Em Editorial de primeira página (o suprassumo dos editoriais de uma publicação, utilizado em situação muito especial) a Folha de S. Paulo pediu a cabeça de Dilma Rousseff na edição do último domingo. Colocou o vice-presidente Michel Temer no mesmo balaio de gatos de incapacidade gerencial e política. Quem acompanha esta revista digital há de se lembrar (e se não se lembra, será lembrado) que, de forma fundamentada, como vou reproduzir abaixo, em março do ano passado, tomamos a decisão editorial de solicitar a renúncia da presidente da República. O que quero dizer com isso? Quero dizer que, embora esteja fortemente instalado de corpo, alma e conhecimento na Província do Grande ABC, não desgrudo atenção a outros territórios. O quadro nacional e internacional assim o exige. Regionalismo é isso. O resto é mesmo provincianismo.
Para matar a cobra e mostrar o pau, vou reproduzir os principais trechos do Editorial da Folha de S. Paulo de domingo, antecedidos de partes do texto que publiquei em 15 de março do ano passado. Terão os leitores a oportunidade de estabelecer confronto mais que temporal, de substância informativa e analítica saudável entre as duas posturas. E, mais que isso, jogar na lata do lixo do gataborralheirismo cultural a ideia de que nesta Província todo jornalista perde tempo com baboseiras políticas locais a serviço de muitos agentes de qualidade sofrível. Vamos então aos trechos selecionados:
CapitalSocial – A presidente Dilma Rousseff e o PT estão perdidos em meio à tempestade de pressões que sofrem por conta de desencantos e desencontros nem todos conhecidos de 12 anos de poder. Por isso ainda não entenderam o recado as ruas. Não entenderam mesmo ou se fazem de desentendidos? O mais provável é que, como não são tolos, procuram ganhar tempo na esperança de que a fervura se abrande e que conchavos multipartidários recoloquem a bagunça nos devidos lugares de acomodação geral e irrestrita. Falta combinar com a força-tarefa que esquadrinhou as vísceras da Petrobras.
Folha de São Paulo – A presidente Dilma Rousseff (PT) perdeu as condições de governar o país. É com pesar que este jornal chega a essa conclusão. Nunca é desejável interromper, ainda que por meios legais, um mandato presidencial obtido em eleição democrática. Depois de seu partido protagonizar os maiores escândalos de corrupção de que se tem notícia; depois de se reeleger à custa de clamoroso estelionato eleitoral. Depois de seu governo provocar a pior recessão da história, Dilma colhe o que merece.
CapitalSocial – Mal sabem Dilma e os petistas que a temperatura pode aumentar às alturas. Novas revelações da força-tarefa da Operação Lava Jato devem adicionar mais pimenta ao vatapá de vagabundagens e incompetências. A prisão de Renato Duque, anunciada hoje, é uma peça importantíssima no tabuleiro de destruição de muita tese de advogado das empreiteiras. Duque seria o elo principal que ligaria os bandidos engravatados ao centro do poder da Petrobras durante a gestão da mais tarde eleita presidente da República. Será que os petistas não captaram ainda a mensagem de que nem está certa a minoria das minorias que pede a volta dos militares nem a maioria que sugere o impeachment? Pois o que os brasileiros enganados nas últimas eleições esperam para valer do fundo da alma é a renúncia da presidente, com consequente desmonte da linha de montagem de roubalheiras que o PT coordenou durante mais de uma década – até que a pedra da Petrobras aparecesse no meio do caminho.
Folha de S. Paulo – Formou-se maioria favorável a seu impeachment. As maiores manifestações políticas de que se tem registro no Brasil tomaram as ruas a exigir a remoção da presidente. Sempre oportunistas, as forças dominantes no Congresso ocupam o vazio deixado pelo colapso do governo. A administração foi posta a serviço de dois propósitos: barrar o impedimento, mediante desbragada compra de apoio parlamentar, e proteger o ex-presidente Lula e companheiros às voltas com problemas na Justiça.
