Como era esperado, até porque o esperado se consolidou ao longo dos anos passados como normal, rotineiro e consequencial do estado de inação regional, o capítulo relativo a Relações Institucionais do governo Lula da Silva não oferece nenhuma resposta otimista. Tudo continua como antes na região, levando-se em conta que o Clube dos Prefeitos, oficialmente Consórcio Intermunicipal, dá as cartas oficiais da regionalidade. O Clube dos Prefeitos é uma ficção quando o referencial é o reformismo regional.
Como dar as cartas se faltam jogadores no entorno da mesa de jogo de cartas? São Bernardo do prefeito Orlando Morando e São Caetano do prefeito José Auricchio seguem fora da mesa de jogos que supostamente colocaria a regionalidade em primeiro lugar.
À frente do Clube dos Prefeitos, como prefeito dos prefeitos, o prefeito de Mauá, Marcelo Oliveira, trata de utilizar a entidade para beneficiar a própria gestão. Nada pecaminoso, convenhamos. A maioria dos antecessores agiu assim, com maior ou menor grau de interferência protetiva.
MUNDO PARALELO
O que não falta na praça estadual e também na praça federal é gente emburrecida e ignorante que imagina ser o Clube dos Prefeitos uma maravilha de concertação coletiva. Mal sabem que se trata de um time de terceira linha que queima todos os estoques de individualidades que aparecem.
Nada, absolutamente nada, para valer mesmo, se notou no primeiro ano do governo Lula da Silva em relação à regionalidade. Há mais fumaça que luminosidade. Um anúncio de investimento pontual aqui, outra promessa ali, o ressuscitamento do fracassado PAC na região, requentando-se a pauta construída em meados da década passada, tudo isso não caracteriza e, mais que isso, não materializa mudanças de que a região tanto carece.
A institucionalidade da região continua em frangalhos. O sonho de Celso Daniel, criador do Clube dos Prefeitos, da Agência de Desenvolvimento Econômico e da Câmara Regional em meados dos anos 1990, quando assumiu a Prefeitura de Santo André pela segunda vez, não ultrapassou os limites da mediocridade de todos que o sucederam, morto que foi em janeiro de 2002.
A região continua sendo um território dividido em sete partes que raramente se comunicam. É um Arquipélago Cinza, expressão que criei exatamente para resumir a situação institucional, de consequências econômicas e sociais tenebrosas, que vivemos.
A ANÁLISE DE 2023
É muito pouco provável mas nem por isso completamente descartável que o Grande ABC estabeleça relações institucionais com o governo federal no terceiro mandato de Lula da Silva e no quinto mandato do PT em Brasília.
Entretanto, surge uma questão inescapável: como acreditar que relações entre administrações locais conjugadas no mesmo esforço de direcionamento regional encontrem fluxo nas águas do governo federal se o Clube dos Prefeitos foi para o beleleu com a retirada de três (São Bernardo, São Caetano e Ribeirão Pires) da direção colegiada?
Pior que isso: se durante os 14 anos de PT Federal o Grande ABC praticamente esgotou toda a paciência e confiança dos crédulos ao não se alinhar a propósitos específicos regionais com Lula da Silva e Dilma Rousseff, o que esperar agora, nos próximos quatro anos, quando se sabe que o governo federal acrescentou debilidades fiscais e político-partidárias que limitam muitas ações públicas?
É possível que mais uma vez, de acordo com humores e horrores de ocasião, sejam vendidas informações de que o Grande ABC estaria mais próximo do governo federal na definição e na aplicação de medidas corretivas.
Tudo, até prova em contrário, não passará de marketing.
A quebra de uma unicidade institucional incapaz de produzir frutos coletivos para a região talvez seja até uma boa notícia e incremente perspectivas menos tormentosas.
A contradição seria explicada ante a possibilidade de, na medida em que ninguém esperaria ou se dedicaria para valer a ações conjuntas envolvendo os sete municipais, todos os sete dirigentes municipais, individualmente ou mesmo em outros formatos, menos de coletivo total, decidam procurar instâncias federais para resolverem demandas.
É claro que o individualismo pragmático e outros arranjos parceiros são companhias imperfeitas ao coletivismo planejado, mas possivelmente não restaria outra saída.
Em casa que falta pão, todos gritam e ninguém tem razão.
Esperar que o governo federal indique espécie de relações institucionais apetrechado para cuidar dos interesses coletivos do Grande ABC, ultrapassando a barreira do municipalismo que restou, é confiar demais no improvável. Já se tentou isso antes, em nível estadual, e nada se alcançou.
Afinal, se com todo arranjo do Clube dos Prefeitos, mal das pernas, é verdade, mas publicamente uma concertação regional, praticamente nada se avançou em governabilidade durante os 14 anos do PT Federal no Grande ABC do passado, como acreditar que agora, rompida oficialmente a hipocrisia do coletivo, se dê algo diferente?
A raiz dos transtornos e decepções do Grande ABC durante os quatro mandatos do PT em Brasília, e que provavelmente se repetiria agora, está na ausência de um regionalista para valer.
Que tipo de regionalista seria esse? Um regionalista com autoridade inabalável, prestígio, obras feitas, legado entusiástico.
Esse regionalista, que seria ministro do Planejamento do primeiro governo de Lula da Silva, foi assassinado em janeiro de 2002.
Celso Daniel, uma vertente acadêmica mais bem acabada do petismo trabalhista, professor da Fundação Getúlio Vargas, triprefeito de uma Santo André em busca de saída econômica, faz muita falta à região e ao PT Federal.
Para que impere uma relação mais estreita entre o Grande ABC e o governo federal petista, é preciso descobrir um novo Celso Daniel.
A má notícia é que o Celso Daniel esperado, bem acabado, inquestionável na arte de aproximar empresários e trabalhadores, acadêmicos e lideranças sociais, esse Celso Daniel não existe na praça regional.
Luiz Marinho poderia ter desempenhado parte desse papel durante pelo menos os oito anos em que foi prefeito de São Bernardo.
Até porque contava com vários auxiliares que também atuaram ao lado de Celso Daniel.
Mas Luiz Marinho é um político e administrador de estilo diferente. Nada, entretanto, que não pudesse ser adaptado.
Luiz Marinho sempre preferiu prefeiturar no sentido municipalista do termo.
Durante o período em que ocupou a presidência do Clube dos Prefeitos, Luiz Marinho foi quem mais se aproximou do legado cultural de regionalismo de Celso Daniel, mesmo com outro estilo de gestão.
Mas exagerou na dose ao centralizar ações em representantes da vertente sindicalista, em detrimento de empreendedores.
Luiz Marinho valorizou a organização inclusive com dotações orçamentárias municipais mais compatíveis com as exigências impostas pela regionalidade.
Entretanto, perdeu-se na definição de perpetuar um modelo diretivo. Não promoveu alterações estatutárias que, entre outras medidas, colocassem representantes da sociedade como peças importantes na definição de projetos.
Essa era uma das pretensões de Celso Daniel, que enfrentava dificuldade para levar adiante. O Clube dos Prefeitos é uma instância de exclusivismos dos chefes do Executivos.
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