Ninguém escapa. No receituário prescrito pelo empresário Mário Bernardini para revitalizar o Grande ABC todos têm cota de sacrifício a dar: os Poderes Públicos com parcela de renúncia fiscal, os trabalhadores com exigências salariais mais compatíveis com os tempos de acirrada concorrência entre empresas, as escolas profissionalizantes com modernização dos currículos e os empresários com manutenção dos empregos.
Com fama de ter opiniões fortes e geralmente polêmicas, Bernardini conhece há 25 anos a região, desde quando transferiu da Capital para São Bernardo sua MGM (Mecânica Geral e Máquinas), na qual já empregou 180 funcionários, hoje reduzidos a 40.
Ao Custo Brasil ele adiciona críticas com o Custo ABC e diz que a Câmara Regional está no caminho certo ao propor agenda de discussões sobre os problemas locais. Mas ressalva: uma agenda onde seja proibido proibir, onde não haja dogmas de direitos intocáveis. Às Prefeituras desafia: “Não vale mais a pena perder 10% de IPTU do que perder tudo com a evasão de empresas?”.
Também cutuca os trabalhadores: “Aquilo possível em tempos de vacas gordas, hoje não é mais. Vantagens salariais se transformaram em desvantagem sistêmica e só aumentam o desemprego”. À rede de ensino faz ressalvas: “É preciso um esforço de integração. O grosso dos Senais ainda está moldado para a década de 70″.
Diretor do Departamento de Competitividade do Sistema Fiesp-Ciesp (Federação e Centro das Indústrias do Estado de São Paulo), Mário Bernardini fala de cátedra sobre o assunto. O setor em que atua, o de bens de capital, tomou um tombo com a abertura às importações, saindo de faturamento de US$ 26 bilhões nos anos 80 para US$ 15 bilhões este ano. O nível de emprego desabou de 350 mil para 150 mil trabalhadores.
Por isso, sua metralhadora giratória também aponta para o governo, o qual culpa pela armadilha do Real sobrevalorizado e pelos juros que estrangulam as empresas. “Não diria tanto que se quis defender a moeda, mas um projeto político de reeleição baseado na estabilidade monetária”. Nem mesmo seus pares são poupados. Bernardini, engenheiro metalúrgico formado pela Politécnica da Universidade de São Paulo, critica a recém-criada Febramaq (Federação Brasileira da Indústria de Máquinas), a seu ver mais uma corporação cartorial inadequada aos tempos modernos.
Como fica a situação da indústria de máquinas diante de uma cláusula pétrea do acordo com o FMI, que é não mexer na política cambial, segundo os empresários um dos nós do Plano Real porque não permite disputar o mercado externo e içar a exportação, além de estimular importações?
Mário Bernardini – Ao longo desta década tivemos dois grandes inimigos. Um é o câmbio, porque a moeda valorizada incentiva importações e desestimula exportações, problema, aliás, de todas as mercadorias brasileiras. O segundo obstáculo no setor, que considero mais grave, é que uma máquina é vendida sempre com financiamento. Ninguém compra bens de capital com cartão de crédito ou cheque pré-datado. De Collor para cá, com poucas exceções, houve enormes dificuldades para que clientes tivessem acesso ao crédito a custos competitivos com taxas internacionais. Nossos concorrentes chegam ao Brasil trazendo financiamentos com cinco, seis, oito anos para pagar, carência de até dois anos e juros de 6% a 7% ao ano. Um financiamento interno vai tomar do cliente minimamente 18% a 20% ao ano se for via Finame (Financiamento de Máquinas e Equipamentos). Se fizer leasing ou outros recursos de mercado vai pagar 40% a 50%.
