Não há milagre: só se cria emprego com crescimento econômico. Fórmulas como redução de jornada, banco de horas e contratos temporários com menos encargos sociais são paliativas, na opinião do economista Márcio Pochmann, da Unicamp, um especialista em assuntos trabalhistas. São apenas adequações a uma realidade de baixa expansão do mercado e dependendo da providência, como cortar salários em 20%, equivalem a demitir 20% da força de trabalho. Do ponto de vista macroeconômico, é o mesmo que tirar 20% do consumo, agravando a recessão — avalia Pochmann, 35 anos, professor de Economia do Trabalho e diretor-executivo do Cesit (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho) da Universidade de Campinas.
Nem mesmo a tecnologia é desempregadora se a economia crescer a taxas elevadas — na opinião do professor –, pois a mão-de-obra substituída pela automação migraria para outras atividades. Márcio Pochmann teme pelo baixo crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) previsto para este ano, entre 1,5% e 2%, o que levaria o Brasil a encerrar a década de 90 em patamar inferior ao dos anos 80, considerados a década perdida. Isso dificulta arrancar das empresas novos e maciços investimentos para gerar postos de trabalho que façam frente ao desemprego recorde de 17,2% apurado em São Paulo pelo Dieese em fevereiro (ou os históricos 7,25% do IBGE em âmbito nacional).
Segundo Pochmann, o parque produtivo está contra a parede com juros altos de um lado, câmbio defasado de outro e ausência de financiamentos de médio e longo prazos. Ganhos de produtividade das empresas de 7% ao ano, nos últimos quatro anos, estariam sendo simplesmente consumidos pela sobrevalorização do Real diante do dólar, e não no aumento de salários e no barateamento dos preços.
Doutor em Economia e autor do livro Políticas do Trabalho e de Garantia de Renda (Ed. LTD, 1995), Márcio Pochmann é defensor do contrato coletivo de trabalho e não concorda que a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) seja restritiva. “Há enorme facilidade para demitir e contratar pessoas, daí o Brasil deter um dos maiores indicadores de rotatividade de mão-de-obra do mundo, acima de 30%” — cita.
Redução da jornada de trabalho sem redução de salários, como quer a CUT (Central Única dos Trabalhadores), não gera efeito inverso? Ou seja, desfavorece o trabalhador porque inibe a criação de empregos e a própria manutenção desses empregos devido ao aumento de custos das empresas?
Márcio Pochmann – Não há experiência histórica no mundo mostrando que se tenha resolvido o desemprego reduzindo generalizadamente o custo da mão-de-obra. Isso pode ajudar, mas não resolve o problema, que passa necessariamente por uma discussão macroeconômica. Se olharmos para a história da economia de mercado, verificamos que a partir do final do século 19 teve início a tendência de reduzir a jornada de trabalho sem mexer nos salários. Aliás, houve até crescimento dos salários, tendo em vista partes da produtividade que foram incorporadas.
Mais recentemente, no entanto, com a expansão do setor de serviços, a jornada tem aumentado para os autônomos e profissionais liberais por conta do homeoffice, ou trabalho em casa, bastante difundido, por exemplo, nos Estados Unidos. Entre os brasileiros, estudo recente mostrou que nos anos 90, nas indústrias de São Paulo, houve redução no número de trabalhadores e no salário real, mas vários empregados estão com jornada maior devido ao constante uso de hora extra. As horas extras, assim, vêm compensando parte da perda salarial que ocorreu a partir de 1990 e também inibindo a abertura de novas vagas.
A alternativa de geração de emprego via redução da jornada depende, portanto, do comportamento mais geral da economia. Como 1998 é um ano de turbulência econômica (eleições, crise dos asiáticos ainda latentes), a redução da jornada poderia, por exemplo, inibir possíveis demissões, não necessariamente aumentar o emprego. Por outro lado, quando há redução da jornada sem redução do salário, significa que o custo-horário aumenta, mexendo numa questão-chave para as empresas. Questão que pode ser compensada pelo aumento da produtividade.
