O vazamento de uma reunião do prefeito Paulinho Serra com supostos candidatos à sucessão municipal do ano que vem é a primeira peça de uma carpintaria dissimulatória. O Diário do Grande ABC foi usado como instrumento da operação. Não é o primeiro jornal nem o último jornalista que vivem situação semelhante. A política é ardilosa.
O título da reportagem (“Paulo Serra reúne potenciais candidatos à sucessão em Sto. André”) e o conjunto de informações são superficiais. O que existe em todos os trechos da reportagem é a oficialidade epidérmica de se evitar passos mais ousados em conjecturas. Tudo obedece à cronologia programada.
Por isso não custa nada destrinchar --- sempre com carregamento especulativo porque política é assim mesmo. Já fiz muitas análises sobre as eleições do ano que vem em Santo André e todas convergem ao mesmo ponto: o jogo está decidido.
Por isso, eleições é força de expressão. O que teremos para o posto de Executivo será o corolário de um planejamento preparado pelo grupo que controla o Paço Municipal e que tem entre os integrantes o prefeito Paulinho Serra. Figuras ocultas dão as cartas e influenciaram muito. Não à toa há tantos pretensos candidatos à sucessão. Todos se sentem bem-apadrinhados. É uma roda-gigante em que todos têm lugar garantido. Até chegar a hora da verdade para cada um deles.
TIME SEM ESTRELA
O embaralhamento em forma de múltiplas candidaturas é apenas um jogo de cena, do qual os diretamente envolvidos acreditam que fazem parte de uma disputa real. A quase totalidade é descartável. A visibilidade permitiria pensar em eleição ao Legislativo. Todos carregam expectativas maiores, claro, mas sabem que fazem parte do enredo. Não têm direito à reclamação.
O interessante nessa história é que subsiste uma contradição: cada um dos grupos em que estão os supostos candidatos se sente melhor do que os demais, mas não reclamará se ficar para trás.
O divisionismo na Administração de Paulinho Serra tem esse componente de empoderamento quando se olha o conjunto das alternativas eleitorais. Quando falta um exemplo acima da média, cada um se sente acima da média. Um time sem craques é um time de ambições ao estrelato.
ALÉM DE SANTO ANDRÉ
A disputa pela prefeitura de Santo André precisa ser vista como um jogo que vai muito além da Prefeitura de Santo André. E é isso que decidiria quem será o titular da chapa governista e quem sairia como vice. A condicionalidade da frase é uma barreira a surpresas de última hora. Tudo pode acontecer até as eleições do ano que vem tanto quanto nada aconteceria fora do que já está delineado.
A chapa governista deverá se enquadrar nos anseios do grupo político e empresarial que está por trás da disputa. O embaralhamento tem também essa finalidade. Que finalidade? Sustentar a vertente de que não faltariam candidatos de peso à Prefeitura e que por isso, paradoxalmente, qualquer um que venha a ser indicado não terá a autonomia desejada porque se prenderá à força do grupo que o escolheu. Com Paulinho Serra, ex-secretário do PT durante o governo de Carlos Grana, foi assim. E está sendo assim.
Mais que se preocupar com a eleição em Santo André, porque Santo André é apenas uma formalidade diante do nanismo de adversários, o olhar se estende ao cenário estadual e nacional. O grupo de Paulinho Serra sonha alto. E para dar sustentação a saltos políticos é indispensável planejar enquanto se tem poder.
Diante da dificuldade de construir aliança em dois cenários, com o governador do Estado Tarcísio de Freitas e o presidente Lula da Silva, mantendo proximidade com o vice-presidente Geraldo Alckmin, o grupo do Paço parece decidido a fincar bandeira mesmo no governo federal.
PARCERIA ANTIGA
Aliás, não é de agora que as relações entre petistas e tucanos locais com figurões petistas e tucanos mais graduados se estabeleceram. De fato, estão apenas se aprofundando. A Prefeitura de Santo André conta com pelo menos uma centena de petistas de alto coturno em postos-chaves e complementares.
Para esses petistas, candidato do PT, qualquer que seja, sem viabilidade eleitoral, é candidato desnecessário. Quando não inoportuno. Carlos Grana e Beth Siraque, os supostamente mais destacados, não agradam. Hoje o PT não teria mais que 20% dos votos em Santo André. Lula da Silva não se arriscaria a vir a Santo André com tão baixa prospecção. Ele está de olhos abertos em São Bernardo.
Paulinho Serra e seu grupo sabem que não correm praticamente nenhum risco de fazer o sucessor, mas perdem o sono diante da perspectiva de que teriam as relações fragilizadas com o governo federal. Viuvez estadual e federal seria demais.
Por isso, os indicados a prefeito e vice não deixarão de passar por uma costura conjunta que envolva Lula e Geraldo Alckmin.
DUPLA TITULAR?
Nesse ponto, quem estaria na dianteira para possivelmente concorrer como titular do Paço é o advogado Leandro Petrin, especialista em legislação eleitoral e ex-petista com trânsito livre no governo federal.