Esse tremendo diferencial de custos de financiamento, aliado à dificuldade de se obter crédito interno e ao câmbio que favorece a importação de forma mais ou menos genérica, tudo isso torna impossível a sobrevivência do setor nacional de bens de capital. O resultado é que encolhemos de 350 mil funcionários há 10 anos para 150 mil hoje e continuamos a cair. Saímos de um faturamento de US$ 25 bilhões a 26 bilhões no início dos anos 80 para algo como US$ 13 bilhões a 14 bilhões atualmente. Fomos reduzidos grosso modo à metade, ainda assim considerando que em 1980, dos US$ 25 bilhões faturados, exportamos apenas entre US$ 500 e 600 milhões. Em 1997/98, dos US$ 15 bilhões que o setor produz, exporta US$ 3,5 bilhões a 4 bilhões. Ou seja, no mercado interno fomos reduzidos à metade pela absoluta inviabilidade de competir nessas condições macroeconômicas.
E o discurso de modernizar o Brasil pelas importações e obrigar a própria indústria de máquinas a se reestruturar?
Bernardini – A princípio é um discurso sedutor e até impressiona. Os fatos, porém, não batem. Em 1980 o Brasil produzia, como disse, US$ 25 bilhões a 26 bilhões em máquinas e equipamentos, importava US$ 2,5 bilhões e exportava US$ 500 milhões. Significa que consumia US$ 27 bilhões em bens de capital. Nos últimos anos o Brasil produziu US$ 15 bilhões e exportou US$ 3 bilhões, deixando US$ 12 bilhões no mercado interno. Como importamos US$ 9 bilhões, o consumo interno foi de US$ 21 bilhões — menos do que 20 anos atrás. Isso põe por terra o discurso de que o País se moderniza acentuadamente. Pode-se argumentar que US$ 5 bilhões de máquinas modernas produzem mais do que US$ 25 bilhões de máquinas antigas. De qualquer maneira, projetando média de crescimento de 3% a 4% ao ano desde 1970, hoje deveríamos estar vendendo algo como US$ 50 bilhões a 60 bilhões em máquinas, como outros países do porte do Brasil. O investimento no País está longe de níveis razoáveis. Isso explica por que o PIB (Produto Interno Bruto) não cresce, por que o desemprego aumenta, e assim por diante.
Seria muito saudável se o Brasil importasse US$ 20 bilhões de bens de capital e consumisse outros US$ 30 bilhões de máquinas nacionais. Ninguém é contra a importação, porque nenhum país pode considerar-se autossuficiente. O problema é que a importação não foi complementar à produção brasileira, mas substituta, devido às vantagens cambiais e financeiras. Como uma empresa que ganha 5% sobre o patrimônio, como tem sido nos últimos anos, pode pegar dinheiro emprestado para pagar juros de 40% ao ano ou mesmo 20% ao BNDES? Essa conta não fecha. O que ocorre é que as empresas têm transferido não mais renda, e sim patrimônio para o setor financeiro e para o governo. O setor produtivo empobreceu e enfraqueceu sua capacidade de investimento.
Qual a alternativa se não jogar os juros para o alto e tentar deter os investimentos de curto prazo que formam o colchão das reservas em moeda forte do País?
Bernardini – Temos graves erros na área cambial. É vox populi reconhecida pelo próprio governo hoje. Quando dizíamos que um Real sobrevalorizado era insustentável, éramos tachados de neobobos, fracassomaníacos e coisas do estilo. Agora os bobos, aparentemente, foram aqueles que fizeram as bobagens. Temos defasagem cambial que precisa ser corrigida e temos juros absolutamente impraticáveis para um País que precisa produzir. Para País que queira viver de papel e comer aplicação financeira, o cenário está ótimo. A solução é macroeconômica. Passa pela correção dos erros feitos ao longo dos tempos. Perdemos várias oportunidades nos últimos quatro anos para fazer acertos cambiais graduais. Se mexer hoje de uma vez, abre-se a porteira para passar um boi e é capaz de passar uma boiada. Talvez o melhor momento da correção não seja agora, mas isso não a torna desnecessária. Não dá para conviver com o câmbio do jeito que está.
Por que chegamos a tal ponto?
