Agradeço ao prefeito Orlando Morando por ter-me presenteado com a senha do cofre de explicação ao que ainda mantinha como enigma após as eleições do primeiro turno em São Bernardo. Estava à procura de uma razão sólida, insofismável, para o fato de a sobrinha do prefeito, Flávia Morando, não ter ido ao segundo turno na disputa mais acirrada da história eleitoral na Capital Econômica do Grande ABC.
A entrevista de Orlando Morando na sexta-feira ao ABCemOFF e, especificamente, o ponto-chave apontado sem aprofundamento, passou praticamente despercebido, menos por este jornalista sempre à procura de um joia de resposta.
Sabem o que Orlando Morando disse e que destravou a chave da porta da interrogação central sobre a ausência de Flavia Morando no segundo turno? Quer saber mesmo?
Antes vou dizer que esgrimia uma outra razão supostamente convencedora de que não havia dúvida sobre o que imaginava de grande influência, mas, ao mesmo tempo, não a considerava a razão principal. Estava em busca da razão principal.
FALTAVA A PROVA MAIOR
O que havia sacramentado -- mas não de forma contundente -- como resposta a tantas perguntas que ouvi sobre a surpresa de Flávia Morando não ter passado de estágio eleitoral é que o candidato Marcelo Lima, duas vezes eleito vice-prefeito na chapa de Orlando Morando, fizera campanha perfeita ao autoproclamar-se cocomandante das inúmeras obras estruturais do prefeito Orlando Morando – e de que continuaria o projeto do prefeito.
Em todos os debates, Marcelo Lima insistiu nessa tecla, evitou criticas aos adversários, falou em propostas, e preparou o terreno para, no segundo turno, amealhar reforços, principalmente do próprio prefeito. Marcelo Lima portou-se o tempo todo como candidato do prefeito e se apresentou como prefeito de continuidade. O petista Luiz Fernando Teixeira deu tiros para todos os lados e Alex Manente ficou entre a cruz de uma oratória morna e a espada de ataques inconsistentes.
Marcelo Lima foi, portanto, um candidato do prefeito mesmo não sendo o candidato do prefeito porque o prefeito temeu a possibilidade de Marcelo Lima perder fôlego com a disseminação da cassação do mandato, que seria explorada pelos adversários, como o foi durante todo o primeiro turno e também o está sendo agora no segundo turno por Alex Manente.
CASASSÃO MITIGADA
Dava-se preliminarmente importância, que se apresentou excessiva, à cassação do mandato de Marcelo Lima. Entrei nessa onda de desconfiança quanto à resistência de Marcelo Lima. Ao que parece de fato, o senso comum do eleitorado instalou determinados casos políticos antes letais agora numa zona de aceitabilidade. Antigamente, candidato cassado era candidato desqualificado.
A cassação de Marcelo Lima foi um jogo político sórdido. Ele trocou de partido e por firulas interpretativas acabou substituído na Câmara Federal por Paulinho da Força, que dispensa adjetivação e, mais que isso, reforça a ideia de que há nova configuração judicial permissiva à delinquência política.
Sei que o leitor e eleitor já está ficando irritado porque insisto em adiar parágrafos que colocariam a questão enunciada por Orlando Morando como a porção essencial à eliminação de Flávia Morando. Pois vou revelar de vez.
MEMÓRIA ELEITORAL
Nada parece mais consistente como resposta, mais que qualquer polêmica sobre a razão de Jair Bolsonaro ter virado presidente, se a facada ou outra coisa qualquer, do que o fato de Flávia Morando ter entrado em franca desvantagem por causa do fator que Orlando Morando chama de recall eleitoral.
Prefiro uma expressão aportuguesada que já utilizei em outras situações: Flávia Morando, primeira vez na vida candidata a um cargo público, perdeu na largada e daí em diante em todas as etapas da corrida eleitoral para três concorrentes muito mais conhecidos do eleitorado, todos com longa vida política.
Alex Manente é deputado federal pela terceira vez depois de duas vezes deputado estadual e após começar como vereador. Marcelo Lima foi vereador duas vezes antes de virar vice-prefeito e em seguida deputado federal.
Luiz Fernando Teixeira foi dirigente de ponta dos dois mandatos de Luiz Marinho como prefeito de São Bernardo, presidiu o São Bernardo e está na terceira legislatura como deputado estadual. No conjunto, só nas eleições de 2022, os três adversários de Flávia Morando somaram 157.608 votos nas eleições de 2022 em São Bernardo.
ESTOQUE E EXPERIÊNCIA
Leitores mais ávidos por questionamentos poderiam sugerir que Flávia Morando também teria estoque de memória eleitoral tanto do tio duas vezes prefeito e três vezes deputado estadual, além de vereador, e da tia Carla Morando, duas vezes deputada estadual.
Não perguntaram a Orlando Morando na entrevista a qual me referi nada que desabotoasse a camisa de curiosidade da menção à memória eleitoral da própria família como eventual contraponto à consistência da alegação do prefeito.