Há justamente quem veja espaço para aplicar a redução da jornada sem emagrecer os salários como uma forma de partilhar ganhos de produtividade. Mas como fica a competitividade da empresa levando-se em conta a globalização da economia?
Pochmann – Quando olhamos os últimos três anos, sobretudo, verificamos que houve de fato ganhos de produtividade significativos. Segundo o IBGE, a produtividade do trabalho cresceu no Brasil em média 7% ao ano nos últimos quatro anos. Ocorre que na maior parte dos casos as empresas não repassaram essa produtividade para os salários. Muitas sequer absorveram a produtividade na margem de lucro ou mesmo no barateamento dos preços. A maioria está usando esse ganho para compensar a valorização cambial, que se constitui no grande gargalo da economia brasileira. Como o Real frente ao dólar está valorizado, as empresas, para amenizar a elevação de custos promovida pela valorização cambial, compensam isso com a produtividade.
O ambiente brasileiro é competitivo, mas não é isonômico. Ou seja, as empresas que vêm do exterior para concorrer aqui saem de uma situação mais satisfatória do que a existente internamente para empresas brasileiras. Veja o caso da Coréia, que já tinha custos competitivos e agora desvalorizou sua moeda diante do dólar. Além disso, faltam no Brasil mecanismos de financiamento. É difícil encontrar bancos interessados em financiar o setor privado a médio e longo prazos, salvo financiamentos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e Banco do Brasil, mesmo assim escassos para o universo de empresas existentes no País, sobretudo micro e pequenas.
Agrava esse problema a altíssima taxa de juros do Brasil. Quando possui recursos, a empresa acha mais interessante aplicar no mercado financeiro do que utilizá-los para modernizar-se tecnologicamente, investir no parque produtivo ou até ampliá-lo, dadas as incertezas que ainda permanecem na economia. A taxa de juros é desincentivadora de novos investimentos produtivos. É um quadro muito ruim do ponto de vista das empresas: juros altos de um lado, câmbio valorizado de outro e ausência de mecanismos de financiamento adequados. Os ganhos de produtividade, assim, não vão para os salários, não reduzem as jornadas e não são repassados aos preços.
Pressões para trabalhar menos não agravam esse quadro, quando o que precisamos é de mais produção, mais escala para reduzir custos?
Pochmann – Banco de horas, redução de jornada, contratos temporários são esforços importantes dentro das empresas, mas com efeito limitado. São formas de adequar-se a uma realidade de competição não isonômica e de baixo crescimento econômico interno. Estudo concluído recentemente no Cesit da Unicamp mostra que, além de não gerar emprego, o novo contrato temporário de trabalho, se aplicado em 12 meses, reduz somente em 1,83% o custo final dos produtos. Haveria economia de 7,9% com salários e 14,6% com encargos sociais, mas influência mínima nos preços finais.
Há consenso de que a CLT está ultrapassada e engessa a flexibilização dos contratos trabalhistas. Você faz parte do coro que prega menos legislação, mais livre negociação?
Pochmann – Quando olhamos a relação capital-trabalho no mundo, observamos que no Brasil os empresários têm mais liberalidade para definir o uso da mão-de-obra. Há enorme facilidade para demitir e contratar pessoas, daí o País deter um dos maiores indicadores de rotatividade de mão-de-obra, bastante acima de 30%, enquanto nos Estados Unidos está em 20% ao ano. Quem precisa demitir, demite, mesmo com o custo econômico dessa demissão, que acaba embutido no preço final do produto. Quando uma empresa brasileira contrata novo empregado, já incorpora o custo da demissão no produto. Faz parte da racionalidade econômica incorporar esses custos.
