Sempre que possível faço a ressalva de que tudo, absolutamente tudo, pode acontecer quando a política partidária entra em campo. Essa é uma vacina contra detratores e oportunistas sempre de plantão. A situação político-partidária-administrativa que envolve Paulinho Serra comporta um cenário no mínimo pouco alvissareiro para o prefeito de Santo André. Mas, paradoxalmente, também reúne pitadas de oportunidade.
Presidente provisório da Executiva do PSDB em São Paulo, Paulinho Serra tem de se virar nos trinta após xeque-mate do presidente nacional do partido, Marconi Perillo: ou dá consentimento à demanda do dirigente máximo dos tucanos, ou desce às profundezas de um desgaste político em ano eleitoral.
A opção de dar e a opção de descer estão explicitadas no comunicado que Paulinho Serra recebeu da direção nacional do PSDB para preparar em fevereiro a convenção do partido em São Paulo.
BARCO AFUNDANDO
Sem entrar em detalhes técnico-jurídicos no PSDB, e resumindo a história da forma mais simples, o caso é que Paulinho Serra, ao que parece, pegou o bonde errado na tentativa mais que justa e natural de se lançar a outras jornadas.
O barco do PSDB estaria afundando para o prefeito de Santo André, mas o prefeito de Santo André (aí está o lado possivelmente positivo da situação) fez tantas articulações interpartidárias que uma nova alternativa poderia surgir no horizonte.
A turma à qual se aliou no PSDB, que contava com a presidência do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, deu com os burros nágua. Perdeu o comando nacional para o grupo ligado a Aécio Neves e a Marconi Perillo.
Paulinho Serra fez todo o possível para preparar o voo a esferas superiores da política nacional. Entre outras providências, transformou a mulher Ana Carolina deputada forradíssima de votos, principalmente dos desvalidos, numa campanha exitosa com suporte de mais de uma centena de entidades assistenciais. Ana Carolina seria lançada à Prefeitura após quatro anos de intervalo legal --- essa é a projeção de 10 entre 10 agentes políticos locais.
FORASTEIROS REABILITADOS
Além disso, Paulinho Serra loteou completamente a gestão de Santo André, com gente de todas as cores partidárias e alguns magnatas empresariais. Possibilitou, para tanto, a chegada de inúmeros agentes políticos ligados a caciques paulistas. Tudo em nome de novos ares.
Paulinho Serra fez tudo o que até outros tempos apoiadores na mídia condenavam ao rotular quem quer que fosse de fora de Santo André.
Desta feita, em nome de ambições de vários tons, Paulinho Serra contou com o respaldo da mídia chapa-branca. Os forasteiros, bobagem sem tamanho, viraram especialistas imprescindíveis. Ou seja: o outro lado abjeto da discriminação em forma de privilégio.
Vou encurtar essa breve análise para dizer que os efeitos deletérios da mais que evidente perda de prestígio no PSDB, quando inclusive chegou à posição de tesoureiro nacional, vão estremecer os planos locais, de definição do candidato à sucessão.
A expectativa de que manteria sob controle os cordéis de um plano de multiplicação de falsos concorrentes à vitória mais que garantida já não é mais a mesma. Paulinho Serra estaria aquiescendo à imperiosidade de algo mais profundo ainda que tendo peso relevante na escolha. A configuração estadual e nacional em que se enredou talvez o obrigue a aceitar novas regras do jogo eleitoral em Santo André.
PREPARANDO TERRENO
A imprensa chapa-branca vai fazer de tudo para artificializar um cenário em que supostamente tudo estaria em perfeita ordem, com Paulinho Serra e seus aliados mais próximos como peças decisivas à escolha do sucessor. Mas essa mesma imprensa chapa-branca sempre comete pecadilhos autodenunciatórios.