Leandro Petrin é um supersecretário de Paulinho Serra. Não precisa de pasta. Nos últimos meses assessorou diretamente a mulher do prefeito na Assembleia Legislativa. Carolina Serra foi eleita com quase 200 mil votos, quase 90% do total em Santo André.
O candidato a vice-prefeito na chapa de Petrin seria o vereador Eduardo Leite, do PSB. Eduardo Leite ganhou desfiliação do PT de Santo André sem constrangimento legal. A ala do Diretório Municipal, alinhada à gestão de Paulinho Serra, facilitou tudo. Quem troca de partido sempre corre o risco de perder o mandato.
FIGURANTES ÚTEIS
Leandro Petrin e Eduardo Leite puxam a fila de concorrentes à Prefeitura de Santo André. Os demais mencionados na reportagem do Diário do Grande ABC são figurantes úteis. Um e outro da lista suplementar e descartável podem ter a oportunidade de dar uma reviravolta? Claro que sim. Mas, por enquanto, continuariam como bois de piranha eleitoral.
Há muita água de prestígio político-eleitoral a correr sob a ponte da Economia e da institucionalidade do País. Se o governo Lula da Silva desandar, é possível que o grupo de Paulinho Serra corra em direção a Tarcísio de Freitas. Padrinhos não faltam.
Os caciques Valdemar Costa Neto (PL) e Gilberto Kassab (PSD), aliados estaduais do governador Tarcísio de Freitas, praticam a arte de negociações profícuas. E estão somando cada vez mais prefeitos eleitos principalmente pelo PSDB nas últimas eleições. O Republicanos, do governador Tarcísio de Freitas, é menos voraz.
O que de fato move os interesses futuros que estão no presente da Administração de Paulinho Serra é que o horizonte precisa ser de tranquilidade. Nada que eventualmente o incomode no Ministério Público e no Judiciário, por exemplo.
O escândalo de contratos fraudados durante a pandemia do Coronavírus, constatado por uma auditoria externa contratada pela Fundação do ABC, e confirmado em ações da Controladoria-Geral da União, causa preocupação.
CACIQUES FORTES
O prefeito de Santo André, ruim de governo e bom de voto, tem prestígio junto a caciques políticos do Estado e mesmo federais. Tesoureiro do PSDB e presidente tucano no Estado de São Paulo, Paulinho Serra já deu um salto na carreira – mesmo que um salto numa plataforma partidária que se desfaz depois de comandar os paulistas durante três décadas.
Paulinho Serra terá complicações se perder tanto um cargo quanto outro. Orlando Morando, prefeito de São Bernardo, inimigo de Paulinho Serra, contesta a eleição do grupo do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite à frente do PSDB.
Um revés nesta semana que passou coloca o partido numa crise institucional que torna tudo nebuloso. Desaparecer do organograma do partido no Estado e no País seria uma tragédia para o prefeito de Santo André. Possivelmente ele migraria para o PSB de Geraldo Alckmin.
TUCANO NA CABEÇA
Na reportagem de sábado do Diário do Grande ABC Paulinho Serra aparece sugerindo que entre os supostos prefeituráveis que participaram da reunião aqueles que não forem filiados ao PSDB precisariam se reorganizar a trocar de time. Paulinho Serra quer ver o PSDB como cabeça de chapa. Somente os secretário Pedrinho Botaro e o médico Marcelo Chehade integram os tucanos.
O recado de Paulinho Serra conduziria à estrada da segurança de que não perderia a batalha estadual e nacional como sobrevivente tucano, mas também lança desconfiança de que teria pretendido mandar um recado a quem interessar possa, ou seja, de que estaria tranquilo quanto aos desdobramentos judiciais.
Apesar de Santo André ter um prefeito antecipadamente garantido como sucessor de Paulinho Serra, e por mais que pareça que há nomes sólidos para formar a chapa, política é um jogo de surpresas mesmo quando as cartas marcadas parecem indestrutíveis.
FATOR TARCÍSIO
O vice-prefeito Luiz Zacarias, que também participou do encontro com o prefeito e os supostos concorrentes, precisaria de muita sorte e também do imponderável para transformar aspiração em realidade.
Interlocutor do governador Tarcísio de Freitas, Luiz Zacarias seria o canal de irrigação de um roteiro alternativo caso o grupo de Paulinho Serra se afaste do governo federal, o que é considerado improvável. Nesse caso, o cacife do governador do Estado pesaria muito. Muito mais, aliás, que a influência de Lula da Silva em Santo André.
As últimas pesquisas de avaliação dos dois mandatários não deixam dúvida: Tarcísio é muito mais suscetível ao voto da maioria em Santo André do que Lula. Mas Zacarias sabe que só com a máquina da Prefeitura poderia se viabilizar. E a máquina da Prefeitura tem os motores ligados em direção a Brasília.
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19/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (24)