Armando Barros de Castro conhece o Grande ABC há menos de seis meses. Secretário-executivo da Agência Regional de Desenvolvimento Econômico, braço estratégico e de marketing da Câmara do Grande ABC, esse professor de Economia da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo, formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e doutorado pela USP (Universidade de São Paulo) de Piracicaba, incorporou o espírito positivista de fortalecimento da região. Contratado para o principal cargo da Agência, Armando Barros de Castro deposita fichas na capacidade de o Grande ABC organizar-se no sistema de rede de produção para opor-se à descentralização geográfica e territorial de sua principal matriz industrial, o setor automotivo.
O Grande ABC das estatísticas e do noticiário da mídia que Armando Barros de Castro conhecia antes de ser contratado pela Câmara Regional com dinheiro do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) não é exatamente o que diz ter descoberto em andanças locais. Ele esperava encontrar uma região arquitetonicamente desajeitada, resultado de acelerada ocupação demográfica que eclodiu com a chegada da indústria automotiva, e também com sinais mais evidentes de pobreza. Diz-se feliz com o que está descobrindo. O desequilíbrio social imaginado não é tão acentuado na prática.
Armando Barros de Castro fala com fluência, num ritmo denso. Mas quem imaginar que a velocidade verbal compromete a cautela que impõe em cada frase comete equívoco. Esse carioca é extremamente coerente. Defende com intransigência a intervenção do Estado na economia. Nem poderia ser diferente, já que foi contratado pela Câmara Regional justamente porque os administradores públicos do Grande ABC fracassaram ao longo das últimas quatro décadas por privilegiar ações tópicas exclusivamente municipais, em vez de articulações estratégicas regionais, e sobretudo porque abdicaram de qualquer iniciativa para monitorar o desenvolvimento econômico, em parceria com a livre-iniciativa e o setor acadêmico.
Ex-superintendente de estudos socioeconômicos do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas) nos anos 80, quando juntamente com sua equipe de técnicos renunciou ao cargo por discordar do então ministro da Fazenda, Delfim Netto sobre critérios de sazonalidade inflacionária, Armando Barros de Castro é espécie de decifrador de estatísticas. Já se debruça sobre dados preliminares da Paep (Pesquisa da Atividade Econômica Paulista), realizada pela Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados) para traçar os caminhos pelos quais a economia do Grande ABC deverá trilhar para reconquistar a confiança de investidores e a qualidade de vida da população, depois dos fortes trancos provocados a partir da abertura econômica no início desta década.
Se depender do entusiasmo desse executivo público e de sua equipe, que acaba de ser estruturada, o Grande ABC do próximo milênio vai provar que o momento de desconforto será apenas um marco de grandes transformações.
Depois de cinco meses em que passou a conviver no Grande ABC, sem conhecer antes nossa realidade, qual é sua avaliação.
Armando Barros de Castro – A impressão mais forte que tenho e em relação à qual estou cada vez mais convencido é de que isso aqui é uma região extraordinariamente promissora, com todas as pré-condições para o desenvolvimento sustentado. Além disso, inaugurou uma arquitetura político-institucional que acho uma esperança no mundo inteiro para permitir o desenvolvimento econômico.
Um documento preliminar da própria Câmara Regional, divulgado recentemente, coloca em xeque o futuro do Grande ABC. Aliás, foi a primeira vez em muitos anos que uma instituição governamental decidiu optar por um discurso de alerta, abandonando o ufanismo que prevalecia até então. O documento chama inclusive a atenção para a possibilidade de continuarmos como periferia da Capital. Temos muitos indicadores preocupantes também nesse sentido. O que sustenta, então, sua avaliação positivista?
Armando Barros de Castro – Uma região que durante décadas foi o berço e o local das realizações da indústria automobilística e do setor automotivo como um todo, uma região que durante décadas foi o carro-chefe da economia brasileira, essa região não pode ser chamada de periférica. Diria que no mínimo é uma temeridade esse adjetivo.
Então a Câmara exagerou na dose?