Em alguns países, quando uma empresa precisa demitir, há requisitos administrativos a seguir, como informar o Sindicato e a Prefeitura por que vai demitir, mostrar se as causas dos cortes são justas. Na Alemanha, há casos em que o aviso prévio tem de durar até seis meses. No Japão, cerca de 40% dos trabalhadores têm emprego vitalício. Na Coréia, que está agora mudando, uma empresa só pode dispensar quando entra em falência. Nos Estados Unidos a demissão, em vários casos, depende da informação prévia ao Sindicato. Isso não temos no Brasil.
No discurso, há consenso de que temos uma CLT inflexível, mas não é bem assim. Como não temos a figura do contrato coletivo de trabalho, o que predomina no Brasil são os contratos por tempo indeterminado. No contrato coletivo, Sindicato e empresa estabelecem as regras gerais de uso e de remuneração dos trabalhadores. No Brasil, isso é dado como um instrumento de rigidez. Ao mesmo tempo, quando uma empresa contrata o trabalhador, arca com custos adicionais por contratar esse trabalhador. Grande parte do financiamento das políticas públicas é feita por aqueles trabalhadores com carteira assinada. Por exemplo: o salário-educação financia o ensino público de Primeiro Grau. Não há porque manter ensino público de Primeiro Grau com parte do custo de contratação da empresa. Precisamos, obviamente, encontrar outra forma de financiar a educação. Do jeito que está, quem mais contrata mais onerado fica em termos de financiamento de políticas públicas.
Não lhe parece mais racional reduzir encargos como esse sobre a mão-de-obra, e não direitos trabalhistas e salários? Afinal, é comprovado que o trabalhador brasileiro é o que mais custa e menos recebe. O professor José Pastore tem estudo indicando que um trabalhador custa 102%, ou seja, outro salário para a empresa. Na construção civil, o Secovi chegou a 187%.
Pochmann – Vou um pouco contra essa corrente. Não acredito que os encargos sociais tenham essa grandeza, independente de saber se são encargos ou se são benefícios. Do ponto de vista do empregador, interessa-lhe quanto paga pela mão-de-obra. Ele não vai olhar se parte vai para o governo, outra parte para o Senai ou Sebrae e outra para o trabalhador.
Embora não comungue da ideia de que os encargos pesem muito sobre o trabalho no Brasil, acredito que há possibilidade de reduzi-los. Em primeiro lugar, como disse acima, essa redução passa pela reforma tributária. Peguemos o salário-educação: em outros países o ensino público é financiado com impostos sobre a renda, sobre o consumo. Por que onerar, no Brasil, as empresas que contratam pessoas?
O mesmo acontece com o sistema de aposentadoria e pensão, que onera fundamentalmente empresas que mais contratam trabalhadores. Por que não encontrar outra alternativa para financiar a Previdência Social no País? Uma opção pode estar no imposto sobre o faturamento, que não prejudica quem usa mão-de-obra intensiva. Se temos duas empresas com o mesmo faturamento, só que uma utiliza mais tecnologia e outra mais mão-de-obra, esta segunda é hoje mais onerada. Veja que a questão é mais complexa do que ficar simplesmente eliminando benefícios trabalhistas. Do jeito que está, se abolem esses encargos/benefícios, comprometem-se as políticas públicas do Brasil nas áreas de educação e aposentadoria, por exemplo.
A segunda questão está na reforma das relações do trabalho como um todo. Grande parte dessa relação no Brasil está na legislação, na Constituição. Em outros países vários direitos estão fora da Constituição ou de um código do trabalho, porque existe um sistema de relações do trabalho democrático, que é a negociação. Como no Brasil não há a contratação coletiva, avalia-se que o estar na lei é suficiente. Sabemos que no Brasil nem tudo que está na lei é cumprido. Por isso, a instituição do contrato coletivo no País é passo muito importante.
Outro avanço seria a organização dos trabalhadores no local de trabalho. O Brasil tem ideia defasada de que os trabalhadores vão querer atrapalhar a empresa ou tomar o comando da diretoria. Isso hoje perdeu sentido. Estamos dentro de um paradigma de competição e cada vez mais empregado-empregador tornam-se parceiros dentro de uma meta maior que se chama redução de custo.