Bernardini – Este governo herdou uma dívida interna de US$ 60 bilhões que custava a juros correntes US$ 8 bilhões a 10 bilhões ao ano. Hoje a dívida está na faixa de US$ 330 bilhões e custa US$ 60 bilhões a 70 bilhões de juros por ano. Significa que custa um terço de tudo o que o governo arrecada da sociedade. Um absurdo, só admissível por um, dois meses. Se você quer defender a moeda, eleva os juros às nuvens para a turma perceber que o governo está disposto a isso e depois baixa. Aqui não! Virou coisa quase que permanente.
Não diria que construímos essa armadilha para defender a moeda, mas basicamente para defender um projeto político de reeleição baseado na estabilidade monetária. Os interesses do País foram subordinados aos interesses de um grupo político que quer permanecer no poder. Acho até legítimo querer ficar no poder. A função da política é disputar o poder. O grave foi subordinar interesses do País aos interesses de grupos. Não foi feita reforma tributária porque significava comprar briga com aliados; não foi feita reforma política porque descontentaria forças no Congresso; não foram feitas reformas mais sérias na Previdência e na administração pública para não romper a base de sustentação no Congresso. E todo esforço, todo empenho, foi jogado na emenda da reeleição.
Reeleito o presidente Fernando Henrique e dada a gravidade da crise mundial que ameaça contagiar o País, o senhor crê que governo e Congresso estão mais sensíveis às reformas?
Bernardini – Aparentemente o grupo hegemônico do governo que privilegiou a política monetária acima de tudo, representado pelo Banco Central e pela Fazenda, está perdendo força. Isso aparentemente. Na realidade, eles são sócios nessa aposta e são um pouco, digamos, fiadores do alto endividamento externo. Portanto, dificilmente haverá troca de guarda no segundo mandato. O que pode acontecer é que nem todas as fichas serão jogadas em cima da mesma política monetária e se comece a dar algum valor a áreas que defendem mudanças e medidas compensatórias para o setor produtivo. O fato de se pensar em um Ministério da Produção deve ser visto com cuidado. Pode ser a cenourinha para que o setor produtivo aceite quieto o pacote, mas pode ser — provavelmente as duas coisas — o fortalecimento da área desenvolvimentista do governo, de produção e bem-estar social com distribuição de renda, empregos etc. Pelo menos começam a ver essa face como tão importante quanto a estabilidade da moeda. De qualquer forma, querendo ou não, os ajustes terão de ser feitos porque a situação é simplesmente insustentável. O País não pode continuar precisando de US$ 60 bilhões por ano para fechar a conta externa; o País não pode pagar US$ 70 bilhões de juros ao ano e continuar a alimentar quebras de empresas e desemprego. Daqui a pouco, vamos ter que colocar baionetas nas ruas.
Como empresário do Grande ABC, o senhor, que se mostra crítico com o Custo Brasil, está entre aqueles que também apontam a sobrecarga do Custo ABC (infra-estrutura esgotada, pressão sindical por salários e benefícios trabalhistas maiores, alto custo de impostos e aluguel etc) ou consegue elencar pelo menos meia dúzia de vantagens de continuar a produzir na região?
Bernardini – Podemos atribuir vários custos ao ABC, como o dos serviços públicos que já não compensam pelos benefícios. O IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) e a água são caros e a infra-estrutura viária deixa a desejar. Temos sérios problemas de enchentes que se tentam equacionar com os piscinões. Temos problemas nos transportes e na ocupação desordenada da periferia com denso favelamento. Temos problemas de violência pior que o de grandes centros. O custo social ABC não é favorável como antes. Depois temos o problema trabalhista, com sindicatos extremamente combativos que criaram, digamos, uma indústria da reclamação. Não posso condená-los, porque têm de servir ao seu público e a maneira de fazê-lo é colocar 20, 30 advogados no sindicato para questionar se o sujeito tem direito a adicional por estar submetido a uma corrente de ar. As coisas chegam a níveis absurdos e isso está virando uma indústria.
