Política

Potencial de votos petistas às
prefeituras segue muito forte

DANIEL LIMA - 19/07/2023

A conclusão que consta da manchetíssima aí em cima é uma conclusão que precisa ser levada em consideração tendo alguns pontos de observação. Mais que rima, o enunciado procura ser cauteloso entre outras razões porque o mundo gira e a política roda. O que vale para hoje pode ser inexpressivo amanhã.  

Os resultados eleitorais  (e o contexto sociológico)  da disputa pela presidência da República no ano passado são a âncora do conceito de potencial de votos às eleições municipais do ano que vem no ABC Paulista.  

Mas não são números fortuitos, descolados da história e tampouco de transformações e percepções do eleitorado. 

Os dados e os desdobramentos são campos comparativos entre o primeiro mandato de Lula da Silva e o atual mandato de Lula da Silva. Com Dilma Rousseff, a devastadora, entre os dois cenários. Um intervalo de 21 anos incompletos, entre 2003 e 2023. A base dos cálculos é de 20 anos – 2003-2022. 

DADOS VIRGINAIS  

Os números que os leitores vão ver em seguida foram registrados nesta revista digital em novembro do ano passado. Era uma outra situação, de pós-eleições presidenciais.  

Se o contexto era outro, então os números podem ser considerados virginais para a finalidade que os uso agora. 

O que todo mundo sabe ou deveria saber é que candidatos do PT às prefeituras da região que expressarem a imagem e à semelhança de Lula da Silva e da agremiação terão mais possibilidades de vitória em São Bernardo, em Diadema, em Mauá e em Rio Grande da Serra se o ambiente de extremos prevalecer também no campo municipal. Nesse cenário não há espaço para terceira via. Como não houve no ano passado.  

JOGO COMBINADO  

Estava esquecendo de Santo André, em intensidade inferior às demais mencionadas (ou seja, sem incluir São Caetano e Ribeirão Pires), mas tudo indica que Santo André é um caso à parte. Há uma nova entrega da rapadura no horizonte. Cúpulas petistas e tucanas locais se amam demais.  

O estoque de votos de Lula da Silva deverá ser jogado no lixo em Santo André se o PT optar mesmo (e isso vem sendo considerado uma tendência) por manter a parceria com o tucanato de Paulinho Serra e de outros partidos e, com isso, direcionar reforço financeiro à campanha até agora anunciada em favor do deputado estadual petista Luiz Fernando Teixeira.  

A ordem unida é derrotar Orlando Morando, uma pedra no sapato de determinadas variações que discursam em nome da regionalidade. Nada que combine com regionalidade de verdade. Mas isso é outra história.  

A campanha anunciada em favor de Luiz Fernando Teixeira não significa necessariamente campanha confirmada. O ministro Luiz Marinho, primeiro-amigo do presidente Lula da Silva, duas vezes prefeito de São Bernardo, é um titular que se dá ao luxo de constar como reserva de mercado de votos para horas possivelmente incertas.  

ABRINDO CAMINHO? 

Luiz Fernando Teixeira, um deputado com atuação inexpressiva na região, seria apenas boi de piranha do PT. A ele estaria entregue a função de agredir a Administração de Orlando Morando e abrir caminho para o ministro Luiz Marinho.  

Para entender a projeção que segue é preciso se despir de uma velha e surrada concepção de que eleições municipais e eleições presidenciais não se bicam.  

Não é bem assim quando se trata do ABC Paulista, área na qual o PT é uma força eleitoral ativíssima dentro de uma região metropolitana avermelhada em tom apenas mais suave que o avermelhado nordestino.  

JOGO CASADO  

Se eleição municipal fosse uma coisa e eleição presidencial fosse outra coisa no ABC Paulista, quem garante que Luiz Marinho ganharia duas eleições em São Bernardo quando o PT ocupava a presidência da República com Lula da Silva e depois com Dilma Rousseff? 

Ou que o candidato à sucessão de Luiz Marinho (Tarcísio Secoli) não seria surrado por Orlando Morando na esteira do desastre de Dilma Rousseff? E depois também o próprio Luiz Marinho teria frustrada a tentativa de voltar e também ser surrado por Morando? 