Com as mudanças que se processam na economia, jornadas de trabalho em período integral perdem espaço para o trabalho temporário ou de tempo parcial. O Brasil acaba de dar nova regulamentação à contratação temporária como forma de as empresas ganharem competitividade. São contratos por dois anos que reduzem em até 50% os encargos sociais sobre o emprego. Mas Sindicatos acham que isso só significará perda de qualidade, porque trabalhador temporário não se especializa na tarefa que executa, além de as empresas acabarem dispensando-o ao final do contrato. Não há aí uma encruzilhada?
Pochmann – Se é verdade que no Brasil as empresas, em geral, não avançam muito na confiança em seus trabalhadores, porque a qualquer situação econômica mais difícil optam por demitir, também é verdade que os trabalhadores brasileiros tendem a não desenvolver compromissos sólidos com o empregador. Como os salários gerais são baixos, qualquer proposta acima pode levar o trabalhador a sair do emprego. Essa instabilidade nos contratos é desfavorável inclusive no que diz respeito à qualificação profissional. As empresas no Brasil gastam pouco no item qualificação da mão-de-obra, mesmo porque correm risco grande ao treinar sem a segurança de que o funcionário vá permanecer na companhia. Isso impede o avançar na qualidade da mão-de-obra. Tanto que programas de qualificação no Brasil são, em geral, externos às empresas. Ou são o Senai e Senac que os promovem, ou, mais recentemente, o Ministério do Trabalho através do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). Por isso, a reforma nas relações do trabalho tem papel importante para melhorar esse quadro.
O desinteresse do trabalhador temporário sobre executar bem ou não sua tarefa é risco que pode ocorrer com a generalização do contrato por tempo determinado, como aconteceu com a Espanha. Aqueles sob tempo determinado ajudaram na flexibilização das empresas, que reduziram custo e tornaram mais dinâmica a contratação, mas originaram, como consequência, aumento da rotatividade. Isso comprometeu em parte a competitividade e a qualidade dos produtos das empresas. Como a possibilidade de usar o contrato temporário era geral, ou seja, para qualquer tipo de trabalhador, ocorria que esse trabalhador não tinha compromisso algum com o emprego, com a preocupação de cuidar do produto, do fornecedor, do cliente. A Espanha acabou limitando o uso do contrato temporário para trabalhos eventuais, não o utilizando para postos estratégicos, que unem o núcleo dos trabalhadores na empresa. Então, é um risco de fato que está colocado. Contratos especiais de trabalho também não resultaram em mais empregos na França e Argentina.
Você defende a figura do Sindicato trabalhista nas tratativas das empresas para admitir temporários por tempo determinado, como acabou prevalecendo na nova lei. Por que essa defesa, já que a bandeira da desregulamentação da área trabalhista empunha a livre negociação total entre as partes? Ou seja, a flexibilidade de contratar, remunerar e demitir não deveria passar apenas por empregado-empregador?
Pochmann – No Brasil a contratação é uma arbitrariedade da empresa, exclusivamente, por meio do contrato individual de trabalho. A experiência mais moderna é a dos países mais avançados, como Estados Unidos, Europa e Japão, que implantaram o contrato coletivo, pelo qual o Sindicato senta com a empresa e discute as condições gerais do emprego, das formas de contratação, critérios para demissões, para hierarquia de salários etc. É uma experiência positiva ter o Sindicato como agente mobilizador e fiscalizador do que acontece com a mão-de-obra.
É óbvio que há quem reclame. Afinal, uma empresa com apenas quatro trabalhadores ter de consultar o Sindicato pode criar uma burocratização desagradável. Mas quando a gente olha a situação do emprego nas micro e pequenas empresas, as condições de trabalho geralmente são ruins: salários baixos, registros irregulares ou inexistentes, direitos mínimos desrespeitados como folga e recolhimento de INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social). A presença do Sindicato tentando elevar a qualidade dessas condições de trabalho e a remuneração dos quadros pode ser positiva para a própria modernização da empresa.