Toda a Justiça do Trabalho, evidentemente, é voltada para a administração do problema, ou seja, para o conflito, não para soluções. Temos certo engessamento dos diplomas legais para dissídios e acordos coletivos nas relações capital-trabalho, seja nos salários, seja nas regras do trabalho. Há rigidez nos horários e na possibilidade de fazer acertos compensatórios, por exemplo. O fato é que, na prática, uma metalúrgica que se instale a 150 quilômetros em local com infra-estrutura parecida com a do ABC, isto é, em cidades de médio porte com escolas de nível superior, fácil acesso e qualidade de vida melhor, tem custo salarial 50% mais baixo. É óbvio que essa empresa será mais competitiva. Não estou advogando a redução de salário, mas o fato é que esse diferencial existe e a região precisa compensá-lo.
Que tipo de compensação?
Bernardini – Por exemplo, redução das taxas municipais sobre o setor produtivo. Já que a tendência do Grande ABC é de serviços, se poderia tentar salvar o que resta do setor industrial reduzindo alguns encargos. Serviços não vão mudar-se para Minas Gerais porque têm de estar junto às grandes concentrações. Os serviços, portanto, podem ser taxados igual às outras cidades. Mas se quisermos salvar a indústria, que bem ou mal ainda é a base do desenvolvimento regional, poderiam ser oferecidos descontos no IPTU de 20%, de águas e esgotos de x%, de ISS (Imposto Sobre Serviços) de y%, vinculados, quem sabe, à manutenção do emprego. O Poder Público tem de se conscientizar de que ou anula o Custo ABC via compensações, ou vamos continuar perdendo empresas.
Também os sindicatos terão de rever suas posturas. Aquilo possível em tempos de vacas gordas, porque se repassava tranquilamente aos preços, portanto, para o consumidor, hoje não é mais. Vantagens salariais e benefícios trabalhistas extras conquistados ao longo dos anos transformaram-se em desvantagem sistêmica e só fazem aumentar o desemprego. Os diferenciais de custos tornaram nossos produtos não competitivos com os importados e daí você vê empresas mudando para o Ceará, Minas Gerais e outros locais. Para agravar, nossa política tributária é um saco de gatos de tal ordem que a guerra fiscal virou regra, não exceção. Daqui a pouco teremos as indústrias itinerantes, em cima de carretas, correndo atrás de vantagens nos Estados onde existirem.
O que o senhor acha de instâncias como Câmara do Grande ABC, Consórcio Intermunicipal de Prefeitos e Fórum da Cidadania, que tentam, pela agregação de esforços do Poder Público, comunidade, empresários e trabalhadores, uma saída para resgatar social e economicamente a região?
Bernardini – Acho saudável. A sociedade deve encontrar formas de expor preocupações abrindo agenda de debates entre todos os interessados e onde seja proibido proibir, ou seja, uma agenda onde nada seja sagrado, onde não haja dogmas em que as partes reajam dizendo… Ah, mas isso é um direito, é uma cláusula pétrea! Se quisermos pensar seriamente em uma sociedade que busque o crescimento sustentável, que tenha padrões de renda e qualidade de vida aceitáveis, não podemos colocar pontos não-sujeitos à discussão.
Os objetivos básicos teriam de ser a cidadania e o cidadão. Não sou filósofo. Talvez um sociólogo que não estivesse ocupado com a Presidência da República pudesse desenvolver o tema… O fato é que o Plano Real privilegiou sobremaneira o consumidor, não o cidadão. Primeiro tivemos um País feudal, onde a prioridade eram o Estado e a segurança nacional. O desenvolvimento era entendido como algo estratégico e não como processo de distribuição de renda, e a auto-suficiência era procurada para o Brasil potência. Aí criamos estatais, estatais e estatais. Depois construímos com o Real uma situação de consumismo, de bem-estar aparente baseado no endividamento do Estado lá fora e no do consumidor aqui dentro. Quando defendo resgatar a cidadania, penso que temos de privilegiar os indicadores sociais mais do que os indicadores de consumo de iogurtes e frangos. Temos de pensar nos direitos políticos de acesso à educação, à saúde e ao emprego, condição sine qua non para o indivíduo se considerar cidadão, não um pária da sociedade. Quando tivermos emprego, vamos discutir renda, para garantir uma renda-família capaz de oferecer bem-estar mínimo. Ou seja, é preciso virar completamente o jogo das prioridades. Então, moeda, juros e câmbio serão administrados em função desses outros objetivos.