Armando Barros de Castro – Na verdade, na configuração fundamentalmente urbanística, é uma área de origem de características de periferia. Em parte é verdade que a região teve na vertente econômica aspectos de periferia. Isso está ligado a uma tradição de que a indústria automotiva empregava o que nos Estados Unidos se chamava de blue collors, isto é, macacões azuis. Na verdade, a densidade dessa camada da população aqui na região era muito grande. Parte do que se chama de elites dos funcionários, vamos dizer assim, não morava na região. Isso foi uma realidade. Agora estamos vivendo profundo processo de transformação. Estão aí os shoppings, as casas, os apartamentos, para provar essas mudanças.
Como acreditar que o Grande ABC é tão promissor quanto você diz que o carro-chefe do processo de desenvolvimento econômico, a indústria automotiva, está se descentralizando fortemente? Hoje o Grande ABC responde por menos de 40% dos veículos produzidos no País, quando já atingiu mais de 90% do PIB automotivo. Além disso, temos várias outras matrizes econômicas que ocupam mais espaços no mix de produção globalizada, casos de microeletrônica, telemática, química fina, biotecnologia, entre outras, que não estão em nossa geografia econômica. Como acreditar no desenvolvimento sustentado para o futuro?
Armando Barros de Castro – Sem dúvida que os tempos atuais demonstram a inadequação de se ter pólos industriais específicos como âncoras do desenvolvimento sustentado. Por isso que ganha importância o processo denominado redes de produção. É o caso da indústria automobilística, que ganhou um nível de dispersão geográfica e territorial no mundo inteiro. Não haveria de ser diferente no Grande ABC. O problema é saber se vão ficar aqui as dimensões integradas ao setor automotivo e que vão ter complementaridade entre si. É isso que caracteriza o desenvolvimento sustentado.
Mas esse Grande ABC envelhecido industrialmente não preocupa?
Armando Barros de Castro – Não, isso me anima. O Schumpeter ficou conhecido mundialmente entre outras coisas porque desenvolveu a teoria sobre a destruição criadora. A gente olha um processo de envelhecimento industrial e de atividades econômicas e quer saber se é algo de tendência autodestrutiva ou regenerativa. Aposto no segundo caso, é no que acredito, mas certeza não posso ter.
Para que a destruição criadora seja realidade no Grande ABC, esse novo formato institucional de que dispomos, com Câmara, Consórcio Intermunicipal e Fórum da Cidadania, vale muito, certo?
Armando Barros de Castro – É imprescindível. É o ponto de partida. A experiência no mundo inteiro e particularmente no Brasil como vetor de indução do crescimento econômico e do desenvolvimento colocava o Estado em suas três esferas, federal, estadual e municipal, na liderança do processo. Isso não se configura mais assim. O governo federal não tem nem mais energia e os problemas apresentam diversidade que não pode ter sua área de resolução. Os governos estaduais vivem a mesma situação. E o governo municipal se apresenta muito pequeno para tantos desafios. Por isso se torna necessária nova configuração institucional. Isso ficou patentemente claro na questão hídrica, tratada com a associação de vários municípios. Não é por acaso, aliás, que os consórcios voltados para as questões hídricas estão na origem de novas configurações institucionais, como é o caso da Câmara Regional.
Como você vê a relação entre o Estado e o mercado. Qual será o futuro do Brasil?
Armando Barros de Castro – Em relação a isso, existe erro crasso que perdura desde os anos 80 e que foi atenuado mais recentemente. É essa história de contrapor o Estado ao mercado. O que na realidade ocorreu e que justifica esse equívoco durante duas décadas é que o padrão de regulamentação pública prevalecente até então se tornou muito acanhado para um mundo novo que estava nascendo, muito mais globalizado e com outras dimensões. Há que se redesenhar o modelo público. Desafio uma pessoa que me diga aonde há no mundo um país razoavelmente desenvolvido que tenha nível de proteção salarial adequado, entre outras coisas, em que a participação do Estado não seja absolutamente intensiva. Nem nos Estados Unidos e Inglaterra que, por conta de um padrão de intervenção pública, conseguiram avançar no desenvolvimento econômico. Posso, aliás, dar um exemplo bem concreto do setor de telecomunicações nos Estados Unidos. De 10 anos para cá a atividade foi inteiramente remodelada. As comunicações estaduais foram praticamente desfeitas. Os Estados Unidos não deixaram a cargo do mercado a reorganização do sistema. Providenciaram, sim, uma nova relegislação em torno de tudo isso e já fizeram uma nova estrutura de intervenção pública olhando o mundo inteiro e as novas tecnologias de informação. Não é à toa que os Estados Unidos lideram o setor no mundo inteiro com vantagens incríveis numa atividade que é absolutamente estratégica. Exatamente porque têm o suporte de um novo padrão de intervenção pública.
