainda não entendeu, Tite Campanella será uma falsa terceira via em outubro do ano que vem. Terceira via de verdade quer ver a primeira via e a segunda via pelas costas. Tite Campanella está dentro e um esquema de jogo eleitoral que levará os eleitores menos avisados a acreditarem que existiria mais de um adversário da candidata praticamente já escolhida, a médica Regina Maura Zetone, secretária de Saúde. 

TITE DISFARÇADO  

Melhor explicando: Tite Campanella é o aliado disfarçado de concorrente que faria a drenagem de votos não convictos que estariam flertando com o candidato Fabio Palacio e, com isso, asseguraria a maioria de votos a Regina Maura. 

Sempre que se coloca a disputa eleitoral em São Caetano é indispensável que se lembre de turno único. Seja qual for o número de votos absolutos e relativos, quem chegar em primeiro leva.  

Tanto leva que José Auricchio levou em 2016 com apenas 34% dos votos válidos. Palacio chegou logo em seguida com 24%. E em 2020, na disputa embargada durante um ano inteiro pela Justiça Eleitoral, Auricchio somou 45% dos votos válidos.  

PARA ATRAPALHAR  

Tite Campanella não precisa ser um craque de prestígio e votos, um talento precioso. A analogia com Tostão é apenas isso, analogia.  Apenas uma porção de votos somados aos esperados muitos votos de Regina Maura significaria mais votos que Fabio Palacio.  

Os votos de Tite Campanella são preciosos, mas também não podem ser de perfil semelhante aos votos de Regina Maura. Tite Campanella é observado nas pesquisas como uma ramificação do bolsonarismo raiz em São Caetano. Nada mais intrigante, considerando-se que o pai dos Campanella foi cassado pelo Regime Militar.  

No caso improvável de canibalização de votos e se a matemática falhar a ponto de  o mais com mais de Regina Maura e Tite Campanella der menos votos do que Fabio Palacio, teríamos o fim da jornada de mais de 30 anos do mesmo grupo político na Prefeitura, exceto nos quatro anos de Paulo Pinheiro, entre 2013 e 2016.   

Terceira via combinada com eventual segunda via, no caso Regina Maura, resulta na lógica de, com suporte da máquina pública, torna-se preferencial. No caso, a primeira via original,  Fabio Palacio, iria para o espaço sideral. Em eleições passadas várias vias foram incentivadas num concerto em que a divisão sempre favoreceu o time da casa.   

SAÚDE CONTRADITÓRIA  

Regina Maura é a escolha do prefeito José Auricchio porque supostamente teria o aval dos usuários do sistema de saúde público de São Caetano. Mas há controvérsias sobre isso.  

São Caetano é um Município conservador nos costumes à reboque de mais de um quarto da população (exatamente 26,95%)  somar mais de 60 anos de idade. Somente Santos, no Litoral, tem proporcionalmente gente tão vivida, vivinha da silva. São 26,61% do total de moradores.  

A diferença entre a turma mais vivida de São Caetano e a turma de cabelos brancos de Santos vai além da geografia litorânea. Santos é territorialmente maior e conta com menos densidade demográfica.  Há 10.712 moradores por quilômetro quadrado em São Caetano. Em Santos a proporção é bem inferior: 1.545 por quilômetro quadrado.  

Trocando em miúdos: a população mais experiente de São Caetano parece proporcionalmente maior que a mesma faixa etária de Santos.  

IDOSOS ADERENTES  

Os idosos de São Caetano parecem mais numerosos que os idosos de Santos porque estão sempre mais próximos entre si nos bancos e nos mercados, nos shoppings e nas ruas.  

Densidade demográfica é isso.  Pode parecer bobagem, mas como os velhos se entendem e se solidarizam, e não querem correr certos riscos, o ambiente político-eleitoral em São Caetano tende a ser mais conservador ainda.  

Há, entretanto, um ponto paradoxal que aparece nas pesquisas de São Caetano: a qualidade de vida é tão expressivamente compacta, quase homogênea, mesmo com todos os reveses econômicos que a cidade sofreu neste século, que por melhor que supostamente seja o atendimento na área de saúde haveria perda de qualidade relativa a outras configurações de orgulho municipal.  

RANKING INTERNO  

Ou seja: a assistência de saúde pública em São Caetano é muito superior à da vizinhança toda do ABC Paulista, mas não estaria à altura da Educação, do Meio Ambiente, da Segurança Pública, do saneamento básico, dessas coisas que formam o mosaico de qualificação urbana e de infraestrutura social. São Caetano versus São Caetano é o resumo dessa ópera de quem tem mais quer mais.  

Como as lembranças estatísticas do Coronavírus não são as mais agradáveis, a saúde pública em São Caetano é tanto um ponto positivo quanto negativo.  

Durante a pandemia, apenas para lembrar, a combinação de população idosa, ambiente metropolitano e densidade demográfica tornou São Caetano uma das localidades de maior incidência de mortes quando se considera a métrica internacional de vítimas fatais dividida pela população. O índice de mortes em São Caetano foi mais de 50% acimada média nacional.    

LEALDADE E FIDELIDADE   

A escolha de Tite Campanella para desfilar no carnaval de votos potencialmente situacionistas do grupo do tetraprefeito José Auricchio Júnior não é uma obra do acaso. Prefeito-interino durante todo o ano de 2021, quando a Justiça Eleitoral barrou o prefeito eleito de assumir o cargo, Tite Campanella foi um fiel parceiro até que o candidato eleito nas urnas com 34% dos votos válidos livrou-se das garras do tribunal.  

A fidelidade que os une mesmo numa atividade em que quase sempre há rompimentos por conta de circunstâncias que também podem ser catalogadas como oportunidades, quando não oportunismo, coloca aparentemente a candidatura de Regina Maura Zetone menos vulnerável.  