Acho extremante saudáveis, repito, tentativas de juntar Poderes Públicos, ONGs (Organizações Não-Governamentais), trabalhadores e empresários para discutir os fundamentos da sociedade brasileira. Significa que a sociedade começa a não se considerar representada pelos caminhos tradicionais e procura novas formas de agir. É preciso, entretanto, ter ideias claras, não se perder no varejo e achar que só o ABC é importante. É preciso ter um grupo pensando também o Brasil.
Como o senhor observa o quadro político-eleitoral do Grande ABC? Colocamos apenas três representantes no Congresso Nacional e seis na Assembléia Legislativa, contra 13 das eleições anteriores. O que falta para dar densidade representativa à região?
Bernardini – A sociedade brasileira precisa começar a dizer que o buraco é mais embaixo, que a reforma mais importante é a reforma política, mãe de todas as reformas: da reforma partidária às reformas tributária e administrativa. É controlar o eleito via eleitor, de modo que não haja uma sabatina a cada quatro anos, já que durante quatro anos não há qualquer contato eleito-eleitor. Tem de haver voto distrital, fidelidade partidária, controle externo do Legislativo, Executivo e Judiciário. Esse negócio de infalibilidade dos Poderes não é admissível numa sociedade moderna. Quando se tiver isso, a cidadania começa a ter sentido. Um governo não pode em Brasília decidir sozinho o que lhe der na telha, sem dar satisfação à sociedade. Aí você muda os costumes e os próprios eleitos vão estar mais comprometidos com o eleitorado, mais próximos do mundo real e mais longe da ilha da fantasia que é Brasília.
A baixa representatividade do Grande ABC é um pouco desse fenômeno. Isto é, a não identificação do representante com seu representado. Vota-se em grandes nomes, em imagens. Vota-se em pessoas, não em projetos. Aí se vota nos nomes conhecidos, que se ouvem ou se vêem sempre na televisão, superficialmente. É um retrocesso do ponto de vista político, por causa de deformação da legislação.
A integração que o senhor elogiou na Câmara Regional parece não ser moeda forte junto ao empresariado. À exceção de Diadema, com 40% de filiação, é baixíssima a adesão dos industriais aos Ciesps do Grande ABC. No Estado, somente 9,2 mil das 100 mil indústrias estão agregadas ao Sistema Fiesp/Ciesp. O que acontece?
Bernardini – Falei mal da representação política nacional, mas a representação empresarial é muito pior. São estruturas herdadas do Estado Novo, baseadas em um modelo absolutamente corporativo que prevê uma única representação por setor por base territorial, o que significa criar cartórios. Em São Bernardo não pode haver mais que um Sindicato dos Metalúrgicos; em São Paulo é proibido mais que um Sindicato da Indústria de Máquinas. Essa unicidade garantida por lei cria cartórios e quem se aboleta do poder dentro do cartório não sai mais. Não precisa dos associados para viver, já que o Estado garante-lhe a sobrevivência via contribuições compulsórias. Então, você tinha um sistema que tendia a tornar-se permanente. Somente quando estas representações dependerem exclusivamente de contribuições dos associados é que vão ter representatividade, porque se não os atender bem, eles se mandam.
Mas a Fiesp chiou quando o governo cogitou acabar com o Sistema de contribuições compulsórias para Senai, Sesi, Sesc e Senac, Sebrae etc?