Mas não lhe parece que o Estado brasileiro é despreparado, contrariamente ao que acontece nos Estados Unidos e na Europa, onde há uma formação profissional mais séria, onde os níveis de corrupção são bem menores e a impunidade não prevalece?
Armando Barros de Castro – Estou plenamente convicto de que não podemos falar da trajetória histórica do significado do Estado desenvolvimentista no Brasil sem reconhecer que é um dos mais admirados em todo o mundo. Nenhuma experiência histórica levou tão à frente o papel crucial da intervenção estatal. Sem uma Petrobras ou uma Siderbras não teríamos atingido os patamares de crescimento e de diversidade industrial. Agora, o mundo mudou profundamente. O padrão de regulamentação do que é público tem de ser diferenciado. No processo de degeneração desse padrão de estrutura pública é que vieram a ocorrer corrupção, nepotismo, etecétera, etecétera.
Numa comparação que sempre se faz entre Brasil e Coréia do Sul, estabelecendo parâmetros de atuação do Estado, se condena o modelo brasileiro porque se preocupou muito com o econômico e esqueceu o social, diversamente dos coreanos, onde o Estado forte fomentou e regulou a iniciativa privada, e cuidou do social.
Armando Barros de Castro – É perfeita essa afirmação, mas é preciso fazer a contextualização histórica. O fato é que a Coréia, no pós-guerra, se achava não só humilhada por força da invasão japonesa como historicamente construiu avanços industriais. O progresso social encontrado lá é a coisa mais estranha. O macartismo norte-americano, um dos movimentos políticos mais retrógrados da história, é quem realizou profunda revolução agrária na Coréia. Os Estados Unidos resolveram tutelar a Coréia do Sul após a segunda Grande Guerra ao promover as reformas por conta da Guerra Fria, do medo do comunismo.
Mas nós não erramos na mão? O Estado não deveria se voltar mais para o social, realmente?
Armando Barros de Castro – Havia um momento de fazer a infra-estrutura econômica e nisso o Estado no Brasil foi exemplar. Agora, o mesmo Estado brasileiro descuidou-se de maneira absolutamente catastrófica do lado social. A herança está aí, para não nos negar. Mas a realidade hoje é diferente e o Estado já não tem condições de atingir a capilaridade exigida pelas novas demandas. Por isso é preciso repensar a estrutura do próprio Estado social. Julgando pelo todo, não é à toa que o Brasil foi, entre os países periféricos, o que mais se diversificou industrialmente. E não é à toa que continua sendo um dos mais promissores na vista de quem não é brasileiro, porque os brasileiros têm a síndrome do pessimismo.
Que modelo de Estado o senhor aprecia? Que país o senhor entende que tem um modelo em que Estado e mercado convivem muito bem?
Armando Barros de Castro – Não dá para fazer paralelos com o Brasil, porque é um país extremamente pequeno e sua economia sempre foi muito articulada para fora: cito apenas como curiosidade a Holanda. O que quero dizer com isso? Os holandeses perceberam que numa economia tão aberta como eles sempre tiveram, querer desenvolver ou forçar um desenvolvimento de postura mais autárquica, mais para dentro, mais defensiva, seria o pior. De alguns anos para cá eles mudaram completamente. Resolveram rerregulamentar com uma ótica mais adequada no contexto global do mundo e apresentam hoje as menores taxas de desemprego e as maiores taxas de desenvolvimento; ou seja, enfrentaram os desafios não querendo dar uma marcha a ré, não querendo andar para trás na história. Andar para trás é retrocesso em todos os sentidos. O andar para a frente é muito difícil. E não há quem saiba exatamente quais são as características e detalhes dessa nova arquitetura institucional e política para funcionar nesse novo contexto. E isso está em elaboração.