Tanto é verdade que ainda outro dia foi mais uma vez porta-voz de uma declaração do prefeito Paulinho Serra sobre a importância de contar com o vereador Eduardo Leite, ex-petista e agora no PSB, partido do vice-presidente Geraldo Alckmin. Era o prenúncio das más notícias tucanas destes dias.
Eduardo Leite passa a contar com favoritismo que iria além de concorrer na chapa situacionista como vice de alguém até então sob o controle do grupo de Paulinho Serra. Agora, burros nágua de Paulinho Serra no PSDB Estadual e Nacional, Eduardo Leite ganha tração para concorrer a prefeito. Paulinho Serra não teria saída senão debandar de vez para os braços do vice-presidente da República. Seria melhor que seguir desgastado no PSDB.
FRAGMENTAÇÃO ESPERADA
Há vários ensaios de dissidências no grupo de pré-candidatos preparado por Paulinho Serra e seus parceiros de controle do Paço Municipal. Na medida em que ressoam informações alheias às vontades da turma que assentava a unidade e a conciliação de interesses locais, mais evoluem inquietações e complexidades.
Já há um sentimento de fragmentação que pode se espalhar sem que seja possível estancar os efeitos negativos em nome dessa mesma unidade. O enfraquecimento de Paulinho Serra entre os tucanos e o deslocamento rumo a Geraldo Alckmin como linha auxiliar do PT, uma tática mais que definida às próximas eleições em muitos municípios paulistas, vão adicionar idiossincrasias.
A candidatura de Eduardo Leite à Prefeitura de Santo André está longe de caracterizar uma conversão geral e irrestrita do grupo de Paulinho Serra. O ex-petista é visto como alguém ponderado, persuasivo, cumpridor de acordos e suficientemente apetrechado para ocupar a chefia do Executivo. Entretanto, e isso é um ponto relevante, não teria a mesma flexibilidade e contorcionismo político do atual titular do Paço Municipal. Seria Eduardo Leite um político de fino trato, mas, e aí é que mora o perigo aos atuais mandachuvas na Prefeitura de Santo André, não se submeteria a condicionalidades da gestão atual.
Traduzindo sem firulas diplomáticas: Eduardo Leite seria um gestor público mais apetrechado e menos suscetível a influência de terceiros fora do organograma oficial da Prefeitura de Santo André. Mais? Está longe de ser uma maria-vai-com-os-outros. O sonho dos controladores da Administração de Santo André de contar com uma réplica de aquiescência de Paulinho Serra pode virar pesadelo.
MULHER DO PREFEITO
É claro que muita água vai rolar até as eleições de outubro. Catapultado à condição de favorito da chapa situacionista, Eduardo Leite deverá pagar o preço de retaliações de dissidentes frustrados com o andar da carruagem de novidades externas com influência interna.
A reconfiguração de uma unidade que já parece enfraquecida se estabelece como alarme que exigiria muita articulação. Paulinho Serra sabe que não pode e nem mesmo morreria na praia da desilusão após os quase oito anos de dois mandatos que se completarão nesta temporada.
Bom de voto e ruim de governo, Paulinho Serra dificilmente deixará de seguir como força eleitoral durante os quatro anos em que apenas assistirá ao desempenho do sucessor que sairá mais que provavelmente das entranhas de sua Administração. Não existe oposição eleitoralmente viável em Santo André. Exceto se sair do ventre da atual Administração.
TUCANOS DINAMITADOS
O planejamento teria de ser reformatado. A pretendida conversão como político de prestígio eleitoral estadual, que o PSDB possibilitaria, parece insustentável. Aliás, antes mesmo da tomada nacional do partido por grupos adversários.
A polarização entre bolsonaristas e lulistas nos últimos anos apequenou os tucanos. Haja vista a derrocada do candidato Rodrigo Garcia nas últimas eleições ao governo do Estado. A morte política precoce de João Doria está inclusa nessa tragédia.