Bernardini – Se alguém quiser, de repente, reduzir seus rendimentos você vai ficar feliz e satisfeito em nome da cidadania? Todo mundo reclama, evidentemente, contra eventuais perdas de rendas e resultados financeiros. A nova diretoria que tomou posse em setembro colocou no programa de médio prazo conquistar autonomia financeira, ou seja, independência em relação às contribuições compulsórias. Isso não pode ser feito de um dia para outro, é razoável. Mas é objetivo definido, exatamente para não ficar com o rabo preso. É uma mudança de postura política e sinal dos novos tempos que estamos falando, de maior respeito à cidadania e às posições éticas.
Reconheço que o associativismo é baixo porque os clientes-associados não eram bem servidos. O Sistema não dependia dos clientes e, portanto, as empresas não tinham nenhum interesse em se associar. Eu me associei para mudar, porque você só pode mudar estando dentro.
O novo presidente Horácio Lafer Piva ergueu uma ponte com as várias localidades do Estado, os chamados diretores de ligação com o Interior presentes em cada departamento de serviços da Federação das Indústrias. É só isso ou a reivindicada descentralização do Sistema tem muitas novidades pela frente? O que o senhor acha da atitude de Piva, que inclusive contemplou dois diretores da região, Ricardo Sukadolnik, de São Caetano, para o Departamento Jurídico, e Valter Bottura, de Diadema, para o Departamento de Tecnologia?
Bernardini – Se a nova diretoria mantiver, e acredito que venha a manter, as intenções definidas no programa de campanha, que são procurar a autonomia financeira, oferecer serviços de qualidade aos associados nas áreas de suporte trabalhista e jurídico, entre outros, transformar os Ciesps em centros de negócio — porque, afinal, a função é essa –, e se tiver forte atuação política representando os interesses do setor industrial, tenho certeza de que haverá aumento do associativismo. Depende da capacidade do atual grupo cumprir o que foi prometido.
Por que só agora esse programa, digamos, modernizador?
Bernardini – Porque a estrutura tendia a manter o status quo, uma estrutura parecida com a da CNI (Confederação Nacional da Indústria), na qual os Estados de Rondônia e de Tocantins, que não têm indústrias, têm o mesmo voto que São Paulo. A Fiesp agrega 126 sindicatos. Os votos dos padeiros de Ribeirão Preto têm peso igual ao voto da indústria automobilística. O Sindicato da Indústria de Cabos de Guarda-Chuva tem a mesma importância do Sindicato da Indústria de Máquinas. A estrutura foi feita para manter o poder ad eternum. Pequenos sindicatos sem capacidade de sobrevivência econômica, os chamados sindicatos de gaveta, ficam pendurados na presidência. São mantidos pela presidência via cessão de salas, subsidiados com fornecimento de uma secretária e por pequenos favores em troca de um voto.
A Fiesp, na verdade, não é uma Federação das Indústrias. É uma Federação de sindicatos. O voto do presidente é dos sindicatos, não dos empresários. Esse é o drama. Aí você tem 30 sindicatos que representam 90% do peso industrial do Estado e 90 sindicatos que respondem por 10% da produção. Só se consegue fazer mudanças num sistema desses se você fizer uma transição.
Piva vai trazer os Ciesps para votar na Fiesp?
Bernardini – No projeto político está definida, primeiro, a promessa de fortalecer o Ciesp, tornando-o paritário com seu peso de representação. Em segundo lugar, há intenção de levar as duas casas a um único tipo de representação, não mais uma dicotomia entre sindicatos e empresas, como hoje, e com voto direto. Pretendemos dobrar ao longo dos quatro anos a participação dos associados, provavelmente indo para 20 mil. Quando se fala em 100 mil empresas no Estado é preciso levar em conta que padaria é uma indústria — sem querer menosprezar os padeiros. Indústria, indústria mesmo, talvez tenhamos a metade, por volta de 50 mil fábricas. Portanto, 20 mil associados é representação bastante forte.