Caso interessante é a experiência do parque produtivo do Norte da Itália, formado fundamentalmente por micro e pequenos empreendedores, que são modernos e com certa inserção internacional. No Brasil, só 13 mil empresas exportam e na maioria são de grande porte. A presença do Sindicato dentro das micro e pequenas empresas pode ser positiva no sentido de forçá-las a se modernizar e ser competitivas, com novas tecnologias e novas formas de organização do trabalho.
Qual sua sugestão, afinal, para gerar empregos num mundo em que aumentos de produtividade devidos às novas tecnologias enxugam postos de trabalho, sobretudo na indústria? Banco de horas, menor jornada, contratos temporários que abram mão de conquistas trabalhistas…
Pochmann – Não acredito que tecnologia reduza empregos. Pelo menos não há consenso na literatura de que evolução tecnológica é desempregadora.
Mas uma máquina substituiu muita mão-de-obra. Desde o início do Plano Real, segundo a Fiesp, só em São Paulo o emprego industrial refluiu 19%, com 414 mil postos extintos até fevereiro último, mas a produção foi crescente. Muito disso é atribuído a avanços tecnológicos.
Pochmann – Depende de como a tecnologia é introduzida em cada país. Quando uma economia cresce a taxas elevadas, 7%, 8% ao ano, a mudança tecnológica substitui mão-de-obra mas não implica em desemprego. Os trabalhadores dispensados não vão necessariamente ficar desempregados, porque tendem a ser absorvidos em outras áreas, já que a economia, expandindo-se a índices altos, abre novas oportunidades de ocupação.
Exemplo concreto é o Japão em período recente. Ninguém tem dúvida de que o Japão é uma das economias mais modernas tecnologicamente, e nem por isso apresenta taxa de desemprego elevada. Nos Estados Unidos, o desemprego de 4,6% reflete a menor taxa em 25 anos, período em que a tecnologia só avançou. A introdução de tecnologia não gera desemprego, mas mudança na composição do emprego. Quem está na indústria vai para serviços, quem está numa metalúrgica vai para alimentação, e assim por diante.
Nos anos 50, o Brasil presenciou mudança tecnológica trágica na indústria têxtil, que ocupava muita mão-de-obra. No censo de 1960 foi detectada profunda redução de vagas no setor, mas o emprego cresceu brutalmente em outras atividades. Era época do Plano de Metas, da implantação da indústria automobilística. O avanço tecnológico, no Brasil, ainda é pequeno, restrito a grandes organizações, que não significam mais do que 10% do total das empresas do País. Não estamos ainda num momento de difusão tecnológica acentuada. Apenas as grandes têm feito mudanças pontuais, diria até modestas do ponto de vista mundial.
Veja o caso da Volkswagen em São Bernardo, flagrada recentemente com defasagem tecnológica. O que as empresas fizeram fundamentalmente no Brasil foram mudanças organizacionais, seja na forma de organizar o trabalho, seja na gestão da mão-de-obra, especializando essa mão-de-obra inclusive em hierarquia. Isso tem sido responsável pela redução do número de vagas, não a tecnologia, ainda.
A reestruturação das empresas tem tido uma cara mais perversa porque, além dos competidores internacionais batendo à porta, a atividade econômica interna está muito lenta?
Pochmann – Quando se olha a renda média do brasileiro em 1997, observa-se que foi apenas 3% maior do que em 1980. O Brasil, desde então, vive praticamente situação de estagnação. O PIB (Produto Interno Bruto) do ano passado cresceu somente 3% e em 1998 haverá possivelmente crescimento ainda menor, de 1,5% a 2%. É mais gente disputando o mercado a cada ano e a economia marcando passo no mesmo lugar. O problema do emprego é de outra natureza no Brasil. Se viéssemos crescendo 7%, 8% todo ano, não tenho dúvidas de que teríamos essa gente toda ocupada. A se confirmar um crescimento econômico de apenas 1,5% em 1998, corremos sério risco de encerrar a década de 90 com expansão da economia a taxas inferiores aos anos 80, considerados a década perdida.
