Política

Números estranhos de pesquisas
do Diário requerem transparência

DANIEL LIMA - 29/08/2012

É isso que dá: como o Diário do Grande ABC (uma publicação jornalística com mais de 50 anos de circulação) inventou um instituto de pesquisa mantido à distância do interesse público, só poderia dar no que deu, ou seja, provocar insatisfação formal de pelo menos um candidato a prefeito na Província do Grande ABC, Alex Manente, de São Bernardo. Sei por várias fontes que a lista de insatisfeitos é enorme e irritadíssima, mas à maioria falta coragem e sobra cautela para se expor, por temer retaliações.


 


As explicações do jornal, num texto assinado pelo diretor-presidente Ronan Maria Pinto, abrindo as planilhas aos interessados, é um remendo que poderia ter sido evitado. O problema do Diário do Grande ABC é recusar-se sistematicamente a acreditar que transparência faz bem em qualquer tipo de atividade. Principalmente no jornalismo.


 


Tanto Alex Manente quanto outros concorrentes têm razões de sobra para desconfiar dos números anunciados pelo Diário do Grande ABC no final de semana. Já escrevi sobre um dos vetores daquela pesquisa na edição de segunda-feira, quando estranhei os números de aprovação e de reprovação dos atuais prefeitos, principalmente na similaridade envolvendo Aidan Ravin, Clóvis Volpi e Mário Reali. É por demais intrigante que estejam os três nos mesmos patamares de aprovação e de reprovação, sabendo-se, como se sabe -- e as folhas de jornais impressos e digitais estão aí para testemunhar -- que não há paralelismo entre os estragos causados pelo bombardeio sofrido pelo prefeito de Santo André e a paz que praticamente reina entre os demais. 


 


Provavelmente Alex Manente tenha razões para questionar os resultados do Diário do Grande ABC na edição de domingo, porque seu caso se espalhou a vários outros concorrentes. Aliás, tanto os números de Alex Manente quanto de Luiz Marinho são um desafio ao senso comum que somente eventuais explicações de especialistas poderiam justificar. Querem ver?


 


Cruzando os votos


 


Fiz um cruzamento de votos espontâneos e de votos estimulados de todos os candidatos com possibilidades de vitória na Província do Grande ABC. Comparei os dados da primeira pesquisa do Diário (quando o tal instituto ainda não fora anunciado) e da segunda edição, ou seja, de julho e de agosto. No caso de São Bernardo, encontramos enorme montanha de dúvidas tendo como princípio de análise o conceito de que voto espontâneo é voto consolidado, está na ponta da língua do eleitor, e voto estimulado é voto menos confiável e sólido, porque decorre do resultado da apresentação de um disco com o nome de todos os concorrentes à Prefeitura.


 


O prefeito Luiz Marinho, que concorre à reeleição, saltou de 24,5% para 46,5% de votos espontâneos entre a primeira e a segunda rodada de pesquisas do Diário. Uma evolução de 89,8%. Já nos votos estimulados, Luiz Marinho saiu do patamar de 41,2% para 53,4%, com crescimento de 29,6%. Alex Manente saltou nos votos espontâneos de 7,9% para 28,9% da primeira para a segunda pesquisa e, nos votos estimulados, de 13,1% para 22,7%.


 


Reparem que os números de Alex Manente são compulsoriamente curiosos, para dizer o mínimo. Afinal, praticamente dobrou o universo de eleitores que o apontaram espontaneamente como candidato de preferência entre uma rodada e outra, mas, quando se vai para o campo do voto estimulado, reduz relativamente a massa de votos de 28,9% para 22,7%. Convenhamos que há algo complexo no reino da matemática e da aritmética das pesquisas do Diário. No caso de Luiz Marinho, o salto extraordinário de votos espontâneos entre as duas rodadas (de 24,5% para 41,2%) não tem a mesma impetuosidade nos votos estimulados (de 46,5% para 53,4%). Considerando-se a margem de erro, os votos estimulados de Luiz Marinho praticamente não se moveram entre as duas rodadas. Diferentemente do salto olímpico dos votos espontâneos.


