Nada melhor que uma campanha eleitoral na Província do Grande ABC para avaliar com certa margem de segurança o nível de preparo de candidatos. Está no Diário do Grande ABC de hoje uma iniciativa do candidato Aidan Ravin, ex-prefeito que pretende voltar a um Paço Municipal empobrecido demais desde que Celso Daniel se foi.
Aidan Ravin abre o Festival de Besteiras de Campanha Eleitoral. Mas podem apostar que será apenas um entre muitos que exibirão musculatura invejável ao verbalizar bobagens que os atuais prefeitos exercitaram para valer sobretudo nos dois primeiros anos de gestão, como atesta o Observatório de Promessas e Lorotas que criamos e à disposição dos leitores para aferição permanente.
Aidan Ravin disse hoje em reportagem do Diário do Grande ABC (que publicou a matéria sem ao menos opor interpretação sequer, como se barbaridades ditas são barbaridades intocáveis) que já fechou proposta de governo com 70% dos atuais ocupantes do Legislativo de Santo André. Ou seja: não sei quantos dos vereadores que integram o Legislativo de Santo André (seriam 70% de 21 segundo minha memória sugere) já assumiram compromisso com o suposto futuro prefeito de Santo André. Eles farão repasse de recursos financeiros aos quais têm total acesso (as chamadas emendas parlamentares) para que o valor seja destinado à compra de uniformes escolares.
É claro que Aidan Ravin preparou uma estilingada para atingir em cheio o atual prefeito. Tudo porque o petista Carlos Grana não tem cumprido promessa de campanha de manter os estudantes padronizados em vestimentas cedidas pelo Poder Público.
O céu é o limite
O anúncio do candidato Aidan Ravin equivale a este jornalista prometer aos leitores farta distribuição de dinheiro a quem participar de enquete sobre qualquer tema regional caso outra iniciativa, de monetizar esta revista digital em milhões de reais, dê o resultado final arrecadatório projetado por marqueteiros salvacionistas.
Tanto no caso real – a iniciativa verbal de Aidan Ravin – quanto no ficcional – a transformação de audiência em dinheiro grosso – faltaria combinar com os russos. No caso concreto do ex-prefeito Aidan Ravin, os russos são os eleitores de Santo André, os quais deveriam reeleger os 70% dos vereadores já seduzidos pela iniciativa.
Como se vê, excessos não faltam ao médico que ganhou em 2008 as eleições municipais mais difíceis deste século na região, quando superou o petista Vanderlei Siraque num segundo turno quase acidental. Ou não foi assim, já que tudo poderia ter sido decidido no primeiro turno, quando Siraque ficou a pouco mais de um ponto percentual dos votos necessários para liquidar a fatura?
O mesmo médico que, quatro anos depois, perdeu uma das eleições mais fáceis deste mesmo século, ao, mesmo com a máquina pública à disposição num mandato de quatro anos, foi derrotado pelo petista Carlos Grana, até então quase desconhecido na política municipal.
Blefe combinado
Convenhamos que a bandeira desfraldada por Aidan Ravin é digna mesmo de integrar o portal explicativo do Festival de Besteiras de Campanha Eleitoral, embora tenha sido tratada com seriedade pelo Diário do Grande ABC. Só faltou elevar a reportagem à manchetíssima (manchete das manchetes de primeira página). Já imaginaram algo assim: “Aidan promete uniforme a estudantes com dinheiro de vereadores”. Acharam um exagero? Então leiam a manchete de página interna do Diário do Grande ABC de hoje: “Aidan fala em acordo com vereadores para garantir uniforme”.
Temos no caso presente um blefe coletivo. Um candidato a prefeito supostamente combina com a maioria do Legislativo um enredo que os beneficiaria em conjunto durante a campanha eleitoral. Em matéria de criatividade, convenhamos, é um grande golpe publicitário.
Mesmo que a proposta de Aidan Ravin seja premonitória, não há obstáculo algum à avaliação de que, posta desta forma num contexto de disputa eleitoral que mal começou e cujos resultados coletivos são absolutamente indecifráveis, se traduz em clara sinalização de que o candidato não veio para praticar modéstia e tampouco tem vínculo com a seriedade que o cargo exige. Se Aidan Ravin diz isso oficialmente a uma publicação tão tradicional, embora descuidada, imagine o que declara nas quebradas da periferia pouco escolarizada e, mais que isso, pouco preparada para discernir promessa de lorota e lorota de estupidez.
Como sou um preguiçoso contumaz (foi o que um imbecil escreveu outro dia em publicação apócrifa) e só trabalho 16 horas por dia (as oito restantes são para dormir, passear com as cachorras, cuidar da higiene pessoal, assistir a algum bom filme, a novela das nove e meia e mais alguma coisa, como sofrer com meu time do coração) não terei dificuldades em acompanhar atentamente o Festival de Besteira de Campanha Eleitoral que já se iniciou com a oficialização das disputas. Vai ser uma tormenta.
O outro lado da moeda
Entretanto, não posso desprezar também (e não desprezo mesmo) possibilidade de surgirem dos candidatos propostas factíveis do ponto de vista orçamentário como também de prospecção de uma regionalidade escassa. No mínimo, possíveis sugestões e ideias podem ser melhoradas por quem, como este jornalista, está na praça há tanto tempo que a imperiosidade de participar de alguma coisa prevalece.
Por exemplo: no mesmo Diário do Grande ABC de hoje que publicou o coronelismo de Aidan Ravin no caso dos vereadores, o deputado estadual Orlando Morando declarou disposição de rebaixar alíquotas de impostos municipais em São Bernardo, muitas das quais elevadas ao sabor de circunstâncias pelo prefeito petista Luiz Marinho.
É claro que Orlando Morando sabe que restabelecer a competitividade econômica de São Bernardo depende também da Lei de Responsabilidade Fiscal, a qual estabelece limites a deliberações de chefes de Executivos. Certamente Orlando Morando deve contar com uma banda larga a efetivação da iniciativa. Só que poderia melhorar.
E a regionalidade?
Como melhorar? Basta se inspirar no legado de Celso Daniel, completamente destruído, que, à frente do Clube dos Prefeitos e da Agência de Desenvolvimento Econômico, pregou a uniformização de alíquotas de todas as atividades abrangidas por tributos municipais, de modo a que a regionalidade imperasse no campo fiscal. Houve sabotagens tanto do prefeito de Ribeirão Pires, Clovis Volpi, como do prefeito de São Caetano, Luiz Tortorello, além de Maurício Soares, de São Bernardo, mas se encaminharam estudos e resoluções para um encontro de águas razoavelmente satisfatório.
Quem sabe Orlando Morando e uma eventual nova configuração de prefeitos da região, que desloque a escanteio pruridos ideológicos, municipalistas e provincianos, destruiriam a barafunda de impostos que transformaram a Província do Grande ABC em território disseminador de guerra fiscal suicida?
Acho que me vou ocupar em parte até as eleições de outubro em destrinchar iniciativas positivas e esdrúxulas de candidatos. Sinto que é preciso que, de vez em quando, esse tipo de trabalho de apuração analítica seja praticado porque as publicações da região, em diversas plataformas, se repetem na incapacidade de associar a liberdade de expressão dos políticos à obrigatoriedade e à responsabilidade de intervir suplementarmente ou mesmo de forma protagonista na proteção do interesse público.
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19/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (24)