Que avaliação você faz sobre os Estados Unidos?
Armando Barros de Castro – Os Estados Unidos encontram-se numa hegemonia que nem os romanos nas épocas áureas sonharam alcançar. Um exemplo é que pintam papel de verde e isso é a riqueza que todo mundo quer no momento; ou seja, o dólar. Os Estados Unidos desfrutam hoje de situação absolutamente sem paralelo em termos de hegemonia e de dominação nas economias de todo o mundo. Os Estados Unidos aproveitaram a potência em que se constituem economicamente para exercer hegemonia muito maior que qualquer um de nós, inclusive os próprios Estados Unidos, poderia imaginar.
Voltando aos problemas do Grande ABC, o senhor acredita que esse novo arcabouço institucional que se está montando será suficiente para que se reconfigure a nossa realidade?
Armando Barros de Castro – Suficiente não posso fazer idéia ainda. Diria que aqui temos as bases. É muito difícil antever o resultado do amadurecimento desse processo, mas suponho que o que é fundamental não só está delineado como utilizado. Essas são pré-condições para o nosso desenvolvimento econômico sustentado, que é o que se tem configurado, por exemplo, nas famosas regiões italianas.
Como vamos conseguir atingir os resultados esperados se estamos num País que não conta com política econômica confiável, que não tem política industrial, e onde a guerra fiscal é o grande chamariz das empresas? Como vamos manter nossas fábricas se aí fora há uma luta intensa para atraí-las, oferecendo-lhes porções imensas de vantagens? Como vamos nos desenvolver se a competitividade nos impõe derrotas homéricas?
Armando Barros de Castro – Diria que o maior perigo para a região, assim como para o Brasil, é o aprofundamento da guerra fiscal. Aliás, a guerra fiscal não é problema exclusivamente brasileiro. Nos Estados Unidos, por exemplo, tem ocorrido com certa contundência. Um Município contra outro, um Estado contra outro, leva todos à derrocada. Todos vão acabar afundando. Aqui no âmbito regional os municípios têm de prosseguir como têm feito até agora, intensificando o que têm de comum, pelo que têm de sinergia; ou seja, para proteger os recursos hídricos, para melhorar o sistema educacional, para melhorar a infra-estrutura de saúde. Quanto à competitividade, não é verdade o conceito de que quanto menores salários se pagam mais se aumenta a possibilidade de uma empresa crescer. Isso não é verdade. O conjunto da massa salarial é que representa o vetor mais importante do crescimento econômico dos países que se estão desenvolvendo. Dizem que um dos problemas que temos no Grande ABC é o nível salarial elevado. Mas isso é pré-condição do desenvolvimento econômico. Salários elevados e capacidade reivindicatória são pré-condições de desenvolvimento sustentado, e não o capitalismo predatório. Esse não queremos.
Não lhe parece que por motivo fortemente ideológico os sindicatos da região não mexem com a estrutura viciada, corrupta e ineficiente do Estado, porque os maiores custos estão localizados não nos salários explícitos, mas nos benefícios que são originariamente responsabilidade do Poder Público, casos de saúde, educação, previdência, transporte?
Armando Barros de Castro – O sindicalismo do Grande ABC está inscrito nas origens de uma das viradas mais históricas e mais fantásticas que a sociedade brasileira já viveu. O momento de lutar contra o sistema autoritário já desapareceu. Além disso, no mundo inteiro, estão se reconfigurando as formas de os trabalhadores defenderem seus direitos, entre outras coisas porque o novo padrão de tecnologia dissemina-se territorialmente e fragmenta a organização da classe. Mas o capitalismo não pode existir sem a demanda efetiva por salários. No mundo inteiro, então, se perderam num momento desses a vertente corporativista e a vertente burocratizante dentro do aparelho do Estado que, ameaçadas, tentam se defender às vezes não adequadamente, precisam se reautocriar. Por isso acho que uma coisa que está envelhecendo não é um mau sinal. Crise pode ser o sintoma fundamental e indispensável para uma profunda transformação. Então, os sindicatos precisam se adequar aos novos tempos. A estrutura sindical criada por Getúlio Vargas teve sua funcionalidade histórica, mas agora não é mais adequada. É evidente que isso se reflete no sindicalismo regional.