Nós crescemos de 1993 a 1997 fundamentalmente pelo consumo, não pelos investimentos. É preciso rever as estratégias de crescimento, de política de emprego, do gasto público. Não dá para o Brasil gastar o que está gastando com juros altos, com câmbio valorizado que inibe as exportações — que deveriam nos trazer divisas. Estamos comprometendo as reais possibilidades de crescer.
Surpreendeu-lhe o resultado de recente pesquisa do Ibope encomendada pela CNI (Confederação Nacional da Indústria), segundo a qual 60% dos entrevistados são favoráveis à redução da jornada de trabalho com proporcional redução dos salários como alternativa à demissão? Vale tudo hoje para salvar o emprego?
Pochmann – Do ponto de vista macroeconômico, redução de jornada com redução de salário pode ser o mesmo que demissão. O efeito macroeconômico de tirar 20% do salário, ou seja, tirar 20% do consumo, pode ser o mesmo que cortar 20% da força de trabalho. A redução de salário e de jornada pode ser alternativa para uma empresa apenas, com problemas específicos, mas não se essa providência for difundida para todo o mercado, porque terá efeito recessivo.
Deixando mais claro: a solução para o desemprego não está única e exclusivamente a cargo de trabalhadores, Sindicato e empregadores. Agente fundamental nesse processo é o governo com suas políticas macroeconômicas, que hoje não são, lamentavelmente, favoráveis à expansão da produção e do emprego. Redução dos juros e afrouxamento do câmbio trariam resultados muito mais positivos para o mercado de trabalho.
Agora, quero ressaltar que o tamanho do desemprego e a forma de enfrentá-lo — isso foi comprovado no século 20 — são definidos pela sociedade. A sociedade pode olhar para um desempregado e dizer: você está assim porque é vagabundo, bêbado, não quer trabalhar. Mais modernamente se diz: você está desempregado porque não fez cursos de qualificação profissional. Ou seja, o desemprego é encarado como problema individual. Mas se pode olhá-lo de outra forma, como fizeram no pós-guerra os países desenvolvidos, nos quais a sociedade identificou o desemprego como problema social, coletivo. A sociedade, então, reagiu.
Por exemplo, aceitou pagar mais impostos, aumentando a capacidade de gastos do Estado com saúde, transportes e habitação, com efeito benéfico também do ponto de vista do emprego. Ao mesmo tempo, no acordo pós-guerra, os trabalhadores abandonaram as teses da Internacional Comunista e suas ordens defendendo o fim do capitalismo. Os trabalhadores concluíram que, quanto mais lucro a empresa tiver, maior a possibilidade dos salários melhorarem. Os Sindicatos acabaram se tornando parceiros das empresas, quebrando também a resistência dos empregadores em torno das representações trabalhistas. As empresas passaram a aceitar contratos coletivos de trabalho, organização sindical dos trabalhadores, benefícios sociais etc. Quero dizer com isso que é a sociedade quem define seus rumos.
No Brasil a sociedade também aceitou pagar mais impostos. A carga tributária no País aumentou de 23% para 31% do PIB, só que essa elevação de gasto foi orientada para pagamento de juros, além das ineficiências que o Estado contém. Nos Estados Unidos, a carga tributária chega a 38% do PIB, mas os recursos são bem alocados. Obviamente, no Brasil não adianta arrecadar mais. Até porque a arrecadação é concentrada, poucos segmentos pagam muito e há muitos segmentos que pagam nada ou muito pouco. Esse balanceamento seria importante, daí a luta pela reforma tributária. As empresas, sobretudo as grandes, são muito tributadas, o que forma um custo adicional sobre o mercado.
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10/05/2024 Todas as respostas de Carlos Ferreira