 


Fenômenos espalhados


 


Fenômenos assemelhados se deram em outros endereços. Sabe-se que Raimundo Salles está decepcionado e certamente com razão, porque foi atropelado pelo mesmo caminhão de suposta incoerência de dados. Afinal, nos votos espontâneos, entre a primeira e a segunda rodada de pesquisas, saltou 128%, ao deixar o patamar de 2,8% em julho para chegar a 6,4% em agosto. Já nos votos estimulados, Raimundo Salles sofreu revés portentoso, porque caiu dos 17,8% registrados em julho para 13,7% em agosto.


 


O que pergunto é sintomático dos questionamentos de todos que se debruçaram nos dados: como pode alguém ganhar musculatura tão visível entre uma pesquisa e outra no critério de voto espontâneo e cair pelas tabelas no voto estimulado? Será que parte dos leitores de Raimundo Salles, firmes na explicitação do voto espontâneo, sofre de amnésia e, quando submetida à cartela com o nome com todos os candidatos, resolve mudar de time? Haveria entre parte dos eleitores de Raimundo Salles o pecado capital visto de terça a sexta-feira em Gabriela, mais propriamente no Bataclan de Maria Machadão? Como isso é possível se conta com pesquisas que o colocam como o candidato preferencial de segundo voto dos eleitores de Carlos Grana e de Aidan Ravin? 


 


Duro mesmo é que Raimundo Salles nem poderá reclamar de perseguição do jornal e do instituto de pesquisa, porque Carlos Grana, do PT, também passou por emagrecimento entre uma etapa e outra, embora sem o mesmo impacto. Carlos Grana contava na pesquisa de julho com 7,4% dos votos espontâneos, ante 13,3% de agosto. O natural seria que desse um salto nos votos estimulados, mas não foi o que se viu: saiu de 20,4% para 21,9%. Os números do prefeito Aidan Ravin também são alçados à interrogação, porque saíram de 12,9% para 21,2% de votos espontâneos entre uma rodada e outra, mas, quando se chega à planilha de voto estimulado, regride dentro da margem de erro, de 32,5% em julho para 30,4% em agosto.


 


Ponto de interrogação


 


A melhor explicação ao descasamento entre votos espontâneos e votos estimulados a atingir várias candidaturas seria a cristalização do eleitorado em torno dos nomes colocados em disputa. Mas essa variante não encontra guarida quando se observa que é baixíssimo o índice de voto espontâneo da maioria dos concorrentes. Sem grande visibilidade midiática, a tradição na Província do Grande ABC diz que somente na reta de chegada uma parte considerável do eleitorado define para valer em quem votar para prefeito. Daí a conclusão, reiterada, de que a não correspondência de crescimento relativo do voto estimulado quando contraposto ao voto espontâneo nos respectivos municípios ganha a forma de enorme ponto de interrogação. Caberia ao Diário do Grande ABC, especificamente ao responsável técnico pela ação investigativa, dar embasamento científico às aparentes incongruências que saltam das planilhas.


 


Como o conceito de voto espontâneo e voto estimulado permite amplas abordagens, além das que apresentei neste texto, é possível que volte ao assunto. A complexidade do tema, reconheço, não assegura sentenças definitivas ou mais aprofundadas sem contar com a massa de informações supostamente sob controle do instituto que o Diário do Grande ABC diz ter criado. A metodologia não garantiria, entretanto, uma ação de campo que não flertasse com a imprecisão. Advertem especialistas como Marcos Coimbra, do Instituto Vox Populi, que entre o céu da pesquisa de voto espontâneo e o inferno do voto estimulado (a metáfora é minha) há enormes possibilidades de manipulações. Daí a importância, repito, de o Diário do Grande ABC assimilar as críticas explícitas ou veladas. E, também, compreender que, se é veterano nas lides jornalísticas, não passa de iniciante na área de pesquisa. Tentar transportar a tradição de comunicação à esfera de opinião pública é uma jogada de marketing que pode contaminar a imagem da publicação em vez de reforçá-la.


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