Se perguntassem provavelmente Orlando Morando diria o que vou dizer porque o que vou dizer me parece mais apropriado: o nome eleitoral da família Morando ajudou até determinado minuto do tempo regulamentar. A partir daí, diante do contexto eleitoral de cachorros grandes na pista, o eleitor passou a observar um fator que pesou consideravelmente à definição de voto: a experiência do pleiteante.
No caso, experiência é no sentido não necessariamente de competência, mas de conhecer os caminhos da política.
FATO-CHAVE
Por isso a memória eleitoral deve ser avaliada como fator-chave dos resultados do primeiro turno, conjugado, em grau inferior, com a estratégia de Marcelo Lima em avocar para si o direito público de ser para valer o herdeiro natural de oito anos do melhor prefeito que São Bernardo já conheceu.
É isso mesmo: Orlando Morando é o melhor prefeito que São Bernardo já conheceu. Chefiou uma Administração que cometeu equívocos muito aquém das denúncias eleitoreiras que abundaram por conta de idiossincrasias que não valem a pena ser comentadas agora.
Orlando Morando é o único prefeito reformista deste século na região. As obras que colocaram a mobilidade urbana de São Bernardo num patamar diferenciado abriram portas e janelas a tentativas de recuperação econômica cada vez mais improvável porque a Doença Holandesa Automotiva não depende quase nada de fatores internos, municipal e regional. Principalmente porque os fatores internos estão correlacionados a fatores regionais e todos sabem que a região é uma farsa dividida em sete pedaços com mania de autonomia.
CASO SANTO ANDRÉ
Como detesto hipocrisia e sei que sei que comparação são feitas no regionalismo geralmente detrator do Grande ABC, o que sobra de pergunta provocativa é o seguinte: por que o prefeito de Santo André, Paulinho Serra, igualmente popular como Orlando Morando, mas longe de ter feito qualquer coisa que não fosse varejismo administrativo, elegeu facilmente o sucessor, enquanto Orlando Morando, muito, mas muito melhor, dançou o último tango?
Ora, bolas: porque Santo André não contou com qualquer concorrente que reunisse memória eleitoral que sequer tangenciasse os três adversários de Flávia Morando em São Bernardo.
Luiz Zacarias, vice-prefeito, era o mais conhecido, mas mesmo assim não passou de 16.148 votos na corrida eleitoral para deputado federal em 2022. Concorreu em raia separada como cabo eleitoral da mulher do prefeito Paulinho Serra. Bete Siraque foi candidato do PT em Santo André em 2020 e não passou de 25.493 votos. Eduardo Leite foi eleito vereador em 2020 com 3.369 votos. Total? 45.008 votos – 28% do trio parada dura de São Bernardo.
Portanto, o que tivemos em São Bernardo foi um Quarteto Maluco e em Santo André, visto por esse ângulo, o ângulo da memória eleitoral, tivemos um Falso Quarteto.
BOM E RUIM
Viram que não tem comparação? Além disso, historicamente, o processo eleitoral em São Bernardo é muito mais aguerrido que em Sant André, porque o PT de São Bernardo é mais petista que o PT de Santo André.
Portanto, o que valeu para um não valeu para outro. Sem contar que existe um fosso profundo que separa prefeito bom de voto e ruim De governo e prefeito bom de voto e bom de governo.
O prefeito bom de voto e ruim de governo, caso de Paulinho Serra, encontrou um terreno fértil à eleição de um sucessor que, como Flávia Morando, jamais houvera concorrido a qualquer coisa.
Só o futuro vai responder a duas indagações centrais pós-eleições, caso se confirme a vitória de Marcelo Lima diante do deputado federal Alex Manente, o que parece encaminhado caso não passeie por São Bernardo neste domingo uma zebra que até agora nenhuma pesquisa eleitoral detectou, ou seja, a vitória do deputado.
Com a provável vitória de Marcelo Lima, a próxima gestão de São Bernardo poderá confirmar a lógica de que Orlando Morando perdeu mas ganhou a disputa de votos.
DERROTA-VITÓRIA
Orlando Morando, forçando um pouco a barra, teria concorrido no primeiro turno com dois candidatos. Flávia Morando e Marcelo Lima ocuparam raias separadas em termos partidários, mas no fundo, como faz questão de ressaltar, o finalista sabe que os votos dos Morandos no segundo turno, juntamente com os votos petistas que só são neutros nas conversas fiadas, dariam a ele a segurança de sucesso.
Dessa forma, se tudo se encaminhar com esse enredo, Orlando Morando teria conquistado na temporada uma derrota-vitória que o manteria como peça importante no tabuleiro politico na região. Já o seria, independentemente de qualquer composição, mas com o desenlace esperado, o será ainda mais.
É claro que essa parcela seria maior caso Flávia Morando houvesse vencido a disputa, mas os resultados colocam Orlando Morando em situação suficiente mente confortável para tornar a potencial gestão de Marcelo Lima continuidade de fato transformadora de São Bernardo.
Já a continuidade em Santo André exigirá transformações econômicas que os oito anos de Paulinho Serra só agravaram.
Como se pode perceber, os resultados eleitorais em Santo André e em São Bernardo são muito menos simplistas do que imaginam os simplórios ilusionistas numéricos.
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14/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (23)