Sempre faço questão de lembrar que escrever sobre política não é escrever sobre economia. Escrever sobre economia com clareza e honestidade é se submeter aos fatos e às tendências tangíveis. Escrever sobre politica é uma areia movediça porque a matéria-prima principal é uma expressão: ser humano. O bicho homem é um bicho complexo, como se sabe.
Por essas e outras não me cobrem na política a precisão ou o ajuste ou a proximidade dos fatos futuros porque não tenho pacto com o Diabo e tampouco fiz acerto com alguma cartomante ou equivalente.
Isto posto, vamos ao que interessa. E o que interesse é especular sobre o futuro pós-Paços Municipais de dois tucanos que não se bicam, no caso o prefeito da Capital Econômica da região, São Bernardo, e da Capital Assistencialista da região, Santo André.
Orlando Morando e Paulinho Serra são diferentes praticamente em tudo e tudo é possível pós-segundo mandato.
DESFILADEIRO TUCANO
Certo ao que parece é que o que existe em comum entre os dois é a realidade de que o PSDB foi para o desfiladeiro eleitoral e do desfiladeiro não sairá tão cedo, se sair um dia. O eleitorado tem dominadores à direita e a centro-direita e também ao centro-esquerda e à esquerda, no caso lulistas e bolsonaristas.
O interessante, para não dizer estarrecedor, é que somente agora, depois de tantos carnavais, a Folha de S. Paulo tenha descoberta que o Bolsonarismo veio para ficar. O mais apropriado é dizer que a direita liberal veio para ficar porque a esquerda regressista cansou de errar e de abusar dos contribuintes. O Estado brasileiro é um grande fracasso.
Essa história de dizer que nem todo bolsonarista é de direita, podendo haver um espectro eleitoral de centro que não tenha muito apreço pelo ex-presidente, é uma história sujeita a contestação.
EM CIMA DO MURO
A mesma moeda crítica serve aos lulistas. No fundo, no fundo, esse intervalo de moderação entre os dois presidentes é um intervalo muito suscetível a chuvas de contextualizações e a trovoadas de desafios. Os tucanos ocuparam esse espaço flutuante durante décadas. Até que a casa caiu a partir da descoberta que se aprofunda de que temos um caso de conluio ideológico entre sociais-democratas e socialistas rígidos que sempre se aproximaram nos bastidores para dividir poderes.
O interessante nessa história que antepõe um prefeito e outro prefeito, Orlando Morando e Paulinho Serra, é que nenhum dos dois é manifestamente lulista ou bolsonarista. Quem tiver a pachorra de ir aos arquivos vai verificar que tanto Paulinho Serra como Orlando Morando estão em cima do muro entre o lulismo e o bolsonarismo. Não por acaso são tucanos, claro.
Mas teremos um dia que provavelmente não demorará muito para tanto um prefeito quanto outro prefeito saltará do muro, mesmo que sem alarde e banda na praça.
Tarcísio de Freitas, da ala mais moderada da direita conservadora, talvez seja o espaço em comum que Morando e Paulinho ocuparão nas próximas eleições municipais. Não fosse por outro coisa seria porque Tarcísio de Freitas é o melhor cabo eleitoral das próximas disputas eleitorais. Nem Lula nem Bolsonaro vão pesar tanto se a toada seguir como está.
PESO DO TARCISISMO
O problema do PT nas eleições municipais é que provavelmente só contará com a imagem desgastada de Lula da Silva como fomentador de votos externos, enquanto os partidos que se opõem ao petista contarão sim com o Tarcisismo mais aprumado, inclusive porque terá sempre a figura de Bolsonaro como suporte, com a vantagem de que não carregaria aos olhos e ouvidos menos fundamentalistas os vieses e ônus do ex-presidente.
Em final de segundo mandato e ainda sem saber quem poderá representá-los na disputa pelas duas prefeituras no ano que vem, Orlando Morando e Paulinho Serra vão ter tempo relativamente de sobra para decidir.
Não será a atmosfera exclusivamente municipal que definirá cara e coroa, porque é disse que se trata. O ambiente estadual e também o ambiente federal vão pesar mesmo – as redes sociais na região prevalecentemente tratam da temperatura política externa.
A pauta pode ser preferencialmente municipal, mas há tanta influência do ambiente político extrarregional a mover os eleitores que não é possível garantir abrangência pronunciadamente irradiadora das temáticas locais.
PAULINHO ALCKMIN
Embora o PSDB em fim de carreira não tenha no Estado de São Paulo, outrora fértil, influência decisiva no voto para prefeito, é possível que combinações partidárias se encaminhem para uma mistureba interna e externa que ganhe confiança do eleitorado.
Vamos a dois casas concretos. Em Santo André, Paulinho Serra era um apêndice do PT, inclusive como secretário municipal, até que, virando prefeito, fez do PT local uma linha auxiliar discreta. Não fica bem junto ao eleitorado de maioria conservadora de Santo André revelar que Paulinho Serra tem uma biografia política contraproducente à coerência.