Há muitos mais exemplos que descredenciam conclusões sobre a separação de votos em disputas presidenciais e municipais na região.  

No caso regional, há de fato o que chamaria de retroalimentação do voto petista entre as duas esferas de governo.  

Quando o vento é favorável, uma mão lava a outra. Quando chega a tempestade, o estrago é geral.  

DIREÇÃO DO VENTO  

Essa, portanto, é a estrutura central de tudo o que você vai ler nesta análise. Ou seja: o PT que emergiu das urnas presidenciais no ano passado é um PT potencialmente forte de votos nas disputas municipais.  

Até porque, o PT do ano passado vem do passado de votos que o tornou vitorioso nas disputas pela presidência da República em 2002. Antes disso, dois anos antes, nas eleições municipais, o PT fez cinco dos sete prefeitos da região. Nada surpreendente.  

Nada surpreendente. O governo de oito anos de abertura econômica destrambelhada de Fernando Henrique Cardoso foi um tormento para a região.  Perdemos mais de um terço do Valor Adicionado entre 1995 e 2002.  

DILMA DESTRUIDORA  

Ninguém imaginaria que Dilma Rousseff (de queda de 22% do PIB da região em dois anos) conseguiria ser pior durante seis anos pós-Lula da Silva. Tudo documentado, contado e revisado. Sem direito a tergiversar.  

Embora conte com potencial de votos elevadíssimo às próximas eleições, o PT das próximas eleições municipais não será o mesmo das eleições presidenciais de 2002, quando elegeu Lula pela primeira vez.  

No período de 20 anos – 20002 -2022 – já apurados nas urnas, o PT perdeu 22,58% dos votos válidos na região. Ou seja: de cada 100 eleitores, quase um quinto abandonou o PT. Não é pouca coisa, mas não é tudo.  

Em 2002, Lula da Silva chegou à presidência obtendo 67,12% a 37,88% dos votos válidos na região contra o tucano José Serra. No ano passado, somou 51,97% a 48,03%. Faça as contas e você chegará a 22,58%. É voto demais. Mas não são todos os votos. Nem votos que se escafederam a ponto de dizimar o PT.  

A queda do eleitorado petista foi relativamente bem maior em Santo André do que nos demais municípios. De perfil menos sindical que a vizinha São Bernardo, por exemplo, o PT ficou mais exposto às durezas do prélio de lambanças conhecidas de todos, sobretudo o Mensalão e o Petrolão.  

Tanto é verdade que o Lula da Silva das eleições do ano passado obteve menos 27,03% votos do que o Lula da Silva da primeira vitória em 2002: o que era o placar de votos válidos de 65,60% em 2002 passou para 47,81% em 2022.  

Menos industrializada que São Bernardo e proporcionalmente o endereço regional com a menor quantidade de trabalhadores do setor de transformação, Santo André não é o melhor endereço para o PT regional, exceto a vizinha São Caetano. A competitividade petista em Santo André, portanto, é menos intensa. Mas nem por isso descartável, como estão prontos a decidir representantes da cúpula municipal cooptados pela gestão de Paulinho Serra.  

SÃO BERNARDO RESISTE 

Em São Bernardo de sindicalismo ainda vivo e combativo, embora dado a fantasias em busca de estancamento da fuga de indústrias,  o PT de Lula da Silva perdeu 21,56% do eleitorado de 2002. Eram 68,60% e caiu para 53,80%. O confronto municipal em São Bernardo, portanto, é um buraco mais embaixo do que em Santo André. Só não vê quem não quer.  

São Caetano deu a Lula da Silva em 2002 a única vitória na história de disputa presidencial. Conservadora, São Caetano viu naquela temporada de desgaste monumental de Fernando Henrique Cardoso o eleitorado somar 52,90% dos votos válidos para Lula da Silva contra o tucano José Serra.  