Tudo isso, entretanto, não podia ser feito com ruptura de um sistema que majoritariamente quer manter o status quo. Tinha de ser feito via aliança e via modelo de transição, o que torna a mudança mais lenta no tempo. A gestão do Carlos Eduardo (Moreira Ferreira) foi um início de transição que andou bem nos primeiros três anos, mas regrediu devido ao seu estilo personalista e a uma nova coalizão de forças dentro da Fiesp. Na sucessão do Carlos Eduardo, Horácio Piva foi o que melhor conseguiu encarnar os anseios de mudanças, de um lado, e de garantia de não ser revolucionário para setores mais conservadores, de outro. Piva é a transição para se chegar ao novo desenho.
O candidato de oposição Joseph Couri atropelaria essa transição e romperia de vez com o Sistema?
Bernardini – O Couri não era solução, em primeiro lugar, porque tinha um projeto pessoal, não da indústria de São Paulo. Em segundo lugar, porque tentou desesperadamente ser aceito como candidato oficial do stablishment. Teria, inclusive, negociado qualquer coisa em torno da condição de candidato oficial. Se por acaso vencesse no Ciesp, onde tinha alguma chance, seria de fato uma ruptura no Sistema que provavelmente levaria à dupla representação, porque ele nunca ganharia na Fiesp. Isso criaria mais problemas do que soluções num momento em que a indústria de São Paulo está com a sobrevivência ameaçada.
Falando em ruptura, a Associação à qual o senhor pertence acaba de criar a Febramaq, uma Federação Brasileira que se propõe a metabolizar os próprios problemas e soluções sob alegação de que federações locais e multissetoriais, como Fiesp e Firjan, não têm fôlego para cuidar de tantos e dispersos interesses. Qual sua opinião sobre as federações monos-setoriais, como se denomina a Febramaq, e como administrar essa dissidência que pode contaminar outros sindicatos na Fiesp?
Bernardini – Votei contra a criação da Febramaq por motivos ideológicos. Quando resolvi participar de uma entidade de classe da indústria de máquinas e equipamentos, me filiei à Abimaq, não ao Sindimaq. Disputei cargos eletivos na Abimaq, onde fui vice-presidente por duas gestões, nunca no Sindimaq, por questão de coerência. Se não aceito o modelo formal que herdamos de Getúlio Vargas, não tem sentido trabalhar no Sindimaq. A Abimaq vive de contribuição dos associados e não tem de dar satisfação ao Ministério do Trabalho, pois é entidade civil. Na Fiesp-Ciesp sou vice-presidente do Ciesp pelos mesmos motivos. Não tenho cargos. Na Fiesp respondo por um dos oito departamentos, o de competitividade. Nesse sentido, ter uma Febramaq nos moldes daquilo que estamos querendo acabar é absolutamente inoportuno. A estrutura sindical da Febramaq, da Fiesp e da CNI não tem sentido neste fim de século XX.
Quanto a reclamar da Fiesp que tem muitos interesses a olhar, pergunto: o que pode fazer a Febramaq que a Abimaq não possa? A Abimaq é uma associação de abrangência nacional, não é um sindicato, e vive de contribuições espontâneas, como viverá a Febramaq. A Febramaq, na verdade, é uma federação feita para disputar assento na CNI e concorrer a uma parcela dos recursos do Sesi-Senai, ou seja, tudo aquilo que condenamos da boca para fora. A Febramaq, além do mais, tem defeito a meu ver mortal numa moderna representação. É uma federação de máquinas, ou seja, é um gueto que tende a se isolar do tecido social. Precisamos ter hoje visão mais holística da estrutura industrial, ter a clara noção de que somos passageiros do mesmo barco. Uma estrutura moderna de representação empresarial deveria agregar as cadeias produtivas, não se isolar em núcleos, bastando a si mesmos. Nossa função seria ser fator agregador, reunindo reclamos de clientes que eventualmente desejam comprar máquinas, ouvir fornecedores e fabricantes de matéria-prima, sentarmos todos à mesa com trabalhadores e discutir, digamos, não o que é bom para as máquinas, mas o que é bom para a indústria brasileira. Se a indústria brasileira for bem, o setor de máquinas vai bem.