Insistimos na seguinte pergunta: você acha que vai chegar o momento, sobretudo na região que tem fama de pioneira, em que o sindicalismo vai entender que o grande problema da classe trabalhadora não é mais o capital, mas o Estado?
Armando Barros de Castro – É um momento de remodelação mesmo. A produtividade atinge velocidade cada vez maior em todos os meios produtivos. Há que se repartirem os ganhos desse processo entre lucros e salários. Havendo lucros, há novos investimentos e geram-se empregos. Agora, existe um novo questionamento que nenhum de nós conhecia até 20 anos atrás. Os novos investimentos, do ponto de vista de geração de emprego, acabam sendo terríveis porque não recriam. A França, ainda recentemente, reduziu a carga de trabalho semanal. O mundo vive reformas profundas. Os empresários, junto com os trabalhadores, têm de redesenhar isso para a saúde das próprias empresas e dos trabalhadores. Um não pode se antepor ao outro, isso está claro.
Insistimos na pergunta: do ponto de vista ideológico os sindicatos estariam preparados para combater o Estado? Não estamos falando do governo federal de plantão, mas contra o formato do Estado?
Armando Barros de Castro – O formato do nosso Estado já foi dilacerado. A crise que estamos vivendo é porque o velho já morreu, embora haja tentativas de sobrevida artificial, e o novo ainda não nasceu. Diria que o momento implica a responsabilidade de todos nós, porque a coisa pública não é o Estado, mas sim nós brasileiros. Nós brasileiros temos a tendência a imaginar que o Estado vai resolver, assim como tinha o Getúlio Vargas que um dia derramou de cima as novas leis trabalhistas. Isso nunca mais existirá. A nova constituição da arquitetura pública tem de ser construída por todos nós. Os sindicatos e todas as outras forças vivas da sociedade têm de se antepor a esse Estado moribundo, mas sentindo concomitantemente a responsabilidade de ser um novo ator e criador dessa nova arquitetura, e não quem apenas joga pedra. Se todos jogarem pedra, o Estado se dissolverá e o que prevalecerá será o neoliberalismo, como de certa forma ocorreu na Inglaterra. Lá, todos jogaram pedra e se destruíram as bases do Estado em prejuízo da sociedade, especialmente dos trabalhadores.
Falando em Estado, mas transpondo o conceito para o Grande ABC, que vive modelo diferente: haverá o aprofundamento dessa experiência?
Armando Barros de Castro – Essa seria a minha grande aposta. Volto a insistir: a configuração do Consórcio Intermunicipal, da Câmara Regional e agora desse braço operacionalizador, que é a Agência de Desenvolvimento, que envolve a participação de empresas, de sindicatos, da sociedade civil como um todo, já deu resultados surpreendentemente positivos.
Você acredita que essas transformações que já se iniciaram ocorrem no momento adequado, depois de 40 anos de sono em berço esplêndido do conjunto de administradores públicos e da sociedade regional?
Armando Barros de Castro – Não vejo no Brasil outra configuração que esteja mais adiantada do que a do Grande ABC. Vou dizer mais: se esse projeto continuar a avançar, o modelo que está sendo introduzido poderá ser adotado inclusive no Brasil como um todo. Afinal, esse movimento todo não pretende transformar o Grande ABC numa autarquia, fechado em si mesmo. Estamos sincronizados à contemporaneidade dos movimentos que se registram na França, na Itália e em outros países. A defasagem de tempo é muito pequena entre o que estamos realizando e as experiências lá fora. Temos, inclusive, procurado absorver muitas das lições desses casos, como é o exemplo da comitiva de Sesto San Geovanni que esteve recentemente em Santo André e que no mês passado recebeu uma delegação do Grande ABC. Estamos, dessa forma, fugindo do modelo de o governo federal querer determinado recorte institucional e econômico. É uma iniciativa própria da região, com recursos nossos. Isso é absolutamente admirável.