No ano passado, com Jair Bolsonaro na parada, Lula da Silva recuou para 39,89% dos votos válidos. Não há um candidato local que no ano que vem reproduza esse placar. O PT em São Caetano é ilusão de ótica. Tanto que jamais chegou à Prefeitura, embora tenha sido Cavalo de Troia do conservador Paulo Pinheiro em 2012.   

DIADEMA VERMELHISSIMA  

Situação bem diferente da avermelhadíssima Diadema, onde um candidato de viés conservador como Lauro Michels, só chegou a dois mandatos consecutivos porque as barbeiragens nacionais do PT desiludiram temporariamente o eleitorado.  

Em 2002 o PT fez em Diadema 72,80% dos votos válidos com Lula da Silva. No ano passado foram 60,02%. Ainda uma marca expressiva, de quem manda no jogo das urnas, mas 17,56% menos eleitores avermelhados do que no início do século. O prefeito José de Filippi Júnior é favorito ao quinto mandato. Seria um recorde regional.  

Mauá também perdeu muitos eleitores do PT quando se insiste no confronto de intervalo de 20 anos. Foram para o ralo 24,10% do eleitorado avermelhado, mas mesmo assim Lula da Silva obteve 53,21% dos votos no ano passado. Bem aquém, claro, dos 70,30% de 2002.  

Quem acha que Diadema e Mauá são almas sociais gêmeas está enganado. A disputa municipal do ano que vem promete muita emoção. Os números deixados por Lula da Silva são prova viva disso.  

JOGOS DIFÍCEIS  

Ribeirão Pires e Rio Grande da Seara completam o mapa eleitoral da região com levíssima vantagem de Lula da Silva e do PT nas últimas eleições, o que levaria o jogo do ano que vem a uma zona cinzenta de dúvidas se a influência das grandes cidades vizinhas contaminar o ambiente – o que é mais que provável nestes tempos de redes sociais implacáveis. 

No ano passado, Ribeirão Pires registrou queda de 17,51% do eleitorado petista em relação a 2002: Lula obteve 61,50% dos votos válidos no começo do século e ano passado registrou 50,73%.  

Já em Rio Grande da Serra, a queda relativa de Lula da Silva entre as duas disputas foi de 16,70% -- eram 60,90% dos votos válidos e sobraram 50,73%. 

MENOS, MAS FORTE 

Notaram que o PT do ABC Paulista é sim e é mesmo uma força-viva nas urnas? Mas que também já foi bem maior, quando Lula chegou pela primeira vez ao Palácio do Planalto? 

Um ponto que precisa ser enfatizado é que os dados do ano passado são apenas um referencial propício à especulação. Mas, convenhamos, especulação com base em dados sólidos não é necessariamente esculhambação, como se tem observado no noticiário em geral sem contextualizações.  

Certo mesmo -- e que parece indestrutível sob o ponto de vista de argumentação técnica, de fundamentação estrutural -- é que estamos vivendo um período da vida política e social do País suportado por dois eixos estruturantes.  

O primeiro é do PT de Lula velho de guerra e o segundo de Bolsonaro que, diferentemente do que dizem os apressados, também está no jogo de forma profunda; portanto, sem modismo. Bolsonaro tirou a direita envergonhada do armário assim como Lula da Silva tirou os pobres do Bolsa Família da exclusão social absoluta.  

LULA E BOLSONARO  

Goste-se ou não de um ou de outro, e com todos os defeitos que têm e prometem aumentar, trata-se de dois modelos distintos, contraditórios e definidores dos rumos eleitorais nos próximos tempos.  

A terceira via é apenas um sonho dos inconformados que, antes dessa bifurcação ideológica, festejavam relações incestuosas entre petistas e tucanos, cuja origem remonta ao Caso Celso Daniel. A politização do crime de ocasião levou petistas e tucanos a agressões logo transformadas em colaborações disfarçadas.  

Para completar: os dados eleitorais do segundo turno do ano passado na região capitalizam efeitos de eleitores que não votarem nem em Lula nem em Bolsonaro no primeiro turno. A maioria optou por Bolsonaro na reta de chegada, mas o PT chegou em primeiro, com margem escassa.



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