CapitalSocial – Os brasileiros querem uma renúncia sem traumas maiores que a própria renúncia significa. Tudo é preferível ao sangramento contínuo que possivelmente levará a institucionalidade a situação dramática e a economia à ribanceira internacional. O remédio da economia, que cura todos os males de baixa cidadania porque o bolso é cego, surdo e mudo em tempos de fartura, esse remédio já se esgotou. O brasileiro que foi às ruas ou que torceu pelo fervilhar das manifestações instalado num sofá diante do aparelho de TV já não quer nem Dilma Rousseff nem o PT no governo federal. Será que eles ainda não entenderam a mensagem ou são estupidamente burros que se acham habilitados a consertar o cristal de credibilidade que se foi? Ações contra a corrupção num governo liderado pelo PT equivale a falar de corda em casa de enforcado.
Folha de S. Paulo – Mesmo que vença a batalha na Câmara, o que parece cada vez mais improvável, não se vislumbra como ela possa voltar a governar. Os fatores que levaram à falência de sua autoridade persistirão. Enquanto Dilma permanecer no cargo, a nação seguirá crispada, paralisada. É forçoso reconhecer que a presidente constitui hoje o obstáculo à recuperação do país.
CapitalSocial – Enganam-se aqueles que anexam ao cronograma de desgoverno petista a chegada de Dilma Rousseff à presidência da República. Nem economicamente e muito menos em ética o desastre petista começou com Dilma Rousseff. A presidente só foi incapaz de contornar as armadilhas entre outras razões porque não tem a habilidade, conhecimento e capacidade de juntar os diferentes que durante todo o tempo deram suporte ao antecessor Lula da Silva. Este sim, o marco zero do desastre. Tudo começou com Lula e seu viagra consumista de políticas anticíclicas, cujos efeitos se foram e deixaram rastro contaminador de desilusões e desassossego. Lula da Silva é a gênese da crise institucional e econômica. A começar pelo aparato que azeitou sistemicamente as engrenagens das petrorroubalheiras e de tantas outras falcatruas, passando pelas imprevidências econômicas de um presidente bafejado pela onda milionária de valorização das commodities mas cujos recursos evaporaram em gigantescas aplicações de cunho predominantemente populista.
Folha de S. Paulo – Esta Folha continuará empenhando-se em publicar um resumo equilibrado dos fatos e um espectro plural de opiniões, mas passa a se incluir entre os que preferem a renúncia à deposição constitucional. Embora existam motivos para o impeachment, até porque a legislação estabelece farta gama de opções, nenhum deles é irrefutável. Não que faltem indícios de má conduta; falta, até agora, comprovação cabal. Pedaladas fiscais são razão questionável numa cultura orçamentária ainda permissiva.
CapitalSocial – (...) Dilma Rousseff talvez não se dê conta de que os desígnios que a levaram a ocupar a Presidência da República por quatro anos, renováveis potencialmente por outros quatro, lhe foram extremamente generosos. Por mais que se procure, não se encontra em sua personalidade e nos atributos de executiva pública, quer à frente da Petrobras, quer no governo, nada que a diferencie de alguém que se encaixa bem em qualquer atividade comum, sem grandes responsabilidades. (...) Alguém precisa avisar Dilma Rousseff: ela é mesmo presidente da República e, portanto, já passou da hora de acordar, renunciado ao cargo. A realidade virou pesadelo.
Folha de S. Paulo – Mesmo desmoralizado, o PT tem respaldo de uma minoria expressiva; o impeachment tenderá a deixar um rastro de ressentimento. Já a renúncia traduziria, num gesto de desapego e realismo, a consciência da mandatária de que condições alheias à sua vontade a impedem de se desincumbir da missão. (...) Dilma Rousseff deve renunciar já, para poupar o país de trauma do impeachment e superar tanto o impasse que o mantêm atolado como a calamidade sem precedentes do atual governo.
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19/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (24)