Já imaginaram se houvesse massa crítica informativa na região e se revelasse a verdade de que Paulinho Serram, muito antes de Geraldo Alckmin, adornou à esquerda e se compôs com o PT para ganhar a Prefeitura de Santo André e conduzir o Paço Municipal durante oito anos tendo o mesmo PT como companheiro de jornada?
Pois é exatamente disso que se trata. Mais que isso: já imaginou que situação eleitoral se viveria caso fosse de domínio público massacrante, de redes sociais menos submetidas ao ambiente político externo, a propagação das relações intestinas de Paulinho Serra e sua turma com a esquerda consolidada do Partido dos Trabalhadores?
FORA DO PADRÃO
Quanto a Orlando Morando, temos um caso de um tucano que foge do padrão, especialmente do tucanato paulista. Morando jamais flertou com qualquer tipo de relacionamento amistoso com os petistas. As escaramuças já foram maiores no passado, mas há antagonismo marcante entre o prefeito e os petistas da cidade que simboliza o poder dos trabalhadores fabris.
Talvez seja exatamente por isso, por ter um adversário que detém o domínio sobre os trabalhadores de fábricas, Orlando Morando tenha decidido mitigar os embates com os petistas. Mas jamais, até prova em contrário, se alinhou ao esquerdismo petista.
Então o que temos claramente à compreensão geral de quem não se deixa capturar por invencionices e malabarismos eleitorais são dois modelos de tucanos: um claramente doutrinado a fazer um jogo combinado sem se importar com as cores dos supostos adversários e outro que não costuma admirar a vitrine eleitoral que coloque o vermelho como opção.
JOGOS CROMÁTICOS
Temos portanto um caso em que Paulinho Serra é politicamente daltônico e um Orlando Morando que enxerga tudo em multicores e sabe distinguir a cor que não deve constar da constelação disponível.
Mais que os resultados das eleições municipais do ano que vem, há um desafio a cutucar a curiosidade de quem enxerga a política como espécie de competição individual que distingue vencedores de perdedores, mesmo que vencedores e perdedores circunstanciais não sustentem essas condições em etapas seguintes.
Quem ganhará as eleições do ano que vem em Santo André e em São Bernardo, levando-se em conta o futuro dos dois prefeitos pôs-Paço Municipal?
Em nível municipal, está mais que garantida a vitória da turma de Paulinho Serra, entre outras razões porque o PT é um competidor de araque, vai fazer de contas que concorrerá mas as representações de esquerda não têm cacife para uma empreitada de adversários que se juntaram num conglomerado de partidos, inclusive com dissidentes do próprio PT.
FORÇA DO ADVERSÁRIO
Já a situação de Orlando Morando é muito mais complicada. Afinal, terá o PT de verdade como concorrente e deve torcer para que o concorrente vermelho seja mesmo o deputado estadual Luiz Fernando Teixeira. Está certo que numa disputa majoritária tudo pode acontecer, mas no caso de Luiz Fernando Teixeira, o candidato do Paço Municipal teria mais viabilidade porque o adversário é um falastrão que nem tem a confiança irrestrita do sindicalismo e tampouco está enfronhado na classe média de São Bernardo. Luiz Marinho, ex-prefeito de duas gestões, seria muito mais competitivo.
Orlando Morando faz a melhor administração pública na região desde o afundamento do PIB durante o governo de Dilma Rousseff. Não é fácil contornar a hecatombe dilmista, que extirpou quase 30% do PIB Geral de São Bernardo nos anos 2015-2016, antecedentes, portanto, à posse de Orlando Morando, em 2017.
Como a possibilidade de Orlando Morando não fazer sucessor é muito maior que Paulinho Serra sofrer derrota em Santo André, mesmo que a vitória não seja completa porque o grupo do qual faz parte pode escolher um candidato não inteiramente do agradado do prefeito, restará tanto a ele como a Orlando Morando, por força da legislação, procurar ocupação política em seguida.
O QUE SERÁ?
O que será de Orlando Morando e Paulinho Serra a partir do ano que vem? Continuarão a ocupar espaços conflitantes no cada vez mais debilitado PSDB ou cada um vai tomar caminho próprio, inclusive fora do habitat dos tucanos?
Notaram os leitores que temos, entre outras disputas paralelas em outubro do ano que vem, um embate de individualidades dos dois prefeitos de uma mesma geração tucana, embora diferentes entre si?
Não ousaria produzir um diagnóstico sobre quem se daria melhor nos quatro anos seguintes que se sucederão às eleições de outubro do ano que vem. Por mais que o futuro posterior às eleições municipais passe pelas eleições municipais, sempre haverá espaço a novas configurações.
Principalmente no caso específico em que temos dois prefeitos cujas relações e interlocuções vão além do território municipal que eles tanto conhecem.
Já se foi o tempo em que os prefeitos da região olhavam para o próprio umbigo do municipalismo político-eleitoral para sustentar posições de destaque. Com a estadualização e a federalização de interesses que se ramificam a diferentes agentes políticos, midiáticos e judiciais, todos se viram nos trinta. Por isso, se esforçam para serem mais que prefeitos municipais.
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19/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (24)