Doria foi um divisor de águas na agremiação até então aliada informal dos petistas, naquilo que se convencionou chamar de Teatro das Tesouras. Tucanos e petistas fingiam rivalidade. Tanto que Paulinho Serra antecipou-se a Geraldo Alckmin ao entregar-se ao petismo de Santo André como secretário de Mobilidade Urbana do então prefeito Carlos Grana. E, em seguida, sob estragos de Dilma Rousseff, passou a perna no mesmo Carlos Grana ao se lançar com sucesso ao comando do Paço Municipal.
O que se observa aqui e ali nas redes sociais é um desfilar de críticas ao atual governo federal petista, ao mesmo tempo em que, internamente, esses mesmos críticos apoiam Paulinho Serra. E agora, com a reviravolta na cúpula tucana nacional e estadual, os mesmos apoiadores de Paulinho Serra se veem atônitos porque, ao que tudo indica, terão de engolir no melhor estilo zagalliano um ex-petista e sempre centro-esquerdista como peça-chave da estratégia eleitoral.
MUITO À VONTADE
Eduardo Leite se sente tão à vontade como potencial candidato à sucessão que ainda outro dia, em entrevista ao Diário do Grande ABC, jornal que canoniza Paulinho Serra, teve a ousadia, entre aspas, de condicionar o suposto sucesso da Administração.
Diferentemente, portanto, de uma entrevista anterior que se tornou decisiva à animosidade com a direção do PT de Santo André, quando aprovara a atuação de Paulinho Serra sem restrição alguma.
Veja o que ele disse numa reportagem sob o título “Elogiado por Paulo Serra, Eduardo não descarta elo e nega aliança pronta com o PT”:
Em visita ao Diário, o parlamentar declarou que o projeto do PSB é de discutir a cidade “sem radicalismos”. “Não nos identificamos nem como um partido de oposição nem da base de sustentação. Portanto, quem quiser conversar com a gente tem de estar disposto a discutir Santo André, sem radicalismos, de forma livre (de questões ideológicas)”, pontuou. “O governo do Paulo Serra é bem avaliado, teve acertos, mas também teve erros. Assim como o governo (de Carlos) Grana (PT), que teve acertos e erros. Queremos ver uma Santo André com saúde cada vez mais de qualidade, uma educação melhor, e que possamos pavimentar uma cidade cada vez mais desenvolvida”, citou o socialista. Leite tergiversou sobre as recentes declarações de Paulo Serra – o tucano disse ter “profunda consideração, tenho ele em alta estima e muito respeito”. “Eu não tenho dúvidas de que a gente estará próximo, para não dizer junto (em 2024)”, declarou o tucano, ao Diário. “Realmente, o prefeito Paulo Serra é muito bem avaliado. Porém, o nome dele não estará na urna eletrônica no ano que vem. É muito difícil essa transferência de voto, não temos como estabelecer o percentual que uma liderança passa para seu indicado. A única certeza que nós temos é que o prefeito Paulo Serra não estará nas urnas eletrônicas do ano que vem. E isso deixa a disputa muito mais equilibrada”, avaliou.
ENTREGANDO A RAPADURA
Quem sabe ler o Diário do Grande ABC além do sentido convencional de leitura avalia a entrevista com Eduardo Leite como espécie de preliminar confessional de uma derrocada iminente do grupo de Paulinho Serra na disputa por espaço de comando do PSDB Paulista.
Ou seja: a reportagem sinaliza alinhamento entre petistas e tucanos frustrados que encontram no PSB de Geraldo Alckmin a boia de salvação dos planos traçados para fortalecimento do grupo de Paulinho Serra. Nada que não seja natural na política. E é nesse ponto que a frustração tucana de Paulinho Serra pode se tornar, quem sabe, uma lufada de esperança de dias menos tenebrosos ao se aproximar para valer do vice-presidente da República.
Na política, nada se perde, exceto quando o perdedor passa todo o tempo remoendo a derrota.
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14/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (23)