O problema é que o Estado ainda centraliza a suposta política econômica e reúne uma deformação congênita em termos de representação política no Congresso Nacional.
Armando Barros de Castro – Temos todo um histórico de imposto inflacionário que foi utilizado como substituto de política fiscal realmente competente. Quem mais sofreu com isso foram os assalariados. Mas isso é coisa do passado, porque ninguém mais aceita essa alternativa. Vivemos momento em que se retiram esqueletos dos armários e entre as questões está a remodelação da estrutura tributária. Todos os poderes no Brasil não poderiam deixar de estar doentis, porque esta é uma sociedade doente, cuja origem está na péssima distribuição de renda. Os que recriam a riqueza participam muito pouco dos dividendos e isso é um impedimento ao capitalismo nos tempos modernos.
Como você analisa a fragilidade política da região?
Armando Barros de Castro – Há um ingrediente curioso nisso, porque a expressão econômica de São Paulo nunca teve a contrapartida equivalente no cenário político, e isso inclui o Grande ABC, evidentemente. Estados muito pequenos do Norte e Nordeste sempre tiveram influência muito maior do que São Paulo. Esse é um obstáculo que precisamos vencer. Há sub-representação impossível de ter continuidade no futuro, mas que não pode servir de pretexto para a cruzada de braços. Temos de nos desdobrar para compensar essa dificuldade, sem partir para um regionalismo fechado. Crescer aproveitando as sinergias internas com grau cada vez mais sofisticado de inter-relação com o Brasil e com o mundo. Por isso que insisto sempre em falar em rede. Rede é isso. Mais do que o computador, o mundo tem de funcionar em rede.
Qual é a imagem que você tinha do Grande ABC e a imagem que passou a ter depois de cinco meses de vida aqui?
Armando Barros de Castro – O que tem me impactado mesmo, para quem mora no Jabaquara como eu e que vem de ônibus para cá, é que tinha a idéia de um grau de pobreza muito maior da região. O que vejo em minhas viagens de ônibus é predominantemente uma paisagem arquitetônico-urbanísticas avançada em termos de Brasil. Posso falar porque conheço o Brasil razoavelmente desde Marajó até o Rio Grande do Sul. Eu sou do Rio de Janeiro e sei o que é miséria. Até brinco aqui com o pessoal que fala em pobreza, que existe em São Paulo e também no Grande ABC, mas no Rio de Janeiro é outra coisa. Pobreza, deterioração mesmo, chega de ônibus no Rio de Janeiro. Estou falando da minha terra, mas você olha tudo aquilo e acha difícil imaginar uma solução. Aqui o impacto é predominantemente positivo. Antes de conhecer, imaginava que a região não teria tido esse surto de desenvolvimento arquitetônico, urbanístico, econômico. Imaginava a região acanhada, sem nenhuma inovação arquitetônica mais pronunciada. Sem a qualidade dos shoppings centers. Já andei muito pela região, vi favelas também. Basta andar pela Anchieta e se observa a pobreza invadindo áreas dos mananciais. No balanço geral, a impressão é positiva. A beleza natural de Ribeirão Pires é impressionante. A potencialidade turística é muito maior do que imaginava.
Então você está dizendo que a imagem externa do Grande ABC é mesmo de periferia?
Armando Barros de Castro – Sim, de uma região bem mais pobre do que encontrei. Sem ousadias arquitetônicas, sem tanta gente vivendo num padrão de país desenvolvido.
Seria uma avaliação da imagem de mera região operária?
Armando Barros de Castro – De um operariado atraído de maneira completamente descontrolada. Durante décadas para onde o Brasil inteiro se dirigiu? Para São Paulo, para o Grande ABC. A atratividade se tornou muito maior do que as efetivas oportunidades de trabalho. Por isso imaginava desequilíbrio muito mais acentuado do que acabei por constatar pessoalmente. As estatísticas me deram uma imagem distorcida da região.
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10/05/2024 Todas as respostas de Carlos Ferreira