A estratégia do ocupante da falsa camisa nove de terceira via é vista como perfeita. Ainda mais que afastaria de vez a possibilidade de Campanella juntar-se a Fabio Palacio numa mesma chapa. O prenúncio de que a dobradinha poderia sair de conjecturas fez com que o Paço reagisse imediatamente.  

PESQUISAS, PESQUISAS 

Bom mesmo é não acreditar em pesquisas realizadas em São Caetano que tratam as mulheres da política como peças semelhantes aos homens, ou mesmo privilegiadas.  

São Caetano é conservadora nos costumes e conta com raízes profundas de um patriarcado que só bate-cabeça ou sofre rasteiras em ambientes mais cosmopolitas.  

Em São Caetano mulher na política não tem privilégio de gênero nem de atividade. Nem de nada que a coloque acima dos homens da política. Diferente disso. A barra é pesada às mulheres que se metem em política em São Caetano.   

Regina Maura Zetone sofreu na própria pele a dor de discricionaridades quando foi candidata à sucessão de José Auricchio, em 2012. Quem chegou à vitória foi o veterano Paulo Pinheiro, favorecido por suporte financeiro gigantesco do PT ,  anterior ao dilúvio da Lava Jato.  

A vida de Regina Maura foi devassada nos escurinhos dos cinemas e nos labirintos dos botecos, quando não nas residências de gente muita fina. Não passou pela triagem.  

CONSERVADORISMO  

Eram outros tempos, mulheres de fato mais sujeitas a chuvas e trovoadas do eleitorado macho, mas em São Caetano o buraco é mesmo mais embaixo. As restrições de ordem moral e cultural não aparecem nas pesquisas politicamente corretas.  

Por essas e outras situações e histórias, a candidata preferida do prefeito que não a elegeu quando queria e que agora a quer eleita de qualquer forma é uma candidata que precisa de mais suporte no múltiplo espectro eleitoral.  

Tite Campanella é um refrão importante do samba-enredo eleitoral, mas também não é tudo ou aparentemente não seria suficiente.  

Por isso que um jovem supostamente bem relacionado com um público no qual a Administração de José Auricchio sofreria forte resistência, no caso os jovens universitários, também seria escalado. 

VICE UNIVERSITÁRIO  

Leandro Prearo, reitor da USCS, Universidade Municipal de São Caetano, formaria a comissão de frente da escola eleitoral de José Auricchio. Seria o candidato a vice-prefeito.  

Essa equação ainda não está integralmente explicada para que se compreenda a engenharia eleitoral que o Paço Municipal de São Caetano prepara para manter o poder de uma cidade em processo continuo de fragilização econômica, mas nem por isso fora do seletivo roteiro de reduto privilegiado.  

Em São Caetano a classe rica (7,4% do total de residências) é proporcionalmente maior que a classe rica dos municípios do ABC Paulista (3,7% do total de residências) e da maioria dos municípios brasileiros (2,5% do total de residências).  

E a Classe Média Tradicional repete a dose de vantagem com participação de 33,4% de participação relativa, ante 27% do ABC Paulista e 20,8% da média nacional. 

MATA-MATA 

A Classe Média Precária de São Caetano (42,9%),  é  inferior à média regional (50,2%) e nacional (48,0%) . Tanto quanto os pobres e miseráveis.  

Ou seja: São Caetano é uma espécie de time que perde jogos seguidos na temporada, mas como está numa competição de mata-mata, sempre dá um jeito de ganhar nas penalidades máximas. 

Como se safar numa disputa eleitoral em que se colocaria o Desenvolvimento Econômico como força-motriz?  

Esse é o ponto mais inquietante do grupo de José Auricchio. O pacote de investimentos anunciado recentemente tem de tudo, parece moldado a transformar São Caetano numa espécie de Disneyworld urbanística e social, mas não tem o que deveria ter porque o que deveria ter sempre foi descuidadamente negligenciado: a empregabilidade dos jovens que gostariam de viver e trabalhar em maior número na própria cidade. 

A São Caetano debilitada economicamente desde o começo do século ainda não encontrou o veio que alimentaria uma reação que tarda e falha.  

CLUSTER DE SAÚDE  

Um cluster da área de saúde, com muita tecnologia e ramificações nas mais variadas disciplinas, seria um passo extraordinário.  

O envelhecimento da população em geral nem precisa de laboratório de estudos, porque São Caetano já é um laboratório a ser intensamente explorado. Matéria-prima não falta.  

A vocação de serviços de saúde de São Caetano, com porosidade geoeconômica em toda a Região Metropolitana de São Paulo, seria a redenção depois da desindustrialização desvairada.  

EFEITO-PALACIO 

É claro que não poderia faltar o desenhado, mas distante puxadinho que ligaria a cidade à Via Anchieta. Quanto à Avenida dos Estados, bastaria chamar o governador do Estado e mostrar o quanto se perde de tempo e dinheiro com maquiagens que não mudam a essência de transtorno obsessivo compulsivo provocado pela perda de tempo diante de tantas dificuldades logísticas.  

Ou seja: a Avenida dos Estados precisaria de cirurgia radical que unisse padrões de acessibilidade e ocupação econômica do entorno.  

O enredo da escola de samba eleitoral do prefeito José Auricchio parece apropriado à disputa do ano que vem, mas não há quem possa desconsiderar, juízo no lugar no devido lugar,. que Fabio Palacio não possa atravessar a avenida e acabar com a festa.  Ou seja: independentemente do resultado eleitoral do ano que vem, Fabio Palacio já produz muitas benfeitorias em São Caetano. Oposição é sempre muito melhor que hegemonia acomodatícia.  



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