Minha visão é absolutamente oposta àquela que levou à criação da Febramaq. Eu entenderia a Abimaq como um fórum de toda a cadeia, atraindo congêneres como Anfavea e Abinee (associações nacionais dos fabricantes de veículos e de eletroeletrônicos), ou seja, atraindo clientes de um lado e fornecedores de outro para discutir agendas de interesse comum a todo o tecido industrial, e não na defesa corporativa de assuntos exclusivamente setoriais. Em função disso, me afastei da Associação, do Sindimaq e da Febramaq.
A Fundação Abraham Kasinski pretende construir em Mauá a Universidade do Trabalhador, cujo nome já dá ideia do que seria o empreendimento. O que o senhor acha da proposta? Nosso trabalhador é tão qualificado, como dizem algumas lideranças sindicais, ou uma escola que tenha intersecção com nossas principais matizes de produção chegaria em boa hora?
Bernardini – Investir em educação é meritório e absolutamente necessário. A qualificação da mão-de-obra no ABC é melhor que a média nacional, mas muito longe de ser satisfatória. Possui qualidades para tecnologias convencionais, porém se mostrou despreparada para equipamentos e gestões mais modernas. As próprias escolas Senais da região, que fazem formação básica profissional, estão deixando a desejar em modernização de currículo. Há exceções como a Mecatrônica de São Caetano, mas o grosso dos Senais ainda está moldado para a década de 70, para apertar parafuso.
Precisamos de um esforço integrado na região e é um ponto importante para a agenda do ABC reformular e agregar todas as entidades — Senai-Sesi, escolas públicas profissionais, faculdades e a iniciativa privada. Uma Universidade do Trabalhador terá sucesso se realmente formar mão-de-obra vocacionada para a região, como creio ser o objetivo de Kasinski, um batalhador de muita visão, e não se tornar uma torre de marfim para formar elites. Espero que seja uma nucleadora de mão-de-obra preparada e qualificada para o Terceiro Milênio. Acho importante a iniciativa porque tende a potencializar a produtividade profissional e reduzir o Custo ABC.
A Câmara Regional tenta conquistar junto à Abimaq a instalação de um pólo de moldes no Grande ABC, como um ponto sedutor para atuais e novas empresas. O que o senhor acha?
Bernardini – Perfeitamente factível, já que poderia atender à concentração de indústrias mecânicas, metalúrgicas e transformadoras de plásticos da região. Como prestador de serviços, um pólo de moldes deve mesmo estar próximo de clientes. Só que não depende da Abimaq, mas dos associados da Abimaq enxergar as eventuais vantagens. Um pólo de moldes precisa trabalhar na forma de condomínio industrial, ter cursos profissionalizantes e financiamentos para se implantar e desenvolver projetos, além de área provavelmente cedida pelo Poder Público. Mais importante, entretanto, é que precisa de garantias de que terá clientes, já que a evasão do ABC é preocupante. Quando falo em algum tipo de incentivo das Prefeituras, chamo à análise se não vale mais a pena perder 5% ou 10% de IPTU e ISS do que perder tudo com a saída de empresas.
As Prefeituras criaram recentemente o que chamam de Política de Incentivos Seletivos, que contempla com redução de taxas municipais e até algo da cota-parte do ICMS empresas que crescerem, aumentarem o emprego e obedecerem a quesitos ambientais…
Bernardini – Crescer? As Prefeituras deveriam estender tapete vermelho e tratar com bandas e fogos de artifício quem consegue sobreviver e manter o nível de emprego que tem hoje (risos).
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10/05/2024 Todas as respostas de Carlos Ferreira